As centenas de ignições que têm ocorrido à noite são, segundo as autoridades e os especialistas, um dos sinais de alerta sobre o que pode estar a originar nos incêndios que têm ocorrido no Pais. Só no período da noite e durante a madrugada desta terça-feira ocorreram 125 as ignições, levando a Proteção Civil a lançar um apelo desesperado: “Este número não é comportável”, sublinhou em conferência de imprensa o comandante nacional André Fernandes.
Isto, enquanto o primeiro-ministro, que na segunda-feira já tinha referido que as ignições pareciam ser em sítios "selecionados", anunciou a criação de uma equipa especial para investigar alegadas ações criminosas nestes incêndios que já causaram a morte a sete pessoas e prometeu mão pesada.
Para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, tudo parece indicar que estes fogos à noite foram causados com intenções criminosas. “As ignições noturnas quando acontecem de forma natural, tipicamente surgem de partículas incandescentes que voam a partir de outros incêndios próximos”. Aquilo que temos observado são ignições dispersas e muito intensas nos primeiros momentos”, explica Paulo Severino, especialista em intervenção de crise e emergência.
Já o criminalista André Inácio observa que nos incêndios que têm vindo a fustigar vários zonas em Portugal durante a noite, “notam-se sinais de mimetismo”. “Normalmente, quando este tipo de ignições ocorre por mão humana, acontecem duas fases”. A primeira, refere, “tem normalmente como intuito uma vantagem económica e costuma estar ligada aos setores das madeiras, da construção e do pasto”. Já a segunda, esclarece, é resultado de um mimetismo. “Estamos a falar de uma série de indivíduos que, ao verem as imagens da devastação, querem fazer parte daquilo, querem fazer parte da destruição”.
"Tenho a certeza de que há dolo"
As ignições que têm vindo a assolar grande parte do território português estão a ser potenciadas por aquilo que os bombeiros apelidam de os “três trinta”, ou seja uma situação que em que o vento está acima dos 30 km/h, as temperaturas acima dos 30ºC e a humidade acima dos 30%. “É uma condição explosiva”, refere o professor universitário Salvador Pinho Ferreira de Almeida, especialista em proteção civil, alertando para a dificuldade em extinguir fogos iniciados durante a noite.
“Tenho a certeza absoluta que há dolo na maioria destes incêndios”, diz o professor universitário, garantindo que “quando a temperatura desce durante a noite, os fogos por causas naturais são muito improváveis”. Além disso, nota, os “focos estão demasiado dispersos para não terem tido mão humana e foram demasiado cirúrgicos para não se suspeitar de mão criminosa”.
Também o cenário de negligência parece improvável ao Comandante Jorge Mendes, dos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo. “Se fosse durante o dia, conseguíamos entender que tal pudesse ter ocorrido através do uso de máquinas agrícolas, agora da forma como têm ocorrido de noite tudo aponta para vários casos de fogo posto”. "Há um padrão que aponta para mão criminosa", acredita.
Jorge Mendes destaca que as sucessivas ignições que ocorreram esta madrugada entre as duas e as três da manhã na região Norte e Centro “perfazem uma espécie de linha através de estradas, como se indicassem uma espécie de caminho”. “É o comportamento típico de um incendiário”, descreve, deixando um aviso: “A vigilância neste tipo de crimes tem falhado, a punição também, e a sociedade não pode continuar a pagar por isto”.
Para André Inácio, criminalista e ex-inspetor da Polícia Judiciária, “o fenómeno incendiário em Portugal está cada vez mais difícil de controlar". Além disso, considera que "a vigilância de pirómanos está a falhar por completo”,
Nas últimas horas, a Polícia Judiciária deteve dois suspeitos de crimes de incêndio florestal que terão estado por trás das chamas que consumiram vários hectares de floresta e destruíram habitações na zona de Santo Tirso e de Aveiro. Também durante o dia de hoje foram constituídos arguidos quatro funcionários de uma junta de freguesia em Valongo, que terão sido responsáveis por uma ignição na localidade de Campo e que causou grandes dificuldades aos bombeiros. Ao todo, só este ano, a PJ fez pelo menos 29 detenções por este tipo de situações.
Números que Paulo Severino, diz serem “apenas a ponta do icebergue”. “Parece-me que o fenómeno é muito maior em escala, as autoridades têm de tomar precauções extraordinárias durante este tipo de alturas em que o risco de incêndio é maior”, afirma, acrescentando que “aqueles que estão identificados por terem cometido crimes de incêndio deviam ser alvo de maior fiscalização”. “É um risco enorme estarem em liberdade durante estes períodos”.
André Inácio sublinha, por seu lado, que as autoridades têm tido dificuldade em controlar as ações dos incendiários porque muitas vezes as penas judiciais que lhes são aplicadas ou são “muito leves, ou acabam por os deixar em liberdade a aguardar por julgamento, o que os leva muitas vezes a repetir o crime”.