Taxista assume culpa em atropelamento mortal: “Tenho culpa. Tirei a vida a um jovem” - TVI

Taxista assume culpa em atropelamento mortal: “Tenho culpa. Tirei a vida a um jovem”

Joel Franco atropelou Afonso e fugiu do local. Não é uma pessoa qualquer: está em liberdade condicional por ter violado uma criança

O arguido, que já tem antecedentes criminais, está em prisão preventiva. Em tribunal, assumiu a culpa pelo acidente

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O taxista Joel Franco assumiu a culpa do acidente que matou Afonso Gonçalves, jovem universitário de 21 anos, a dia 8 de setembro de 2024, quando o condutor colheu a vítima numa passadeira no cruzamento da Avenida dos Estados Unidos da América com a Avenida Rio de Janeiro e abandonou o local.

“Tenho culpa. Tirei a vida a um jovem. Também sou pai. Se há coisa que eu defendo é a família. A dor é insuportável de perder um filho", afirmou Joel Franco perante o tribunal.

Joel Franco relatou que circulava na via mais à esquerda, a cerca de 50 km/h, depois de uma jornada de 14 horas de trabalho, e que “vinha apertado dos intestinos e só queria chegar a casa".

"Quando me apercebi não consegui fazer nada. Venho a sair do túnel dos Estados Unidos da América e continuei na via mais à esquerda. Vinha cansado. Estava com 14 horas de trabalho. Vinha a uma velocidade moderada, 50 quilómetros", afirmou.

Questionado pelo juiz se não conseguiu travar quando viu Afonso Gonçalves, Joel Franco diz que "não conseguiu evitar".

"Só me apercebi do estrondo, um embate do lado esquerdo do meu carro, na parte da frente. Depois entrei em choque. Continuei a velocidade que trazia e segui em frente até chegar a casa. Perdi a noção do sítio onde estava", afirmou

O taxista referiu ainda que o veículo ficou com o para-brisas partido e amolgadelas na frente, e que teve consciência de que atropelara alguém, mas só depois de chegar a casa ligou para o CODU - uma chamada que, segundo o juiz, “não existe nos registos”. O arguido disse ainda que, após o acidente, tomou medicação para dormir e só acordou 24 horas depois, momento em que ligou à proprietária da viatura.

“Liguei para a proprietária da viatura a dizer que atropelei uma pessoa. Ela disse para eu aguardar e eu aguardei. Disse para aguardar por informações dela.”

Durante a audiência, o tribunal recordou que Joel Franco esteve envolvido em 13 acidentes de viação nos últimos 15 anos, três deles com atropelamentos, sendo que um resultou igualmente em morte. 

“Sim é verdade. Todas as pessoas foram assistidas. Parei. Mas houve uma delas que não sobreviveu.”

A mãe da vítima esteve presente na sala de audiência, visivelmente abalada.

Pai de Afonso Gonçalves descreve dor e desespero

O pai de Afonso Gonçalves, Paulo Saraiva Gonçalves, descreveu em tribunal o desespero e a dor após a morte do filho, revelando como recebeu a notícia da tragédia.

“A notícia foi me dada pelo meu irmão, que foi a Guimarães dar me a notícia. Senti o mundo a desabar. É a notícia que ninguém quer receber. Não há palavras. Um desespero, impotência, incredibilidade. É difícil dizer em palavras o que se sente. Ele estudava engenharia informática na Caparica. Faz hoje 4 anos que ele comprou comigo o traje da faculdade”, contou-

Garantindo que o filho estava plenamente integrado na faculdade, Paulo Gonçalves conta que Afonso, "para além de ter colaborado na associação de estudantes, era elemento ativo na Tuna".

"Foi onde cresceu na sua vida universitária. A anTUNiA recebeu o muito bem. Antes de conhecer os colegas foi assistir”, acrescentou. 

Ao ser questionado pelo juiz sobre como descreveria o filho, descreveu-o como ponderado e justo.

“Era muito afetuoso. Extrovertido não era muito. Viemos a saber coisas maravilhosas dele pelos amigos. Não era um espalha brasas, mas era uma pessoa muito presente e ponderado. Se tivesse que definir com uma palavra diria justo. Sempre fomos pais muito protetores. Foi uma criança muito chegada aos avós paternos. O irmão perdeu a grande referência dele e não consegue ir às aulas. Tenho receio das reações que possa ter. Evita passar passadeiras. Ouve as sirenes e entra em pânico. Quando vê a fachada do hospital, desliga a televisão. É um trabalho que vai demorar muito tempo até que consiga dentro do possível encontrar alguma tranquilidade. Tinha 16 anos quando isto aconteceu. A adolescência está ao rubro e perdeu a grande referência. O ídolo dele.”

Paulo Saraiva Gonçalves contou ainda que antes do acidente, Afonso "tinha estado numa loja em Benfica durante a tarde num encontro de jogadores" e que depois "jantou em casa de um amigo, o Nuno Sousa, que é precisamente na Avenida dos Estados Unidos da América".

