"This War of Mine". Como um videojogo pode ensinar os danos de guerras como a da Ucrânia - TVI

"This War of Mine". Como um videojogo pode ensinar os danos de guerras como a da Ucrânia

  • CNN
  • Sergio Gómez Martín
  • 16 abr 2022, 17:00
Imagem promocional do jogo This War of Mine. Foto: 11 bit studios

É comum associar videojogos a obras que incluam elementos violentos, ação ou mecânica de tiro. Não é surpreendente, porque uma boa parte dos títulos mais bem sucedidos e populares costumam servir-se deles. No entanto, existem exceções. Há até muitos títulos antiguerra.

Um dos videojogos mais proeminentes nos últimos anos é "This War of Mine", um título independente publicado em 2014 pelo estúdio polaco 11 bit studios, que procurou afastar-se do clássico foco que só mostra a frente de batalha e, em vez disso, mostrar as consequências das guerras nas principais vítimas: os civis.

Oito anos após o seu lançamento – e depois de ter sido recomendado para estudantes maiores de idade na Polónia – e numa altura em que o mundo se depara com a situação na Ucrânia após a invasão da Rússia, o jogo "é mais relevante do que nunca". Quem o garante é o atual chefe de Relações Públicas do 11 bits studios e um dos principais escritores de "This War of Mine", Pawel Miechowski, em entrevista à CNN.

O estúdio tinha uma clara intenção de desenvolver o título: posicionar-se contra conflitos armados e transmitir o que as pessoas sofrem na guerra "às pessoas que nunca estiveram na guerra ou que, oxalá, nunca venham a estar". O seu envolvimento foi de tal maneira forte que, na sequência da guerra na Ucrânia, decidiram lançar uma campanha na qual doariam à Cruz Vermelha ucraniana tudo o que ganharam com a venda de "This War of Mine". O estúdio, que já tinha conseguido vender mais de 4,5 milhões de cópias do jogo até 2019 (data do último relatório oficial de vendas), conseguiu agora angariar mais de 850 mil dólares com a campanha acima referida. "Estamos do lado das vítimas", explica Miechowski.

Como é "This War of Mine" e a sua mensagem antiguerra?

Alberto Venegas, doutorado em História pela Universidade de Múrcia e professor do ensino secundário em Espanha, explica à CNN que o título se destaca porque nos permite ver e jogar do ponto de vista dos civis e faz de nós participantes numa série de decisões que têm consequências.

"É uma falácia identificarmo-nos ou sermos empáticos com o herói de guerra dos videojogos de grande orçamento. Ninguém tem aquela formação militar, aquele treino militar, aquela condição física. Ao contrário do que se formos canalizadores, professores, jornalistas, eletricistas e, numa altura em que não esperamos, a nossa vida muda."

Este "This War of Mine" passa-se em conflitos como o Cerco de Sarajevo nos anos 90. No título, os jogadores, usando uma mecânica de Point & Click, controlam três civis (mudam em cada partida) que se refugiam da guerra que está a ocorrer.

O objetivo é sobreviver dias suficientes até que ocorra um cessar-fogo. Para sobreviver, é preciso conseguir comida, medicamentos e outros recursos. O problema é que há mais civis a tentar sobreviver. E depois é hora de tomar decisões. O jogador pode roubar comida a um casal de idosos, que vai morrer de fome. Também pode dar medicamentos a outros sobreviventes, correndo o risco de precisar deles mais tarde.

Para que as decisões dos jogadores tenham um peso emocional, Miechowski explica que o título não julga os jogadores. "Podem comportar-se como bandidos ou como boas pessoas. O jogo não diz se fazes bem ou mal, mas para sobreviverem à vossa maneira. Se fizerem algo de errado, mais tarde verão as consequências das vossas escolhas. Por isso, quando virem essas consequências, podem sentir arrependimento. E essa é uma emoção muito forte que só pode ser alcançada nos videojogos."

Em relação a essas emoções, o programador sublinha que "na guerra o mais importante é a humanidade. Às vezes, é mais fácil ser um bandido, mas estaremos mesmo a ganhar ou a perder algo realmente precioso como é a humanidade?"

