Portugueses perderam 4% de poder de compra em 2022. Este ano vão continuar a perder, só não se sabe quanto - TVI

Portugueses perderam 4% de poder de compra em 2022. Este ano vão continuar a perder, só não se sabe quanto

  • Filipe Maria
  • 19 fev 2023, 08:00
Economia

Caso o cenário de uma taxa de inflação de 5,8% em 2023 se concretize, deverá registar-se uma nova perda do poder de compra. A maioria dos empregadores (34%) espera antes uma atualização salarial entre os 2,5% e os 4,9%

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A inflação galopante que se fez sentir durante o ano passado anulou a totalidade dos aumentos salariais que os portugueses receberam. O resultado foi uma queda do poder de compra, que, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), atingiu os 4%.

Apesar de o salário mensal em 2022 ter atingido 1.411 euros, em termos reais, ou seja, descontando a taxa de inflação, este salário representa apenas 1.232 euros, um valor que é inferior ao do salário de 2021 e que também é inferior ao salário de 2020. Num só ano, a taxa de inflação mais alta dos últimos trinta anos, de 7,8%, engoliu os aumentos que se verificaram em 2020 e 2021.

Para 2023, as notícias em relação à taxa de inflação são melhores, mas, ainda assim, parece não haver dúvida que o poder de compra irá continuar em queda.

As previsões de inflação para 2023 variam, consoante a entidade em causa, com o Governo a estimar que a inflação desacelere para os 4%, segundo o Orçamento do Estado para 2023. Uma projeção otimista face às previsões de inverno da Comissão Europeia que colocam este valor nos 5,4% em 2023 e nos 2,4% em 2024.

Neste cenário, a expectativa é a de uma nova perda do poder de compra em 2023, embora ainda não seja certo o valor desta queda. Para o economista João Borges de Assunção, esse “parece ser o cenário mais provável, em média”, embora isto possa significar que, em alguns empregos, pode haver ganhos de poder de compra, enquanto perdas significativas noutros. Já no reverso da moeda, o economista destaca que, do ponto de vista internacional, “Portugal pode ter ganhos de competitividade”.

Os dados do INE mostram, aliás, que houve discrepâncias entre os ganhos salariais médios pagos no mercado de trabalho português. No final de 2022, o salário médio nas atividades associadas à agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca era de 933 euros. Já nas atividades de eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio, a remuneração média era quase quatro vezes superior, nos 3.521 euros.

João Borges Assunção explica que os salários resultam da produtividade média do trabalho, um fator que pode variar de setor para setor. “O investimento reprodutivo tende a aumentar a produtividade do trabalho”, indica o economista pelo que, neste sentido, os setores mais intensivos em investimentos de capital vão ter, “naturalmente”, uma maior produtividade, resultando em salários mais elevados. 

Já a evolução desta produtividade do trabalho, bem como da sua qualidade e intensidade do investimento, irão ser os principais fatores a influenciar a evolução do salário médio em Portugal nos próximos anos. No entanto, João Borges Assunção considera haver “um certo ambiente de estagnação em Portugal” e critica ainda a forma como os novos investimentos, nomeadamente os que resultam do Plano de Recuperação e Resiliência, “deveriam ter qualidade” e contribuir para o aumento da produtividade.

Quanto vão aumentar os salários em 2023?

As previsões de inverno de Bruxelas preveem que as famílias não vão recuperar a totalidade das perdas do poder de compra até ao final de 2024. Ainda assim, a Comissão Europeia estima um abrandamento da perda do poder de compra ao longo deste ano.

Segundo o documento, embora a queda na inflação referente à energia seja uma boa notícia para as famílias, os salários reais deverão continuar a cair no curto prazo, recuperando parte do poder de compra perdido "apenas nos últimos trimestres", à medida que o crescimento dos salários ultrapassa a desaceleração da inflação. Os técnicos europeus recordam, aliás, que muitos dos salários atuais são um reflexo dos acordos negociados antes da aceleração da inflação em 2022.

