Os trabalhadores deste país não são aumentados há 30 anos - TVI

Os trabalhadores deste país não são aumentados há 30 anos

  • CNN
  • Michelle Toh e Emiko Jozuka
  • 18 fev 2023, 19:00
#5: Tóquio, no Japão: Apesar de ter passado a maior parte de 2021 e 2022 fechado a viajantes estrangeiros, o Japão manteve-se forte no índice da ECA. Imagens de Charly Triballeau/AFP/Getty

ANÁLISE. A deflação congelou-lhes os salários durante décadas. Agora, as empresas estão a ser pressionadas a subir ordenados.

Hideya Tokiyoshi iniciou a sua carreira como professor de inglês em Tóquio há cerca de 30 anos. O seu salário tem permanecido praticamente o mesmo. É por isso que, há três anos, depois de ter perdido a esperança de ter um salário mais elevado, o professor decidiu começar a escrever livros.

“Sinto-me um sortudo, pois escrever e vender livros dá-me um fluxo de rendimento adicional. Se não fosse isso, teria ficado preso no mesmo nível salarial", afirma Tokiyoshi, agora com 54 anos, à CNN. “Foi por isso que consegui sobreviver”.

Tokiyoshi faz parte de uma geração de trabalhadores no Japão que mal conseguiram receber um aumento ao longo da sua vida profissional. Agora, à medida que os preços sobem após décadas de deflação, a terceira maior economia do mundo está a ser forçada a enfrentar o grande problema da queda do nível de vida, e as empresas enfrentam uma intensa pressão política para pagarem mais.

O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, está a exortar as empresas a ajudar os trabalhadores a acompanharem o custo de vida mais elevado. No mês passado, Kishida apelou às empresas para que aumentassem os salários a um nível acima da inflação, com algumas delas a responderem já ao apelo.

Inflação no Japão dispara até 4%
Os principais preços ao consumidor no Japão atingiram um pico de 41 anos.

Como acontece noutras partes do mundo, a inflação no Japão tornou-se uma grande dor de cabeça. No ano que terminou em dezembro, os preços no consumidor subiram 4%. Isso ainda é baixo em comparação com a América ou a Europa, mas representa a subida mais alta em 41 anos no Japão, onde as pessoas estão mais habituadas a que os preços retrocedam.

“Num país onde não se tem tido um crescimento salarial nominal ao longo de 30 anos, os salários reais estão a diminuir muito rapidamente em resultado da inflação”, explica Stefan Angrick, um economista sénior da Moody's Analytics baseado em Tóquio, à CNN.

No mês passado, o Japão registou a sua maior queda nos rendimentos, quando se tem em conta a inflação, em quase uma década.

Um problema de longa data

Em 2021, o salário médio anual no Japão foi de 37,136 mil euros [39.711 dólares], comparado com 35,410 mil euros [37.866 dólares] em 1991, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Isto significa que os trabalhadores receberam um aumento salarial inferior a 5%, em comparação com um aumento de 34% noutras economias do G7, tais como França e Alemanha, durante o mesmo período.

O Japão é uma das únicas economias do G7 onde os salários permaneceram estáveis nos últimos 30 anos
Os salários médios anuais no Japão estagnaram em grande parte entre 1991 e 2021.

Os especialistas apontam uma série de razões para a estagnação dos salários. Por um lado, o Japão há muito que se debate com o oposto do que enfrenta atualmente: preços baixos. A deflação começou em meados da década de 1990, devido a um iene forte - que fez baixar o custo das importações - e ao rebentar de uma bolha de ativos domésticos.

“Durante os últimos 20 anos, basicamente, não houve qualquer alteração na inflação dos preços ao consumidor”, disse Müge Adalet McGowan, economista sénior do gabinete do Japão na OCDE.

Até agora, os consumidores não tinham levado um golpe nas suas carteiras ou sentido a necessidade de exigir melhores salários, acrescentou.

Mas à medida que a inflação aumenta, é provável que as pessoas comecem a fazer protestos fortes sobre a falta de aumentos, prevê Shintaro Yamaguchi, professor de economia da Universidade de Tóquio.

Um mercado de trabalho em mudança

Os especialistas dizem que os salários do Japão também sofreram porque se atrasam noutra métrica: na sua taxa de produtividade.

A produção do país, medida pela quantidade de valor acrescentado que trabalhadores acrescentam ao PIB de um país por hora, é inferior à média da OCDE, e é “provavelmente a principal razão” para os salários estagnados, de acordo com Yamaguchi.

