Cravinho assume "erro" por ter acreditado na "boa-fé" de Alberto Coelho: "Se soubesse o que sei hoje, não o teria nomeado para outras funções" numa empresa pública - TVI

Cravinho assume "erro" por ter acreditado na "boa-fé" de Alberto Coelho: "Se soubesse o que sei hoje, não o teria nomeado para outras funções" numa empresa pública

O agora ministro dos Negócios Estrangeiros voltou a explicar que a importância da requalificação Hospital Militar de Belém, e a urgência da obra, se devia ao facto de o país estar em plena crise pandémica, com hospitais do SNS sobrelotados. Admitiu que existiu uma "escalada muitíssimo elevada" da despesa prevista, alegando, no entanto, que o Ministério da Defesa nunca tinha sido informado de tal

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O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, disse, esta quarta-feira no Parlamento, que se em abril de 2021 soubesse de todas as suspeitas e irregularidades que envolviam Alberto Coelho, então diretor da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) e agora detido, não o teria nomeado para presidente do Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação) - uma empresa detidas pelo Estado.

"Se soubesse o que sei hoje, não o teria nomeado para outras funções, mas isto é sabendo o que sei hoje, que é substancialmente diferente da informação que dispunha no momento da tomada de decisão", admitiu na comissão parlamentar, a pedido do PSD, sobre as investigações no âmbito da "Operação Tempestade Perfeita". 

O governante voltou a explicar que a importância da requalificação Hospital Militar de Belém, e a urgência da obra, se devia ao facto de o país estar em plena crise pandémica, com hospitais do SNS sobrelotados. Ou seja, o intuito era que Hospital Militar "pudesse contribuir para o esforço do SNS". Admitiu que existiu uma "escalada muitíssimo elevada, para o triplo" da despesa prevista, alegando, no entanto, que o Ministério da Defesa nunca tinha sido informado de tal.

"Não houve evidentemente nenhuma autorização para esta escalada de custos. Quando tive na minha posse informação categórica, fiz precisamente aquilo que se impunha fazer. Enviar ao Tribunal de Contas. Tendo aparecido nova informação (...) enviei ao Ministério Público. Por fim, quando chegou o terceiro relatório da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (…) sobre as empresas envolvidas, enviei também tanto para o Tribunal de Contas como ao Ministério Público. Era isso mesmo que se impunha fazer", acrescentou. 

Na mesma linha, o secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, disse que a tutela não toma decisões "com base no que sai na comunicação social", uma vez que essa informação carece de confirmação e investigação por parte das entidades competentes. 

Dúvidas dissipadas?

Já numa segunda intervenção, João Gomes Cravinho disse ainda: "É com grande surpresa, e profunda desilusão, que hoje em dia digo que não posso falar de lealdade e de honestidade com referência ao doutor Alberto Coelho". No entanto, o deputado do PSD João Paulo Oliveira, não esclarecido com as resposta do ministro, questionou-o como é que num momento tem dúvidas sobre a idoneidade de Alberto Coelho, e não o reconduz no cargo, e no momento seguinte o nomeia para presidente do Conselho de Administração da ETI. 

"A 23 de fevereiro de 2021, afirmou que não reconduzi porque 'era preciso um olhar novo e uma abordagem nova [na DGRDN] e isso implica uma mudança de pessoas, bem como de estruturas'. Ora, a 20 de dezembro do ano passado, disse que face às dúvidas surgidas no final do mandato do Diretor-geral [Alberto Coelho] entendeu não reconduzir. Em que é que ficamos?". 

Na resposta, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse que não há nenhuma contradição nas duas frases e que "ambas são verdade". E acrescenta: "Correspondem com toda a naturalidade áquilo que foi a minha decisão tomada na altura. Na apreciação que eu fiz sobre o processo, a decisão de não recondução foi emitida antes do relatório da auditoria, formalizada a 23 de dezembro, a auditoria chegou uns dias mais tarde. [Na não recondução] Pesou evidentemente a minha insatisfação em relação à falta de prestação de informação, pesaram as dúvidas sobre ilegalidade dos procedimentos da época e isso veio a ser confirmado mais tarde pela auditoria. Ambas são verdade". 

João Paulo Oliveira insistiu e questionou o governante sobre o facto de, depois de não ter reconduzido Alberto Coelho, o ter nomeado para uma outra empresa do Estado: "As suas dúvidas foram dissipadas? É que depois o nomeou para a EMPORDEF, eu presumo que as suas dúvidas tenham sido dissipadas". Gomes Cravinho disse que quando fala em dúvidas, isso significa apenas que "não há esclarecimentos, não há informação", não significa que haja "imputação de responsabilidade criminal". 

"Portanto, duvidas é precisamente isso, é dizer que há informação que falta e que é preciso saber. (…) Havendo duvidas, eu não estava satisfeito com  a informação que havia, não tinha condições, a meu entender, para avançar com a sanação das irregularidades. Mas isso não significa que naquele momento eu não pensasse que o tal louvor do doutor Aguiar Branco não tivesse razão de ser". O deputado do PSD criticou o ministro por estar a usar um louvor dado há seis anos: "Invocar um louvor do ex-ministro Aguiar Branco, dado em 2015, para justificar a nomeação de Alberto Coelho seis anos depois com uma nova tautologia na sua posse, de facto diminui-o bastante. Não lhe fica bem, com toda a franqueza". 