Também dados da recrutadora Hays vão, em parte, ao encontro das conclusões de Bruxelas. Segundo o Guia Hays 2023, menos de metade dos empregadores consultados (48%) afirma ter efetuado aumentos entre os 2,5% e os 9,9% em 2022. Já perto de um em quatro empregadores (23%) admite aumentos até 2,4%. Apesar destes aumentos, os profissionais continuam “extremamente insatisfeitos” com o pacote salarial, destaca a Hays.

Para 2023, as expectativas salariais apontam para que 31% dos profissionais esperem que o seu salário aumente em pelo menos 10%. Por oposição, apenas 7% dos empregadores prevê este mesmo cenário. A maioria dos empregadores (34%) espera antes uma atualização salarial entre os 2,5% e os 4,9%.

Fonte: Guia Hays 2023

Empresas dispostas a aumentar salários apesar das dificuldades, mas sem incentivos para tal

Para Eduardo Marques Lopes, Diretor de Marketing e Comunicação da Multipessoal, o salário continua a ser o principal fator na decisão de permanecer, ou não, numa empresa, algo evidenciado pelo estudo da Multipessoal, “Necessidades e Expectativas dos Colaboradores de Empresas em Portugal”.

Neste sentido, o diretor de marketing destaca que se tem assistido a uma “crescente abertura e vontade, por parte das empresas, de responderem ao aumento do custo de vida”, pelo que se tem observado “vários casos” de empresas a aumentar os seus salários de entrada acima do salário mínimo nacional.

No entanto, embora a recrutadora sublinhe e considere positiva a predisposição dos empregadores para subir salários, a mesma destaca que poderão verificar-se alguns desafios neste processo devido aos “poucos incentivos proporcionados às empresas” neste sentido.

Já Pedro Amorim, Corporate Clients Director do ManpowerGroup e Managing Director da Experis Portugal, defende que a evolução salarial em Portugal irá assumir duas realidades distintas. Por um lado, os empregadores, na sua generalidade, “terão dificuldade em aumentar os salários de forma a acompanharem a inflação e o aumento do custo de vida”, pois também elas estão a ser impactadas ao nível das “estruturas de custos” e na procura de bens e serviços, exigindo um maior foco na competitividade e sustentabilidade dos negócios.

De modo a combater esta questão, as organizações já procuram responder à perda salarial através de “dotações salariais extraordinárias”, ou ainda outros benefícios como o cartão de combustível.

Por outro lado, nos setores onde a oferta de talento não acompanha a procura, existindo assim uma escassez de profissionais, “os aumentos salariais irão manter-se”, sendo que Pedro Amorim destaca o setor tecnológico, onde se mantém a procura nas áreas “fintech, e-commerce, ou outras relacionados com a transição digital”.

Para o Corporate Clients Director do ManpowerGroup, os profissionais podem sentir um incremento salarial, sobretudo, na transição entre projetos. Pedro Amorim indica que a maior rotação de profissionais se verifica nos perfis com experiência até 5-6 anos, sendo inclusivamente nestes perfis onde se observa uma maior subida salarial.

Por sua vez, isto “tem levado à aproximação entre estes salários e os dos profissionais com uma experiência mais alargada, que não sentirão uma evolução tão significativa”, refere.

Outro aspeto a ter em conta prende-se ainda com o impacto das vagas de despedimentos no setor tecnológico, libertando profissionais que “tinham contratado em excesso” durante a pandemia. Pedro Amorim explica que estes profissionais podem dar resposta às necessidades de talento de outras empresas que, até agora, não conseguiram contratar profissionais de perfil tecnológico, pelo que “o mercado tenderá a uma maior estabilidade a nível salarial”.

E se no setor privado é esta a realidade, no setor público, os aumentos negociados não deverão permitir ganhos de poder de compra para uma parte significativa dos funcionários. Os aumentos para a função pública variam entre 8% para a remuneração mais baixa da tabela, que é de 705 euros, e 2% para os rendimentos a partir de 2.570,82 euros.

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