O presidente dos EUA, Joe Biden, instou o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a deixar cair a reforma judicial que tem planeada, dizendo que estava "muito preocupado" com a saúde da democracia israelita e alertando que Israel "não pode continuar nesse caminho".
“Como outros apoiantes de Israel, estou muito preocupado. E quero que eles entendam isso”, disse Biden na terça-feira aos jornalistas. Netanyahu "não pode continuar por esse caminho. E eu deixei isso claro”, acrescentou Biden. “Esperamos que o primeiro-ministro aja de maneira a tentar chegar a algum compromisso genuíno”, disse Biden, enfatizando a palavra “genuíno”.
Mas Netanyahu não gostou da interferência americana: “Israel é um país soberano que toma as suas decisões de acordo com a vontade do seu povo e não com base em pressões do exterior, inclusivamente dos melhores amigos", respondeu.
“Conheço o presidente Biden há mais de 40 anos e aprecio o seu compromisso de longa data com Israel”, disse o primeiro-ministro, sublinhando que a aliança Israel-EUA é inquebrável “e supera sempre as divergências ocasionais entre nós”.
“O meu governo está empenhado em fortalecer a democracia, restaurando o equilíbrio adequado entre os três poderes, o que estamos a tentar alcançar através de um amplo consenso”, garantiu.
Perante a onda de protestos, Benjamin Netanyahu, adiou os planos para a reforma judicial, explicando que queria “evitar a guerra civil” e tentar estabelecer um acordo com opositores políticos. No seu discurso, na segunda-feira em horário nobre, Netanyahu, que já tinha rejeitado pedidos para adiar a legislação, adotou um tom mais conciliador do que em intervenções anteriores. Reconheceu as profundas divisões no país e disse que estava a fazer pausa “para evitar uma divisão na nação”.
“Uma vez que há uma oportunidade de evitar a guerra civil através do diálogo, eu, como primeiro-ministro, estou a dar um tempo para permitir o diálogo”, disse, comprometendo-se a procurar um “consenso amplo” durante a sessão de verão do parlamento, que começa a 30 de abril. Referiu-se depois às dezenas de milhares de israelitas que se manifestaram à porta do parlamento e ao facto de o maior sindicato trabalhista do país ter lançado uma greve nacional, num grande movimento de protesto contra a legislação anunciada.
“Este é o momento para uma discussão franca, séria e responsável que levará urgentemente a acalmar os ânimos e baixar as chamas”, afirmou o presidente do país, Isaac Herzog. O líder da oposição Yair Lapid disse que estava disposto a manter um “diálogo genuíno”.
A primeira reunião aconteceu na noite de terça-feira, juntando governo e partidos da oposição, na residência oficial do presidente. Cá fora, os protestos continuaram. “Após cerca de uma hora e meia, a reunião, que decorreu com espírito positivo, chegou ao fim”, disse o gabinete do presidente Isaac Herzog. “Amanhã [hoje], o presidente Isaac Herzog continuará a série de reuniões”, acrescentou.
Netanyahu e os seus aliados religiosos e ultranacionalistas apresentaram a reforma em janeiro, poucos dias depois de formar governo, o mais à direita da história de Israel. O plano daria a Netanyahu, que está a ser julgado por acusações de corrupção, e aos seus aliados, a palavra final na nomeação dos juízes do país. Também daria ao parlamento autoridade para anular as decisões do Supremo Judicial.
A proposta mergulhou Israel na pior crise interna em décadas. Líderes empresariais, economistas importantes e ex-chefes de segurança manifestaram-se contra o plano, dizendo que iria empurrar o país para uma autocracia. Pilotos e reservistas militares ameaçaram não se apresentar para o serviço, e o valor da moeda do país, o shekel, caiu. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se aos protestos. Essas manifestações aumentaram na noite de domingo depois de Netanyahu ter demitido abruptamente o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que havia instado o primeiro-ministro a suspender o plano. Cantando “o país está a arder", os manifestantes acenderam fogueiras na via principal de Tel Aviv, fechando esta e muitas outras estradas em todo o país durante horas.
Os manifestantes continuaram na segunda-feira do lado de fora do Knesset, ou parlamento, transformando as ruas em volta do prédio e do Supremo Tribunal num mar agitado de bandeiras israelitas, azuis e brancas. O caos paralisou grande parte do país e ameaçou paralisar a economia. Os voos que partiam do principal aeroporto internacional foram suspensos, centros comerciais e universidades fecharam as portas, e os sindicatos convocaram os seus 800 mil membros para parar de trabalhar na saúde, trânsito, bancos e outros setores. Diplomatas abandonaram o trabalho em missões estrangeiras, e esperava-se que os governos locais fechassem pré-escolas e cortassem outros serviços.
O anúncio do adiamento pareceu acalmar algumas das tensões que alimentaram três meses de agitação no país. As greves foram desconvocadas e as negociação já começaram mas os opositores prometem não baixar os braços.