Papas e igreja encobriram poderoso padre que até abusou sexualmente dos filhos - TVI

Papas e igreja encobriram poderoso padre que até abusou sexualmente dos filhos

  • 2 jan 2019, 13:21
Padre Marcial Maciel e o Papa João Paulo II

Cardeal brasileiro denúncia complacência do Vaticano durante décadas com as práticas de Marcial Maciel. Que terá até abusado dos próprios filhos que teve com duas mulheres

O cardeal brasileiro João Braz Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, pôs o dedo na ferida e acusou a cúria romana de ter conhecimento e documentos sobre a vida pedófila do mexicano Marcial Maciel, padre e fundador dos Legionários de Cristo.

Tenho a impressão de que as denúncias de abusos vão aumentar, porque estamos apenas no começo. Estamos a esconder isso há 70 anos, o que foi um grande erro", declarou João Braz Aviz em entrevista à revista católica espanhola Vida Nueva, na qual assume, sobre a vida de Marcial Maciel, que "quem o ocultou era uma máfia e não era da igreja".

As acusações de encobrimento agora feitas pelo cardeal João Braz de Aviz acabam por implicar os dois últimos Papas antes de Francisco, João Paulo II e Bento XVI, ambos tidos como bastante próximos do clérigo mexicano Marcial Maciel, que morreu em 2008, sem sequer pedir perdão pelos seus actos, como refere o jornal espanhol El País, numa altura em que uma comissão de inquérito já tinha revelado inequivocamente as suas atividades criminosas e uma vida de devassidão tolerada pelo Vaticano.

Provas desde 1943

João Braz de Aviz, o cardeal brasileiro, sustenta que desde 1943 havia documentos sobre as atividades pedófilas de Marcial Maciel Degollado, que fora ordenado padre, após ter até sido expulso de dois seminários no México, na sua juventude.

Foi no seu país que Maciel fundou a congregação Legionários de Cristo, em 1941, instituição que apresentou ao então Papa Pio XII, que por ela se interessou. Mais tarde, nessa década de 40, viajou para Espanha e esteve na Universidade Pontifícia de Comillas, de onde seria expulso.

Segundo refere o jornal El País, Maciel foi investigado entre 1956 e 1959, sem que tenha havido implicações na sua carreira ascendente dentro da hierarquia da igreja católica. O Papa João Paulo II, de quem era amigo e foi confessor por várias vezes, chegou a considerar o pároco mexicano como "um guia eficaz da juventude", quando as denúncias já eram mais do que muitas.

"O Vaticano recebeu 240 documentos que demonstravam que a situação era conhecida, muito antes de ser assumida. A nossa queixa é de 1988, e enquanto Ratzinger foi cardeal, eles passaram a terrível batata quente de uns para os outros, sem fazer nada", afirmou ao El País, em 2010, o padre Félix Alarcón, antigo dirigente dos Legionários de Cristo, também ele vítima de abusos sexuais quando era criança.

Abuso dos próprios filhos

Em 1999, o então cardeal alemão Ratzinger nada fez contra Marcial Maciel, apesar das denúncias e provas que lhe chegaram enquanto presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, a instituição sucessora da Inquisição medieval. Só mais tarde, quando se tornou Papa Bento XVI, afastou o padre, levando-o a regressar ao México em 2006 para que terminasse os seus dias dedicado à "penitência e oração".

Dois anos depois, Maciel morreu. E mais dois anos depois, em 2010, o Papa Bento XVI ordenou a reforma dos Legionários de Cristo, congregação que viria a penitenciar-se posteriormente pela vida e actos do seu fundador.

Foi em 2014, após a Comissão para os Direitos da Criança das Nações Unidas ter acusado o Vaticano de encobrir casos de pedofilia, a nova cúpula da ultraconservadora congregação dos Legionários de Cristo confessou, em comunicado, os crimes do seu fundador, pedindo desculpas pelo "sério e imoral abuso de seminaristas menores de idade, pelos actos imorais com homens e mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e dos bens, o consumo desmesurado de medicamentos aditivos e por ter publicado como seus escritos de outros".

Em suma, além de um caso de plágio, do consumo de drogas, do abuso sexual de menores, a congregação reconhecia ainda que Maciel tivera relacionamentos com, pelo menos, duas mulheres. De quem teria tido seis filhos. Tendo também abusado de dois deles.

Estamos tristes", asseguravam então os legionários, "que muitas vítimas e pessoas afetadas tenham esperado em vão por um pedido de perdão e reconciliação do padre Maciel e hoje queremos fazê-lo, expressando nossa solidariedade a todos esses. Hoje, reconhecemos com tristeza a incapacidade inicial de acreditar nos testemunhos das pessoas que foram vítimas do Padre Maciel, o longo silêncio institucional e, depois, as hesitações e erros de julgamento, quando se trata de informar os membros da congregação e os outras pessoas. Pedimos desculpas por essas deficiências que aumentaram a dor e o espanto de muitos".

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