Coreia do Norte lançou míssil que sobrevoou o Japão e deixou o país em alerta - TVI

Coreia do Norte lançou míssil que sobrevoou o Japão e deixou o país em alerta

  • Filipe Santos Costa
  • 4 out 2022, 04:58

O Japão despertou alarmado com um míssil de Pyongyang: no norte do país a população foi aconselhada a ficar em casa e os comboios pararam. Foi o primeiro sobrevoo de um míssil da Coreia do Norte sobre o Japão em cinco anos. Washington, Tóquio e Seul prometem responder

A Coreia do Norte lançou esta manhã um míssil balístico que sobrevoou o Japão e fez as autoridades nipónicas emitir um alerta às populações das regiões mais a norte do país, recomendando-lhes que se abrigassem. O alerta foi emitido depois das sete da manhã, hora de Tóquio (depois das 11 da noite em Lisboa) e levou a uma suspensão das operações ferroviárias no norte do Japão. Nas regiões de Hokkaido e Aomori a East Japan Railway suspendeu temporariamente a circulação de comboios.

O alerta à população, pouco comum no Japão, representa uma escalada séria em relação aos testes de mísseis levados a cabo pela Coreia do Norte nos últimos meses. Também a embaixada dos EUA no Japão publicou na sua conta de Twitter o alerta aos residentes, frisando que, tendo em conta a trajetória do míssil, "existe a possibilidade de se dirigir em direção ao Japão". 

Este foi o primeiro míssil norte-coreano a sobrevoar o território do Japão desde 2017. O sistema de alarme J-Alert foi ativado para as Ilhas Izu, e para as províncias de Hokkaido e Aomori, todas no norte do país. Segundo a informação prestada posteriormente pelo Ministério da Defesa japonês, o míssil terá caído no Oceano Pacífico. O governo nipónico adiantou que o engenho voou 4.600 quilómetros, e atingiu uma altitude máxima de mil quilómetros. Terá caído no oceano a cerca de 3 mil quilómetros da costa do Japão. 

A confirmarem-se estes dados, poderá ter sido o voo mais longo de um míssil lançado pelo regime de Kim Jong-un, que durante este ano tem feito testes de mísseis a um ritmo sem precedentes, e que foi acelerado nos últimos dias.

Poucas horas depois do lançamento, Yoshimasa Hayashi, ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, falou ao telefone com Antony Blinken, o seu homólogo norte-americano. Ambos concordaram que os testes de mísseis levados a cabo pelos norte-coreanos são “uma grave e iminente ameaça à segurança do Japão e um desafio claro e sério para a comunidade internacional”, e comprometeram-se a “cooperar estreitamente [juntamente com a Coreia do Sul] em novas respostas no Conselho de Segurança para a desnuclearização completa da Coreia do Norte”.  

Japão admite “todas as opções” contra atos “revoltantes”

"A série de ações da Coreia do Norte, incluindo os seus repetidos lançamentos de mísseis balísticos, ameaça a paz e a segurança do Japão, da região e da comunidade internacional, e representa um sério desafio para toda a comunidade internacional, incluindo o Japão", disse o ministro porta-voz do governo japonês, Hirokazu Matsuno, numa conferência de imprensa agendada logo pela manhã. Tóquio já apresentou um protesto a Pyongyang, através da sua embaixada em Pequim.

Segundo Matsuno, "as Forças de Auto-Defesa [designação das Forças Armadas do Japão] monitorizaram e acompanharam completamente [o míssil] desde imediatamente após o lançamento até ao momento em que aterrou". Os militares decidiram não tomar medidas para abater o míssil a partir do momento em que a sua trajetória indicou que não haveria danos em território japonês. 

Noutra declaração aos jornalistas, o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida considerou as ações da Coreia do Norte "bárbaras", condenando o que classificou como "uma série de atos revoltantes". O governo nipónico convocou para hoje uma reunião do Conselho de Segurança Nacional para discutir o lançamento de mísseis por parte dos norte-coreanos.

Sem esperar pelas conclusões dessa reunião, o ministro da Defesa do Japão garantiu já que o país não descartará quaisquer opções, incluindo capacidades de contra-ataque, como forma de se defender dos repetidos lançamentos de mísseis da Coreia do Norte. "Face a esta situação, continuaremos a examinar todas as opções - incluindo as chamadas 'capacidades de contra-ataque' e não excluímos nada, uma vez que continuamos a trabalhar para reforçar fundamentalmente as nossas capacidades de defesa", disse Yasukazu Hamada.

Lançados oito mísseis em dez dias

O lançamento desta terça-feira foi a quinta ronda de testes de mísseis por parte de Pyongyang em 10 dias, envolvendo um total de oito mísseis. Trata-se do ritmo mais intenso de disparos de que há registo por parte dos norte-coreanos, num crescendo de tensão que parece ter-se acentuado depois da visita da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, à Zona Desmilitarizada, que separa as duas Coreias, na semana passada.

Entretanto, forças dos Estados Unidos e da Coreia do Sul desenvolveram exercícios navais conjuntos, que incluíram o porta-aviões USS Ronald Reagan, e também exercícios anti-submarinos trilaterais com a participação de forças japonesas.

