Um vídeo bastante gráfico, que mostra duas mulheres forçadas por uma multidão enlouquecida a andarem nuas, no estado de Manipur, no nordeste da Índia, provocou indignação depois de ter sido propagado nas redes sociais. Tal levou o líder do país, Narendra Modi, a quebrar o seu silêncio sobre o conflito sectário que dura há meses que está a rasgar o estado.
O vídeo viral mostra um incidente ocorrido a 4 de maio deste ano, de acordo com o Fórum de Líderes Tribais Indígenas (FLTI), mas a polícia só fez detenções depois de o vídeo ter sido publicado esta semana.
A polícia de Manipur descreveu o incidente no Twitter na quarta-feira como “um caso de sequestro, violação coletiva e assassinato”.
Segundo disseram as autoridades esta quinta-feira, quatro pessoas foram detidas e há operações policiais em curso. As autoridades estão a interrogar mais de três dúzias de homens em relação à aparente agressão sexual, informou a Reuters.
O vídeo, que foi visto pela CNN, mostra duas mulheres aterrorizadas a serem forçadas a andar nuas através de uma multidão de homens vestidos. As mulheres parecem estar a ser apalpadas e agredidas sexualmente enquanto estão cercadas por uma multidão de homens, muitos deles brandindo longas bengalas ou bastões como armas.
O vídeo horrível surge mais de dois meses depois de o incidente ter acontecido. A violência étnica em curso em Manipur desencadeou restrições de Internet em todo o estado a 3 de maio.
Modi abordou a situação no estado pela primeira vez esta quinta-feira: “O meu coração está cheio de tristeza e raiva. O incidente em Manipur é vergonhoso para qualquer sociedade civil”.
“O que aconteceu com as filhas de Manipur nunca pode ser perdoado”, continuou Modi, acrescentando que “a lei seguirá seu curso com todo o seu poder”.
Enquanto a indignação e a repulsa com o ataque subiam de tom, o Supremo Tribunal da Índia ordenou quinta-feira que os governos federal e estadual de Manipur tomem “medidas imediatas… para responsabilizar os perpetradores” e “garantir que este tio de incidentes não se repentem”.
“Usar mulheres como instrumentos para perpetrar violência é simplesmente inaceitável em uma democracia constitucional”, disse o tribunal.
O ministro-chefe de Manipur, N. Biren Singh, condenou o incidente na quinta-feira, chamando-o de "crime contra a humanidade".
Dirigindo-se a jornalistas na capital do estado, Imphal, Singh disse que o governo do estado de Manipur, liderado pelo partido Bharatiya Janata, de Modi, não toleraria crimes contra “mulheres e nossas irmãs”, acrescentando que os culpados receberiam o castigo mais severo”.
“Apesar de caber ao tribunal decidir o tipo de punição, o governo e suas agências, juntamente com o povo de Manipur, farão esforços para que eles [os culpados] recebam a punição mais alta de hoje: a pena capital”, disse ele.
Singh, um membro do BJP, foi criticado pelo seu fracasso em desarmar a violência étnica em curso em Manipur.
A FLTI divulgou um comunicado na quarta-feira, escrevendo: “Um vídeo que se tornou viral hoje mostra uma grande multidão de Meitei fazendo duas mulheres da tribo Kuki-Zo desfilar nuas em direção a um campo de arroz para serem estupradas”.
A declaração continuou dizendo que o "incidente desprezível" ocorreu na vila de B. Phainom, no distrito de Kangpokpi, e "mostra os homens a molestar constantemente as mulheres indefesas, que choram e imploram aos seus captores”.
Manipur tem combatido contra a violência nos últimos meses.
Os confrontos eclodiram na capital do estado, Imphal, a 3 de maio, depois de milhares de estudantes - a maioria da tribo Kuki - participarem numa manifestação contra a maioria da comunidade étnica Meitei, que fez uma petição a defender um estatuto tribal especial. Entre outras coisas, o estatuto tribal permitiria aos Meitei comprar terras e ter mais oportunidades de empregos no governo.
Mais de 100 pessoas foram mortas e dezenas de milhares deslocadas desde então.
O incidente de 4 de maio ocorreu depois de a vila das mulheres ter sido incendiada e dois homens terem sido espancados até a morte, de acordo com o ITLF.
O principal partido de oposição da Índia, o Congresso, tem criticado veementemente a maneira como Modi lidou com a questão, com o presidente do partido, Mallikarjun Kharge, a puiblicar n Twitter na quinta-feira, antes da abertura do Parlamento: “A humanidade morreu em Manipur. O Governo de Modi e o BJP transformaram a democracia e o estado de direito numa mobocracia, destruindo o delicado tecido social do estado”.
Identificando Modi no seu tweet, ele continuou: “A Índia nunca perdoará o seu silêncio. Se resta alguma consciência ou um pingo de vergonha no seu governo, então fale sobre Manipur no Parlamento e conte à nação o que aconteceu, sem culpar os outros pela sua dupla incompetência – tanto no Centro quanto no Estado.”
Logo depois, o ministro-chefe do estado, N. Biren Singh, publicou no Twitter que já tinha sido feito uma detenção.
“Depois de tomar conhecimento de Suo-moto sobre o incidente imediatamente após o vídeo aparecer, a Polícia de Manipur entrou em ação e fez a primeira detenção esta manhã”, escreveu. O conhecimento de Suo-moto é um procedimento na lei indiana que permite ao tribunal tomar medidas num caso sem que uma queixa seja apresentada.
O responsável acrescentou que “uma investigação completa está em curso e garantiremos que medidas rigorosas serão tomadas contra todos os perpetradores, inclusive considerando a possibilidade de pena capital. Que se saiba, não há absolutamente nenhum lugar para tais atos hediondos na nossa sociedade”.
A polícia de Manipur disse mais tarde que havia feito mais três detenções de pessoas acusadas “do crime hediondo de sequestro e estupro coletivo”.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos da Índia (NHRC) emitiu avisos na quinta-feira ao secretário-chefe e diretor-geral da polícia do estado, pedindo um relatório detalhado sobre o caso dentro de quatro semanas.
O relatório deve incluir o estado da investigação, atualizações de saúde sobre sobreviventes do sexo feminino e outros feridos, bem como detalhes sobre a compensação – se alguma tiver sido concedida, disse o NHRC em comunicado.
O organismo pediu também detalhes sobre as medidas propostas ou tomadas para “salvaguardar os direitos humanos dos cidadãos – especialmente mulheres e setores vulneráveis da sociedade de tais incidentes bárbaros”.
O governo indiano emitiu uma ordem ao Twitter a e outras plataformas de redes sociais, instruindo-as a não partilhar o vídeo viral, disse uma fonte familiarizada com o assunto à CNN na quinta-feira, acrescentando que é “imperativo para as plataformas de redes sociais aderirem às leis indianas, pois o assunto está sob investigação”.