"Dez minutos antes de morrer falou com a mãe ao telemóvel. Ele até estava a descer no elevador. Estava a falar baixinho", acrescentou.

O juiz questionou ainda o pai de Afonso se algum dia vai ser capaz de perdoar o arguido e que sentimentos foi tendo desde aquele dia até hoje em relação ao sucedido e ao arguido. 

“Em relação ao perdão. Perdi muito a fé e não vislumbro isso. Foi o meu menino que me roubaram. Não me compete a mim perdoar. Se há alguém que deve perdoar que seja alguém noutra instância. Eu não consigo, de tão ferido que estou, ter a capacidade para perdoar. Não consigo.”

"Foi o pior dia da minha vida"

Também a mãe da vítima, Carla Lima, prestou declarações em tribunal entre lágrimas, descrevendo o impacto devastador da morte do filho.

“Foi o pior dia da minha vida. Não queria acreditar. O meu marido pediu para eu descer com o meu filho mais novo e eu desci. Vi o meu marido muito agitado. Só lhe disse para ter calma porque eu achava que era algo a ver com o meu sogro. Ele vira-se e diz-me que o Afonso teve um acidente. O meu marido só disse e gritou: MORREU. Vim para Lisboa. A dor era tanta. Só queria abraçar o meu filho. O meu filho mais novo tentou acalmar-me quando devia ser uma mãe a acalmar o filho mais novo. Chegamos a Lisboa ao hospital. Já tinha lá uma rede de apoio. A única coisa que eu queria saber era porquê. Como é que alguém foge e não auxilia?”

Outra das testemunhas a ser ouvidas esta quarta-feira foi Carlos Monteiro, agente da PSP de 59 anos, em pré-aposentação, que estava a trabalhar na unidade de investigação de acidentes de viação e deu assistência no acidente.

“Fui chamado às 22:10. Cheguei às 22:24. Quando cheguei vi a vítima em cima da maca da ambulância. Tinha um aparelho. Estavam a tentar reanimá-lo. No local estavam duas testemunhas. Disseram que tinha havido um atropelamento e que o carro fugiu. Havia uma poça de sangue no chão. E a partir daí foram feitas as diligências necessárias. Fiz uma comunicação para dar alerta das características do táxi e possíveis danos que a viatura poderia ter. Eles não sabiam matrícula. Só que era preto e verde", conta.

O agente acrescentou que a viatura foi localizada posteriormente e esclareceu, em resposta ao coletivo de juízes, que “no vídeo que tivemos vemos que ele circulava à esquerda, o que corresponde ao que as testemunhas me tinham dito”.

"A viatura foi localizado por uns colegas meus menos de 48 horas depois. Foi feito um croqui do acidente", revelou.

Apurou-se ainda que, no momento do acidente, “o semáforo estava verde para peões e vermelho para viaturas” e que “não havia sinal de travagem”, indicando que o taxista não travou antes de atingir o jovem e que "o corpo foi projetado" a "18 metros de distância".

O coletivo de juízas ouviu ainda os agentes da PSP envolvidos na investigação do atropelamento. Questionado pela juíza sobre a velocidade a que o táxi circulava, o agente Carlos Monteiro explicou: “Pelas nossas contas, 53/55 km/h, mas isso não é evidente nem exato. Não conseguimos ver a velocidade concreta, mas ia dar mais de 50 km/h.”

O agente acrescentou que o vídeo disponível é proveniente das câmaras da REN e que “as imagens foram projetadas no vidro do edifício, não estavam a filmar diretamente para o local”. Já o agente Miguel Ângelo Barbosa Gonçalves, da esquadra dos Olivais, relatou como a PSP localizou o veículo dois dias após o atropelamento.

“Dois dias a seguir ao atropelamento, estava a conduzir a viatura da PSP quando soubemos da questão do atropelamento. Andámos a patrulhar uma hora e meia e houve um senhor que nos disse que estava lá um táxi batido na Avenida João Paulo II. Não sabíamos matrícula, só sabíamos que era marca Skoda. Chegámos lá e confirmámos que era um Citroën e que era táxi. Tinha marcas de embate e tentámos procurar o proprietário do mesmo.”

Segundo o agente, o veículo estava em nome de Joaquim, mas “ele disse-nos que era a filha quem geria”.

“Ligámos à filha. Fomos ter com o senhor Joel. Confrontámo-lo e ele admitiu. Quem fez o telefonema foi o agente Fábio Silva, mas estivemos sempre juntos”, detalhou o militar.

O coletivo de juízes é composto exclusivamente por mulheres, assim como a procuradora que acompanha o processo.

Afonso Gonçalves, jovem universitário de 21 anos, foi atropelado mortalmente numa passadeira no cruzamento da Avenida dos Estados Unidos da América com a Avenida Rio de Janeiro, a 8 de setembro de 2024. O taxista, com antecedentes criminais, abandonou-o. Está em prisão preventiva.

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