Outro mecanismo que utilizaram para envolver emocionalmente o jogador foi o afastamento do escapismo. Onde outros jogos permitem que os utilizadores escapem à realidade experimentando fantasias, em "This War of Mine" procuraram o oposto. "Coloca-nos numa simulação da realidade. Uma realidade horrível como a guerra. Retira-nos sempre da nossa zona de conforto e depois começamos a jogar com muita atenção. Prestamos atenção aos detalhes dos nossos civis, a cada pedaço de comida, medicação... E quando o fazemos, envolvemo-nos muito mais como jogadores. É assim que criamos a ligação entre as personagens e o jogo", afirma Miechowski.

Baseado em testemunhos e experiências reais

Para representar as sensações e emoções que surgem durante a guerra e conseguir projetar mecânicas com um sentido narrativo coerente, o 11 bits studios procurou absorver as experiências dos sobreviventes.

"Somos da Polónia. Os nossos avôs e avós sobreviveram à Segunda Guerra Mundial", diz Miechowski. A sua avó vivia no leste da Polónia, uma área que foi repetidamente invadida por alemães e soviéticos. "Era uma zona onde a frente de batalha se deslocava de um lado para o outro, por isso o meu bisavô teve de se adaptar para sobreviver. Aprenderam a esconder comida dos militares, a cultivar ervas daninhas para comer... Isso é algo que adaptámos e, no jogo, podemos cultivar erva para nos alimentarmos."

Não recorreram apenas a histórias de membros da família dos programadores da equipa. Miechowski também explica como exploraram documentos da Coleção FAMA, um museu virtual sobre o Cerco de Sarajevo. O estúdio explica que todas aquelas entrevistas com "pessoas normais como bombeiros ou professores" ajudaram a ganhar perspetiva.

Também contaram com testemunhos de sobreviventes da guerra da Bósnia. "Conhecemos um rapaz, Emir Cerimovic, que fugiu de Sarajevo em criança com a mãe e o irmão mais velho. Foi ele que nos explicou como é a guerra." E acrescentam: "Combinamos muitas destas histórias. Procuramos especificamente padrões de comportamento, momentos emocionais que ficaram na mente das pessoas e tentamos recriar eventos semelhantes no jogo para criar essas experiências."

Venegas destaca esta utilização de fontes como uma das chaves do jogo: "No final, o que oferece é uma pátina da realidade que outros videojogos não oferecem porque se baseiam na memória estética do videojogo, ou seja, na forma como a guerra tem sido anteriormente representada. Banham tudo numa camada de espetacularidade, velocidade, movimento, ação... que, no final, esconde o que está a acontecer porque tudo é tão rápido e espetacular que não se pára para pensar no contexto do que está a acontecer. E "This War of Mine" é exatamente o oposto. É quase todo o contexto contado com a própria mecânica do jogo."

O que pode este jogo trazer nesta altura?

Tal é o impacto de "This War of Mine" que em 2020, o primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, anunciou que o jogo faria parte das leituras recomendadas não obrigatórias de escolas para alunos com mais de 18 anos.

Venegas, como professor do ensino secundário em Espanha, explica que o jogo pode contribuir para aprender sobre conflitos armados contemporâneos porque "em muitas ocasiões mostram-nos nas televisões e aparecem os factos mais chocantes: como o céu se ilumina, os edifícios em colapso, as ruínas... mas o que acontece nesses momentos não é capturado e divulgado da mesma forma. "This War of Mine" faz um bom trabalho refletindo sobre os momentos do dia-a-dia das pessoas, das decisões que têm de tomar neste tipo de situações que ajudariam a compreender e a ter um pouco mais de empatia com o que se passa à nossa volta."

Segundo Venegas, "This War of Mine" ensina uma guerra mais real, menos mitológica e menos fantástica, que é o que nos deve fazer pensar nas reais consequências dos atos tomados a altos níveis de governo, como, por exemplo, o Kremlin agora na invasão da Ucrânia e que consequências isso tem sobre centenas de milhares de crianças, homens e mulheres que irão sofrer as consequências destas decisões."

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