Entre domingo, 25 de setembro, e sábado, 1 de outubro, a Coreia do Norte lançou quatro rondas de mísseis balísticos de curto alcance em direção ao Mar do Japão - em três desses dias, disparou dois mísseis. Os lançamentos violam diretamente as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O Mar do Japão situa-se entre a península coreana e o arquipélago nipónico, e crê-se que os mísseis em causa seriam capazes de atingir alvos na Coreia do Sul ou no Japão. Agora, tratou-se de uma arma e de um lançamento diferente, que não apenas sobrevoou território japonês como percorreu uma distância muito maior.

O Estado-Maior General das Forças Armadas da Coreia do Sul considera que este terá sido um míssil balístico de alcance intermédio (IRBM). Seul e Tóquio admitem que pode ter-se tratado de um Hwasong-12 IRBM, que a Coreia do Norte revelou ao mundo em 2017. Pyongyang já ameaçou usar esta arma para atingir a ilha norte-americana de Guam, no Pacífico. 

EUA: “Vamos responder resolutamente”

O presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol considerou o teste "imprudente" e prometeu uma resposta “firme” e "resoluta" por parte do seu país, dos seus aliados e da comunidade internacional. Yoon também convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional sul-coreano para discutir o lançamento e as "provocações nucleares imprudentes" do Norte.

Os Estados Unidos também prometeram responder "resolutamente" às crescentes ameaças colocadas pela Coreia do Norte, e reafirmaram o compromisso “de ferro” com a defesa dos seus principais aliados nesta região - o Japão e Coreia do Sul. A garantia foi dada por Daniel Kritenbrink, o principal responsável da diplomacia norte-americana para a Ásia Oriental. Kritenbrink considerou ainda que estas ações de Pyongyang dificultam qualquer via negocial com o regime de Kim Jong-un. "Estamos abertos à diplomacia com a Coreia do Norte [mas] são precisos dois para dançar o tango", disse. "Vamos deixar essa porta aberta, mas vamos responder resolutamente a esta ameaça crescente".

No entanto, a pressão através do Conselho de Segurança da ONU - como Antony Blinken deu a entender no telefonema com o chefe de diplomacia japonesa - não parece ser uma hipótese viável para responder a esta escalada. Com a fratura entre democracias e autocracias, que se aprofundou desde a invasão russa da Ucrânia, russos e chineses têm bloqueado as tentativas de aprovar novas sanções contra a Coreia do Norte no Conselho de Segurança das Nações Unidas. 

O alinhamento de Moscovo e Pyongyang é total, e ontem as autoridades norte-coreanas apressaram-se a reconhecer a anexação pela Rússia das quatro regiões ucranianas ocupadas onde foram realizados referendos ilegais pelo Kremlin.

Um teste mais realista

Analistas ouvidos pela agência Reuters consideram que ao acelerar os testes de mísseis a Coreia do Norte está a tornar mais operacionais as suas armas, a desenvolver novas capacidades, e a enviar uma mensagem de que o seu desenvolvimento de armas é um direito soberano que deve ser aceite pelo mundo. Isto, apesar de os programas de mísseis e de armas nucleares da Coreia do Norte estarem proibidos pelas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que impuseram sanções ao país.

O teste desta terça-feira representa um passo mais ousado nesta escalada. Segundo Jeffery Lewis, diretor do Programa de Não-Proliferação da Ásia Oriental, no Instituto Middlebury, este terá sido “o oitavo teste do míssil Hwasong-12, e a terceira vez que [esta arma] sobrevoou o Japão". No total, ao longo dos anos a Coreia do Norte já disparou sete mísseis balísticos sobre o arquipélago nipónico.

Então, o que teve este teste de especial? Segundo os mesmos especialistas consultados pela Reuters, muitos dos testes de mísseis balísticos da Coreia do Norte são conduzidos numa "trajetória elevada". O voo é essencialmente feito em altitude, para o espaço, mas o ponto de impacto não é muito longe do local de lançamento. Esta é uma forma de Pyongyang testar as armas sem que estas sobrevoem os países vizinhos.

O lançamento de hoje foi diferente. O voo sobre o Japão permite aos cientistas da Coreia do Norte testar mísseis em condições mais realistas, diz Ankit Panda, do Carnegie Endowment for International Peace, sediado nos EUA. "Em comparação com a habitual trajetória altamente elevada, isto permite-lhes expor um veículo de reentrada de longo alcance a cargas térmicas e a tensões atmosféricas de reentrada que são mais representativas das condições que suportariam na utilização no mundo real", explica o especialista, que tem investigado os programas de mísseis e nuclear norte-coreanos. 

Só este ano a Coreia do Norte já testou cerca de 40 mísseis, em cerca de 20 rondas de lançamento Entretanto, estará também a preparar-se para retomar os ensaios nucleares, que o país suspendeu em 2018. Não há dúvidas de que os norte-coreanos têm capacidade nuclear e já terão armas atómicas no seu arsenal. A grande questão, a que os serviços de informações ocidentais não conseguem responder, é que capacidade terá a Coreia do Norte de lançar ogivas nucleares nos seus mísseis e fazê-las detonar no alvo pretendido - é nessa capacidade que os cientistas e militares de Kim Jong-un estão a trabalhar.

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