“Geralmente, os salários e o crescimento da produtividade andam de mãos dadas”, disse McGowan. “Quando há crescimento da produtividade, as empresas têm um melhor desempenho e [quando] melhoram, podem oferecer salários mais elevados”.

Segundo explica, o envelhecimento da população japonesa foi uma questão adicional, porque uma força de trabalho mais velha tende a equivaler a uma produtividade e salários mais baixos. A forma como as pessoas estão a trabalhar também está a mudar.

Em 2021, quase 40% da mão-de-obra total do Japão estava empregada a tempo parcial ou trabalhava horas irregulares, contra cerca de 20% em 1990, de acordo com McGowan.

“Como a percentagem destes trabalhadores não regulares subiu, é claro que os salários médios também se mantêm baixos, porque ganham menos”, disse ela.

Emprego “para a vida”

A cultura japonesa de trabalho único também está a contribuir para a estagnação salarial, de acordo com economistas.

Muitas pessoas trabalham no sistema tradicional de “emprego vitalício”, onde as empresas se esforçam extraordinariamente para manter os trabalhadores na sua folha salarial para toda a vida, disse Angrick.

Isto significa que as empresas são muitas vezes muito cautelosas em aumentar os salários em períodos favoráveis, para que tenham os meios para proteger os seus trabalhadores quando os tempos são difíceis.

“Eles não querem despedir pessoas. Por isso, precisam de ter esse amortecedor para poderem mantê-los na folha salarial quando uma crise se abate sobre eles”, explicou.

O seu sistema de remuneração baseado na antiguidade, em que os trabalhadores são pagos com base na sua posição e tempo de serviço, em vez do seu desempenho, reduz os incentivos para as pessoas mudarem de emprego, o que noutros países geralmente ajuda a aumentar os salários, de acordo com McGowan.

“A maior questão no mercado de trabalho japonês é a teimosa insistência em pagar por antiguidade”, afirmara antes Jesper Koll, um proeminente estratega e investidor japonês, à CNN. “Se fossem introduzidos salários genuinamente baseados no mérito, haveria muito mais mudança de emprego e escalada de carreira”.

Pressão sobre as empresas

No mês passado, Kishida avisou que a economia está em causa, dizendo que o Japão corre o risco de cair na estagflação se os aumentos salariais continuarem a ficar atrás dos aumentos de preços. O termo refere-se a um período de inflação elevada e de crescimento económico estagnado.

Aumentar os salários em 3% ou mais por ano já era um objetivo central da administração de Kishida. Agora, o primeiro-ministro quer dar mais um spasso em frente, com planos para criar um sistema mais formalizado.

Questionado quanto aos detalhes, um porta-voz do governo disse à CNN que novas “medidas económicas abrangentes incluirão um maior apoio ao aumento dos salários, integrado com uma melhoria da produtividade”.

As autoridades planeiam implementar orientações para as empresas até Junho, disse um representante do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social.

Hideya Tokiyoshi, professor no Japão, disse à CNN que mal tinha visto o seu salário subir nos últimos 30 anos. Cortesia: Hideya Tokiyoshi

Entretanto, o maior grupo laboral do país, a Confederação Sindical Japonesa, ou Rengo, está agora a exigir aumentos salariais de 5% nas conversações deste ano com a direção de várias empresas. As negociações anuais iniciam-se este mês.

Numa declaração, a Rengo disse que está a fazer pressão porque os trabalhadores estão a ter “salários inferiores à escala global” e precisavam de ajuda para lidar com o aumento de preços.

Algumas empresas já agiram. A Fast Retailing, a empresa por detrás da Uniqlo e da Theory, anunciou no mês passado que iria aumentar os salários no Japão em até 40%, reconhecendo que a compensação tinha “permanecido baixa” no país nos últimos anos.

Embora a inflação fosse um fator, a empresa queria alinhar-se “com os padrões globais, para poder aumentar a nossa competitividade”, disse um porta-voz da Fast Retailing à CNN.

De acordo com uma sondagem da Reuters divulgada no mês passado, mais de metade das grandes empresas do país planeiam aumentar os salários este ano.

A Suntory, um dos maiores fabricantes de bebidas do Japão, pode ser uma delas.

O CEO, Takeshi Niinami, está a ponderar um aumento de 6% para a sua força de trabalho japonesa de aproximadamente sete mil pessoas, de acordo com um porta-voz, acrescentando que tal foi objecto de negociação com um sindicato.

As notícias podem levar outras empresas a seguir o exemplo.

“Se algumas das maiores empresas do Japão aumentarem os salários, muitas outras empresas seguirão o exemplo”, nem que seja para se manterem competitivas, disse Yamaguchi. “Muitas empresas olham para o que outras empresas fazem”.

 

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