"Cometi um erro" 

Foi com recurso a uma "alegoria da vida real" entre "o senhor Gomes" e o "senhor Alberto" que o líder da Iniciativa Liberal disse ao ministro dos Negócios Estrangeiros que "ninguém acredita" na história que contou sobre a não recondução e posterior nomeação de Alberto Coelho para a EMPORDEF. Na resposta, Gomes Cravinho agradeceu "o momento de entretenimento ligeiro", ainda que não tenha sido feita uma transposição totalmente verdadeira do que realmente aconteceu. Sobre a auditoria que tinha em mãos que levantava suspeitas sobre Alberto Coelho já no momento da nomeação para a empresa pública, o ministro admitiu o erro.

"A auditoria referia ‘boa-fé’ e eu também imaginava, erradamente, e assumo esse erro, que havia boa-fé da parte do diretor-geral, mas cometi esse erro. É um erro cometido por mim e pela inspeção-geral."

Rui Rocha lembrou que já nessa altura o ministro tinha dúvidas sobre a idoneidade de Alberto Coelho e questionou se nao seriam suficientemente fortes para evitar a nomeação: "Essas dúvidas não seriam suficientes para alguém com bom-senso não promover a passagem, ou a nomeação, ou a indicação do Doutor Alberto Coelho para a EMPORDEF? Não seria uma atitude prudente?". Gomes Cravinho disse que "lamenta muito", mas na altura não sabia o que mais tarde veio a saber. "Nunca a teria feito se tivesse essa informação".

"Eu sobrestimei os 19 anos de diretor-geral, sobrestimei aquilo que tinha sido todo o currículo do doutor Alberto Coelho, (…) sobrestimei essa análise, essa parte da análise, e sobrestimei a outra parte que vem presente no relatório da auditoria. Portanto, há aí um erro, que eu reconheço a posteriori."

Despromoção? "Todos nos gostávamos de ser despromovidos assim" 

Questionado pelo deputado do Chega André Ventura sobre se a ideia de nomear Alberto Coelho partiu de Marco Capitão Ferreira, na altura presidente da idD Portugal Defence - a holding que gere as participações públicas nas empresas do setor da Defesa - Gomes Cravinho respondeu que ambos tinham "um diálogo regular, corrente" e que o nome de Alberto Coelho surgiu nessa discussão.

"Agora, quem se lembrou em primeiro momento, em que momento da conversa, em qual conversa das muitas que a gente vai tendo? Não lhe sei dizer, até porque não tem importância nenhuma. Eu assumo a minha responsabilidade, e o senhor Marco Capitão Ferreira também seguramente que a assume."

Durante esta audição, o PS disse que a nomeação de Alberto Coelho para a EMPORDEF era uma "despromoção". Nesse sentido, o líder do Chega disse que se todos os portugueses fossem despromovidos "com um salário de topo" seria "uma vantagem enorme nacional". 

"Quanto é que ganhava o doutor Alberto Coelho na EMPORDEF? Era bom dizer aos portugueses. Todos nos gostávamos de ser despromovidos assim. Há um relatório que diz: mentiu, falhou e usurpou competências. E [o senhor ministro] nomeia-o para uma empresa pública com um salário de topo. Então os portugueses gostavam todos de ser despromovidos, era uma vantagem enorme nacional". Perante isto, Ventura sugeriu que fosse feita uma auditoria ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para "saber quem é que lá trabalha". 

Quanto à sugestão, Cravinho disse que se tratava de "demagogia" e, por isso mesmo, não tinha "grande coisa a acrescentar e muito menos responder a este tipo de perguntas". Sobre a despromoção, não tem dúvidas: "É evidente que ser diretor-geral de uma super direção-geral de Defesa Nacional ou ser presidente de uma pequena empresa na esfera da idD (...) não tem comparação possível e não pode ser considerada uma promoção".

Cinco detenções e 19 arguidos

A "Operação Tempestade Perfeita" foi desencadeada em dezembro pela Polícia Judiciária (PJ), em coordenação com o Ministério Público, e resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos, que respeita ao período em que João Gomes Cravinho tutelou aquele ministério.

Um dos cinco detidos é o ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho, alegadamente envolvido na derrapagem nas obras de requalificação do Hospital Militar de Belém.

Em causa estão gastos de cerca de 3,2 milhões de euros na empreitada para reconverter o antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, num centro de apoio à covid-19, obra que tinha como orçamento inicial 750 mil euros.

A derrapagem foi revelada por uma auditoria da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN), que visou a atuação de Alberto Coelho.

Depois de sair da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho presidiu ao Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A) entre 08 de junho de 2021 e 31 de julho deste ano, antes de pedir a aposentação, segundo informação divulgada pela empresa à Lusa.

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