A aliança de partidos que apoiam o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro venceu as eleições legislativas de domingo, com 67,6% dos votos, quando foram contados 82,35% dos boletins, anunciou, nesta segunda-feira, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Até agora, foram contados 5.264.104 votos, dos quais 3.558.320 foram para o Grande Pólo Patriótico (GPP), em eleições contestadas pela oposição, que apelou ao boicote.
Uma aliança liderada pelos partidos tradicionais Ação Democrática (AD) e o Comité de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) ficou em segundo lugar, com 944.665 votos (17,95%), informou a presidente do CNE, Indira Alfonzo.
Tanto o AD como o Copei sofreram a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que impôs como líderes de ambos os partidos antigos militantes que foram expulsos e acusados de corrupção pelos seus antigos colegas.
Apesar de os políticos que lideram estes partidos por escolha dos seus membros terem optado por não participar nas eleições, incluindo o grupo liderado por Juan Guaidó, os responsáveis nomeados pelo STJ decidiram ir às urnas.
Em terceiro lugar ficou outra aliança liderada pelo Vontade Popular (VP), o partido de Leopoldo López e Guaidó, que também sofreu a ingerência do STJ, e que inclui ainda o Venezuela Unida (VU) e o Primeiro Venezuela (PV). Esta aliança obteve 220.502 votos, o que representa 4,19%.
O Partido Comunista Venezuelano teve 143.917 votos (2,73 %), enquanto o resto das formações obtiveram 357.609 votos (6,79 %).
A taxa de participação, de 31%, segundo o CNE, é ligeiramente superior à de 2005, quando a oposição tradicional também não participou e o 'chavismo' conquistou a maioria absoluta dos lugares por um período de cinco anos.
Nas eleições de domingo disputavam-se 277 lugares no parlamento, mais 110 do que nas últimas eleições parlamentares, e ainda não se sabe quantos representantes cada lado ganhou, embora seja claro que o partido no poder obteve uma clara maioria.
Para dominar a última instituição que escapa ao seu controlo, Maduro precisa de pelo menos 185 deputados na nova Assembleia Nacional, que tomará posse no dia 5 de janeiro, para ter a maioria qualificada de dois terços, com a qual pode assumir o controlo total da Câmara e exercer todos os poderes legislativos.
Nas últimas eleições parlamentares, ganhas pela oposição, 74,25% das listas eleitorais participaram, naquelas que foram as votações legislativas mais concorridas da história do país sul-americano. Desde então, a tendência abstencionista tem vindo a crescer, devido à desconfiança na votação.
As normas venezuelanas não estabelecem um mínimo de participação, pelo que a elevada abstenção, a que a oposição, liderada por Juan Guaidó, tinha apelado, não põe em causa a legalidade das eleições, ainda que não sejam reconhecidas pela União Europeia (UE) ou pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
As mesas de voto deveriam ter fechado às 18:00 (22:00 em Lisboa), mas o CNE prorrogou a abertura por mais uma hora ou até que não houvesse pessoas à espera na fila.
Apesar disso, o dia foi marcado por uma forte abstenção, a rondar os 69%.
Guaidó denuncia "fraude consumada"
O líder opositor e presidente da Assembleia Nacional (parlamento) da Venezuela, Juan Guaidó, disse hoje que a "fraude foi consumada" nas legislativas de domingo e anunciou que o parlamento continuará em funções até conseguir eleições presidenciais e parlamentares livres.
A fraude foi consumada e a rejeição maioritária do povo da Venezuela foi evidente. Apesar da censura e da hegemonia comunicacional, a verdade não pôde ser escondida, a maioria da Venezuela virou as costas a Maduro (Presidente da Venezuela) e à sua fraude", disse.
Numa mensagem ao país, divulgada em vídeo pela Internet, Guaidó defendeu que "só fazem fraude os que temem o povo, e Maduro, e o seu regime, perderam todo o apoio popular".
Nós, os que queremos mudanças na Venezuela, somos uma ampla maioria, e por isso não se atrevem a convocar eleições livres, por isso têm de controlar o árbitro (eleitoral), escolher os seus adversários, negar a observação internacional, extorquir um povo com fome e necessidade, dizendo que quem não vote, não come", afirmou.
Segundo o líder opositor, as forças que apoiam a revolução bolivariana "sabem que nunca ganhariam uma eleição livre".
Todos nós sabemos que os resultados foram preparados com dias de antecedência, com um falso Conselho Nacional Eleitoral, falsos candidatos [e] falsos opositores", disse.
"Sabemos que na Venezuela de Maduro a fraude também não é novidade, vimos isso em 2017 com a falsa [Assembleia] Constituinte, com o roubo das eleições regionais e em 2018 com a fraude presidencial", frisou.
