A humanidade está a mudar o clima de uma forma "irreversível" e sem precedentes. Dentro das próximas duas décadas, a temperatura vai aumentar mais de 1,5ºC e, nas piores previsões, mais de 4ºC.
As conclusões são do maior relatório de sempre da ONU sobre alterações climáticas, que deixa o alerta: o aumento da frequência, escala e intensidade dos desastres climáticos que devastaram e inundaram muitas partes do mundo nos últimos meses é o resultado da inação do passado.
A menos que os líderes mundiais finalmente comecem a agir de acordo com essas advertências, as coisas ficarão muito, muito piores”, alerta um dos investigadores.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estima que o limiar do aquecimento global (de + 1,5° centígrados) em comparação com o da era pré-industrial vai ser atingido em 2030, 10 anos antes do que tinha sido projetado anteriormente, "ameaçando a humanidade com novos desastres sem precedentes".
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No documento, que saiu com um atraso de meses devido à pandemia, o IPCC considera cinco cenários, dependendo do nível de emissões que se alcance:
Manter a atual situação, em que a temperatura global é, em média, 1,1 graus mais alta que no período pré-industrial (1850-1900), não seria suficiente: os cientistas preveem que, dessa forma, se alcançaria um aumento de 1,5 graus em 2040, de 2 graus em 2060 e de 2,7 em 2100.
Este aumento, que acarretaria também mais acontecimentos climáticos extremos, como secas, inundações e ondas de calor, está longe do objetivo de reduzir para menos de 2 graus, fixado no Acordo de Paris, tratado no âmbito das Nações, que fixa a redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, impondo como limite de subida os 1,5 graus centígrados.
No cenário mais pessimista, no qual as emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa duplicariam em meados do século, o aumento poderia alcançar níveis catastróficos, em torno dos 4 graus em 2100.
Cada grau de aumento faz antever cerca de sete por cento mais de precipitação em todo o mundo, o que pode originar um aumento de tempestades, inundações e outros desastres naturais, avisa o IPCC.
As ondas de calor extremo, que na época pré-industrial aconteciam aproximadamente uma vez por década e atualmente ocorrem 2,3 vezes, podem multiplicar-se até 9,4 vezes por década (quase uma por ano) no cenário com mais 4 graus de temperatura.
Por outro lado, na melhor hipótese considerada pelos peritos, em que se atinge a neutralidade carbónica (emissões zero) em metade do século, o aumento de temperatura seria de 1,5 graus en 2040, 1,6 graus em 2060 e baixaria para 1,4 graus no final do século.
O estudo da principal organização que estuda as alterações climáticas, elaborado por 234 autores de 66 países, foi o primeiro a ser revisto e aprovado por videoconferência.
Os peritos reconhecem que a redução de emissões não terá efeitos visíveis na temperatura global até que passem umas duas décadas, ainda que os benefícios para a contaminação atmosférica se começassem a notar em poucos anos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o relatório sobre o clima publicado pelos especialistas da ONU é um "alerta vermelho" que deve fazer soar os alarmes sobre as energias fósseis que "destroem o planeta".
Temperaturas subirão na Europa a ritmo superior à média mundial
As temperaturas subirão em toda a Europa a um ritmo superior ao da média mundial, independentemente dos futuros níveis de aquecimento global.
No novo relatório do painel mundial de cientistas e ativistas, a frequência de ondas de frio e dias de neve diminui na Europa, em todos os cinco cenários traçados e em todos os horizontes temporais.
Apesar da "forte" variabilidade interna, as tendências observadas nas temperaturas médias e extremas na Europa não podem ser explicadas "sem ter em conta os fatores antropogénicos [causado ou originado pela atividade humana]", realça a principal organização que estuda as alterações climáticas desde 1988.
Antes da década de 1980, o aquecimento provocado pelos gases com efeito de estufa era compensado, em parte, com as emissões antropogénicas de aerossóis, precisa o IPCC.
A redução da influência dos aerossóis nas últimas décadas deu lugar a uma tendência positiva observável na radiação de onda curta, acrescenta.
As observações apresentam um padrão sazonal e regional "coerente" com o aumento previsto das precipitações no inverno, no Norte da Europa, prevendo-se uma diminuição das precipitações no verão, no Mediterrâneo, que se estenderá às regiões do Norte, e um aumento das precipitações extremas e das inundações com níveis de aquecimento global superiores a 1,5 graus em todas as regiões, exceto no Mediterrâneo.
Independentemente do nível de aquecimento global, o nível do mar subirá em todas as zonas europeias, exceto no Mar Báltico, a um ritmo próximo ou superior ao nível médio global.
Os autores do estudos antecipam ainda que as mudanças continuem após 2100 e que os fenómenos extremos do nível do mar sejam mais frequentes e mais intensos, provocando mais inundações costeiras e o recuo das costas arenosas.
O relatório prognostica uma forte redução dos glaciares, do permafrost (tipo de solo que se mantém permanentemente gelado), da extensão da capa de neve e da duração sazonal da neve nas altas latitudes/altitudes.
Efeitos do aquecimento global podem perdurar “séculos ou milénios”
Os efeitos do aquecimento global vão perdurar “séculos ou milénios” e resultam “inequivocamente” de responsabilidade humana, constata o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Muitos efeitos do aquecimento global, especialmente nos oceanos e nas zonas polares, "são irreversíveis nos próximos séculos ou milénios", observam os especialistas, num relatório divulgado hoje.
Mesmo que se atinja a neutralidade das emissões de carbono, o nível de água do mar continuará a aumentar, irremediavelmente, entre 28 e 55 centímetros até finais do século (em relação aos níveis atuais). Se as atuais emissões duplicarem, a subida pode chegar aos 1,8 metros.
A longo prazo, o nível de água do mar subirá entre dois e três metros nos próximos dois mil anos, se o aquecimento global se mantiver nos 1,5 graus fixados no Acordo de Paris, mas pode ultrapassar os 20 metros com uma subida de 5 graus, por exemplo.
O nível do mar subiu, em média, 20 centímetros entre 1901 e 2018, mas se subiu 1,3 milímetros anualmente nas primeiras sete décadas do século XX, agora está a subir 3,7 milímetros, alerta o relatório.
Os oceanos sofreram, em três mil anos, o seu maior aquecimento no século passado e os especialistas vaticinam mudanças irreversíveis, à escala de milhares de anos, na sua temperatura, acidificação e desoxigenação.
Greta Thunberg reage: "Não é surpresa"
It doesn't tell us what to do. It is up to us to be brave and take decisions based on the scientific evidence provided in these reports. We can still avoid the worst consequences, but not if we continue like today, and not without treating the crisis like a crisis. 2/2
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) August 9, 2021