O assunto prestar-se-ia à ironia e ao escárnio, não fosse ele tão sério.
Segundo dados da agência financeira Bloomberg, é já a partir de maio que a Índia se torna no maior fornecedor de combustível refinado da Europa. Até aqui, parece tudo bem.
A Índia é o terceiro maior utilizador mundial de petróleo. Importa 85% das necessidades internas. A Rússia ocupa hoje o primeiro lugar no ranking dos países exportadores de petróleo para a Índia. Na perspetiva dos europeus, a curiosidade desponta deste facto.
Das duas, uma: ou o diesel indiano que chega à Europa é refinado a partir dos 15% de petróleo que a Índia produz internamente, ou então o petróleo russo voltou a chegar em larga escala aos Estados-membros da União Europeia. A nossa intuição é tudo o que basta para chegar a uma conclusão.
Foi já mesmo no final do ano passado que a União Europeia aplicou a “derradeira sanção petrolífera” à Rússia. Pôs fim à utilização de petróleo bruto russo transportado por via marítima. Dois meses depois, estendeu a medida aos produtos refinados.
Na altura, tive oportunidade de referir que o embargo gerava preocupação. Por um lado, era já evidente a crescente escassez de gasóleo, sinalizada pelas subidas constantes do preço deste recurso nos mercados de produtos refinados. O início do processo remonta ao período da pandemia de covid-19. Por outro lado, a União Europeia nunca foi autossuficiente em matéria de gasóleo. Pior, 50% do diesel que utilizava era proveniente da Rússia.
Uma coisa já era certa há alguns meses: “enquanto a economia [global] carecer de combustível fóssil não vamos conseguir tirar força à Rússia.”
As sanções não impedem que a Índia compre petróleo russo a preço de saldos e que o refine. Depois de transformado em gasóleo, o combustível é exportado para a União Europeia. O estratega Putin proporcionou à Índia mais uma oportunidade para esta aumentar a sua riqueza. Não seria de esperar que Nova Delhi a enjeitasse.
Perante um quadro destes, o que poderia a União Europeia ter feito mais? Resta a resignação. Inércia teria correspondido à ideia de indiferença face à invasão militar da Ucrânia. Proatividade é igual a prejuízo e sofrimento para os Estados-Membros da UE.
Então o que fazer? Acelerar a transição energética. Isso também não será fácil. Prevê-se que 50% da eletricidade global possa ser alcançada a partir de produção solar fotovoltaica. A China concentra a hegemonia global no domínio desta tecnologia.
Caso a transição digital acelere, o Kremlin perderá o poder que petróleo e gás lhe conferem. Os dois melhores “amigos” de Moscovo são agora os principais destinos dos recursos energéticos fósseis da Rússia. A Índia e a China são também os países mais populosos do mundo. Contribuir para o enfraquecimento russo estará fora de questão para os dois parceiros da Rússia. Os três saem a ganhar com o atual quadro energético global. E continuam a cooptar parceiros.
A União Europeia está num beco sem saída. Está encurralada.