"Se dermos a todos temos menos para os mais pobres." Baixar o IVA dos alimentos funciona? Especialistas dizem que não - há medidas mais eficazes - TVI

"Se dermos a todos temos menos para os mais pobres." Baixar o IVA dos alimentos funciona? Especialistas dizem que não - há medidas mais eficazes

Mesmo com a redução do IVA nos bens essenciais os preços podem continuar a aumentar, mas porquê?

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O ministro da Economia já disse que não gosta da ideia e o ministro das Finanças afastou-a mesmo de hipótese, por não ser solução. Mas o primeiro-ministro anunciou esta quarta-feira que o Governo pretende procurar uma solução de equilíbrio entre a redução do IVA em alguns produtos alimentares e a “garantia de que há uma redução” dos preços.

Um equilíbrio que para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal parece ser muito difícil de conseguir, até porque existem vários agentes económicos envolvidos no processo, o que torna difícil ao Estado controlar todos os aspetos que influenciam o preço, a começar pelos principais, como a produção ou o transporte, que muitas vezes estão radicados no estrangeiro.

A economista Joana Silva explica que, mesmo que haja uma descida da taxa do IVA de 6% para 0% nos produtos essenciais, como a batata ou o leite, isso não significa automaticamente que o preço final vai descer. Para lá do imposto há que contar com os produtores, os distribuidores e os próprios consumidores, tudo agentes económicos que vão fazer variar os preços, e cujos comportamentos são difíceis de controlar, mesmo para o aparelho do Estado. A juntar a tudo isso há ainda um outro fator, que tem influência sobre os restantes: a inflação.

“Economicamente, e dado o que motiva as alterações de preços, não é possível garantir a descida dos preços. Depende da reação da procura, depende da distribuição, etc.”, afirma a professora universitária, que vê outras saídas mais eficazes para o problema (ver subtítulo seguinte).

O investigador do ISEG, Ricardo Ferraz, lembra o exemplo espanhol. Pedro Sánchez anunciou a descida do IVA em vários produtos considerados essenciais, mas os efeitos duraram apenas 15 dias. "A medida acabou engolida pelo aumento dos preços", diz, referindo que "toda a gente ficou insatisfeita, o que levou a uma maior revolta social.

"Em teoria a redução do IVA, mantendo os outros fatores fixos, traz uma redução do preço. Mas há um conjunto de fatores, como os custos do produtor, as matérias-primas, os salários, os retalhistas, o transporte ou a armazenagem que têm influência", diz, alinhando com Joana Silva para relembrar que estas são componentes cruciais na definição do preço e que dificilmente se controlam.

"O preço até pode reduzir esta semana, mas o efeito ser anulado uma semana depois. Nenhum produtor ou distribuidor se vai comprometer com a redução dos preços", acrescenta.

IVA não, IRS ou apoios

Dependendo da influência dos restantes agentes económicos, a descida do IVA pode acontecer e os preços subirem na mesma. As contas são fáceis: se o IVA desce em 6 pontos percentuais nas batatas, mas o custo de produção aumenta em 6% esse diferencial pode ser anulado. Juntando a isso um aumento dos custos de transporte, por exemplo, o produto vai ficar mais caro, mesmo perante uma descida do imposto.

Um efeito que se viu no início do ano em vários produtos cujo IVA baixou de 23% para 6%, e que, mesmo assim, não desceram de preço. Caso das conservas de atum, por exemplo, que em vários supermercados mantiveram os valores que já vinham de 2022, mesmo com a descida do imposto.

É como diz Joana Silva: “É preciso ver quando e como será aplicada a medida. Temos bens essenciais com uma taxa de 6% cuja subida dos preços chegou aos 21%. Para efetivamente haver uma redução dos preços há uma dependência da reação da distribuição e dos produtores”.

A professora vê esta medida mais como uma “atenuante” do que propriamente como uma solução. Pode até fazer descer um pouco os preços, noutros casos atenuar um pouco a subida dos mesmos, mas nunca terá um efeito verdadeiramente importante. Imagine-se que um quilo de batatas custa três euros. Mesmo que o preço desça 6%, isso significa que aquele alimento ficaria a custar sensivelmente menos 15 cêntimos.

Joana Silva e Ricardo Ferraz concordam neste ponto: seria mais eficaz encontrar medidas que ajudem as famílias de forma global, não fazendo assim com que os contribuintes dependam da variação dos fatores que influem sobre o preço.

A economista defende que a atribuição de mais apoios sociais, como o cheque de 125 euros atribuído a grande parte das famílias no final de 2022.

“A inflação é um imposto duro nas pessoas. Há preocupação porque no cabaz de consumo dos mais pobres isto pesa muito, prejudica sempre os mais pobres”, afirma a professora universitária, sublinhando que essa até poderia ser uma alternativa “mais barata que outras”, sobretudo se fosse direcionada a uma franja mais pequena da população, aos mais pobres. Neste caso, acrescenta Joana Silva, estamos a beneficiar todos os consumidores: “Se dermos a todos temos menos para os mais pobres”.

Ricardo Ferraz defende esta mesma medida, vincando que "Portugal é o terceiro país menos competitivo a nível fiscal na OCDE", pelo que "qualquer descida de impostos será sempre positiva", mas avisa que essa descida através do IVA poderá não ser o melhor caminho.

"Seria sem dúvida mais positivo que a descida fosse aplicada ao IRS, porque somos dos países onde se pagam mais impostos. O Estado leva uma fatia muito grande do nosso trabalho", acrescenta, assinalando que o Estado teve uma receita extraordinariamente positiva com impostos em 2022, pelo que "podia ter mexido nas tabelas do IRS". De referir que o Estado arrecadou mais de 58 mil milhões de euros em impostos no ano passado, um valor quase 14% acima do ano anterior e que ficou quase 7% além do orçamentado.

De resto, e numa visão social partilhada com Joana Silva, a descida do IVA poderá ter o fator perverso de beneficiar todos os contribuintes, incluindo aqueles que estão menos aflitos e a quem a medida não fará tanta diferença. "Beneficiarão todos os que trabalham e têm rendimento, e não apenas os que mais precisam", aponta.

Uma solução problemática?

A economista Joana Silva, que tem a inflação como uma das áreas de estudo, aponta ainda aquilo que admite vir a ser um efeito nocivo a longo prazo. É que a descida do IVA em alguns preços pode estimular o consumo, o que poderia levar a um aumento da inflação, ou, pelo menos, a uma maior dificuldade em controlá-la.

Em paralelo, diz, esta é uma medida cujos efeitos orçamentais são desconhecidos, uma vez que o Governo passa a abdicar de 6% da receita em vários produtos. “Não sabemos como a procura vai reagir e o que vai acontecer em termos orçamentais. É uma medida que tem custos”, reitera, assinalando que a receita fiscal de 2022 foi grande, mas que a deste ano deverá ser menor.

Voltando ao exemplo espanhol, Ricardo Ferraz nota que esta medida poderá até virar-se contra o Governo. "A medida pode até ter o efeito contrário, uma vez que os preços podem voltar a subir após a descida do IVA", conclui, recordando ainda outro efeito: o facto de que será sempre impopular, seja quando for, voltar a subir o IVA.

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