No seu entender, nenhuma fraude "serviu a Venezuela, pelo contrário, só trouxe mais crise e sofrimento para o povo, mas também não serviu para resolver os problemas da ditadura nem para diminuir a pressão que hoje existe contra eles".
A cada fraude que cometeram, a crise, a pressão e o isolamento nacional e internacional contra os que hoje cometem fraudes têm aumentado", apontou.
Guaidó recordou que nos últimos três anos se geraram ações contra o regime, afirmando que, por essa razão, hoje os seus membros estão "acusados de crimes que lesam a humanidade, de tráfico de drogas [...], e há mais de 60 países que reconhecem" a oposição como "legítima representante da Venezuela".
Quem hoje apoia e acompanha Maduro na sua loucura de manter o poder a todo custo, deve saber que é insustentável, que não haverá solução enquanto Maduro continuar a usurpar funções", disse.
Por outro lado, instou os venezuelanos a "salvar e resgatar" a Venezuela e advertiu que a 5 de janeiro os apoiantes de Maduro "vão tentar retomar o palácio legislativo, como já o tentaram em janeiro de 2020 e também após a fraude da (Assembleia) Constituinte", "com armas, com paramilitares".
Não se surpreendam se tentarem avançar com esse ataque nos próximos dias […]. Eles poderão forçar a imprensa a transmitir a farsa do dia 05 de janeiro, tentarão, com perseguição, ocultar a representação legítima da Venezuela, mas não poderão suspender nenhuma das medidas de pressão. Não conseguirão aliviar a crise até que haja democracia", acrescentou.
Guaidó explicou ainda que o foco da ação opositora é "conseguir uma solução através de eleições presidenciais e parlamentares livres, mobilizar o povo venezuelano através da consulta popular [que decorre de 7 a 12 de dezembro], para poder construir alternativas" e pedir "ajuda internacional para resgatar a democracia, responder à crise humanitária e acabar com os crimes que lesam a humanidade".
Não nos deteremos, vamos permanecer firmes e em funções para cumprir o nosso mandato constitucional (…). A Assembleia Nacional continuará em funções para conseguir eleições presidenciais e parlamentares livres que permitam a reconstrução do país e acabar com o sofrimento de nosso povo."
Oposição inicia consulta popular contra Maduro
A oposição venezuelana, liderada pelo deputado Juan Guaidó, prevê iniciar hoje uma consulta popular de cinco dias contra as eleições legislativas de domingo e para prolongar o funcionamento do parlamento de maioria opositora.
A oposição espera ainda que a consulta, que se realiza de 7 a 11 de dezembro de forma virtual e no dia 12 de maneira presencial, sirva também para reafirmar o apoio nacional e internacional contra o Governo do Presidente Nicolás Maduro.
A consulta virtual será realizada através da Voatz, uma aplicação de voto eleitoral auditável, que permitirá que cada venezuelano vote apenas uma vez. Também serão utilizadas a aplicação Telegram e uma página web criada propositadamente para este evento.
Como parte da verificação, cada cidadão deverá indicar o seu número do bilhete de identidade, nome, apelido e data de nascimento. Adicionalmente, têm de registar um número de telemóvel e digitalizar ou fotografar um documento de identidade ou passaporte.
A 12 de dezembro, dia da consulta presencial, a oposição venezuelana prevê ativar 7.000 mesas de voto em 3.000 lugares do país.
Os venezuelanos devem responder se a oposição deve "exigir a cessação da usurpação da Presidência [da República] por Nicolás Maduro e convocar eleições presidenciais e parlamentares livres, justas e verificáveis".
Também se "condenam" as eleições legislativas de domingo, solicitando "à comunidade internacional que não as reconheça".
Outra questão a que devem responder é se "ordenam" avançar "com as gestões necessárias perante a comunidade internacional para ativar a cooperação, o acompanhamento e a assistência que permita resgatar a democracia [venezuelana], atender à crise humanitária e proteger o povo dos crimes que lesam a Humanidade".
A oposição venezuelana, liderada por Juan Guaidó, não reconhece Nicolás Maduro como presidente da Venezuela e denuncia alegadas irregularidades nas eleições presidenciais antecipadas de 2018, acusando o chefe de Estado de estar a "usurpar" o poder.
A Venezuela tem, desde janeiro, dois parlamentos parcialmente reconhecidos, um de maioria opositora, liderado por Juan Guaidó, e um pró-regime do presidente Nicolás Maduro, liderado por Luís Parra, que foi expulso do partido opositor Primeiro Justiça, mas que continua a afirmar que é da oposição.