Durante o fim de semana do feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, três estudantes universitários palestinianos foram baleados em Vermont, dois deles envergando keffiyeh, num crime que as suas famílias afirmaram ter sido "alimentado pelo ódio".
Embora os keffiyeh sejam usados em todo o Médio Oriente, nas últimas décadas passaram a ser identificados em particular como um símbolo da identidade e da resistência palestinianas. Nos protestos pró-palestinianos realizados em todo o mundo durante a guerra entre Israel e o Hamas, os manifestantes usaram os lenços à volta do pescoço ou para cobrir o rosto.
Originalmente usado por pastores e agricultores nómadas, o keffiyeh "tornou-se uma peça de vestuário icónica usada globalmente por revolucionários anticolonialistas, ativistas e afins, embora continue a ser usado como um toucado tradicional pelos anciãos e agricultores", disse Majeed Malhas, jornalista palestino-canadiano e candidato a doutoramento em antropologia na Universidade de Toronto.
O que é um keffiyeh?
Um keffiyeh - por vezes escrito kufiyya ou kaffiyeh - é um lenço tradicional usado em muitas partes do Médio Oriente. Normalmente, é preto e branco ou vermelho e branco, com diferentes padrões e borlas na extremidade.
Wafa Ghnaim, investigadora e curadora especializada na história do vestuário palestiniano, disse à CNN que, até à década de 1920, os keffiyeh - também chamados hattah ou shamagh - eram usados sobretudo por homens beduínos nómadas na Palestina histórica.
Ghnaim, que é investigadora do Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque, contou à CNN que no seu trabalho vê frequentemente keffiyeh do século XIX feitos de algodão, seda e lã fina, e incorporando fios brancos, pretos, verdes e vermelhos.
"Todas as pessoas, homens ou mulheres, usavam toucados nesta parte do mundo. Os aldeões e os habitantes das cidades tinham estilos de toucados diferentes dos dos beduínos", explicou.
"Os homens beduínos dobravam o keffiyeh na diagonal e prendiam-no à cabeça com um 'aqal ou corda de cabeça."
Para além de atuar como um marcador visual da identidade beduína, os lenços têm um objetivo prático: ajudam a proteger quem os usa do sol feroz do deserto e da areia.
E os padrões tecidos em cada keffiyeh, indicou Malhas à CNN, "refletem diferentes aspetos da terra da Palestina, como a oliveira e a rede de pesca".
O keffiyeh vermelho e branco também está por vezes ligado ao nacionalismo jordano porque os comandantes britânicos usavam-no como parte do uniforme da Patrulha do Deserto, uma unidade beduína da Legião Árabe. Mas os keffiyeh de todas as cores têm sido usados por ativistas palestinianos e combatentes da resistência, segundo Malhas.
Para além do estilo tradicional usado na cabeça, hoje em dia os lenços também são usados à volta do pescoço e como xailes sobre os ombros.
O que significa o keffiyeh para os palestinianos
Para muitos palestinianos e pessoas de ascendência árabe em todo o mundo, o keffiyeh é um elo crucial com a sua cultura.
Dalia Jacobs, gestora de marca e diretora criativa palestiniana, disse à CNN que usa um keffiyeh feito na sua cidade natal, Hebron, quando viaja para o exterior.
Usar o keffiyeh é "como carregar a casa nos ombros", afirmou, descrevendo o lenço como "um símbolo de resistência e existência".
A.S., uma palestino-americana de 26 anos que vive na Carolina do Norte e que pediu para ser identificada apenas pelas suas iniciais por questões de privacidade, disse que para ela o keffiyeh é como "uma mantinha de criança".
O keffiyeh "diz quem eu sou e carrega a história da minha família sempre comigo", sublinhou.
Ghnaim também disse que o keffiyeh a faz lembrar do pai, enquanto o tatreez - bordado tradicional palestiniano - a faz lembrar da mãe. Para combinar as duas peças do património cultural palestiniano, utilizou técnicas de bordado tradicionais para adornar o seu keffiyeh preto e branco.
"As minhas melhores recordações são as de fazer este keffiyeh e de o usar com orgulho e alegria pelo meu belo povo."
Como é que o keffiyeh se tornou um símbolo de resistência
Para além de simbolizar a identidade cultural, o keffiyeh também assumiu uma dimensão política, tal como muitas outras peças de vestuário ligadas à herança cultural ou religiosa e ao nacionalismo.
Ghnaim traçou esta dimensão política até à década de 1930. Durante a Revolta Árabe, entre 1936 e 1939, quando os palestinianos procuraram pôr fim à ocupação britânica e estabelecer o seu próprio país independente, os palestinianos de todas as classes sociais e religiões usaram o keffiyeh preto e branco para simbolizar a sua solidariedade, segundo Ghnaim.
Durante a década de 1960, houve outro ressurgimento do keffiyeh como símbolo político, com o lenço a ser usado tanto por homens como por mulheres. Yasser Arafat, que foi durante décadas presidente da Organização para a Libertação da Palestina, era frequentemente fotografado com o keffiyeh preto e branco, o que consolidou ainda mais o lenço como símbolo da luta nacional palestiniana.
Leila Khaled, antiga militante que ficou famosa pelo seu papel num sequestro de avião em 1969 e membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina, parte da Organização para a Libertação da Palestina, também era frequentemente fotografada com um keffiyeh enrolado no cabelo e no pescoço nas décadas de 1960 e 1970.
Malhas, que cresceu como palestino de segunda geração na Jordânia nos anos 2000, explicou à CNN que usar o keffiyeh preto e branco poderia ser visto como um sinal de que ele era "ingrato" à Jordânia como país anfitrião. O lenço "é visto como "um símbolo de desafio e pan-arabismo" e pode ser controverso devido à sua ligação à identidade palestiniana. "A minha família sentir-se-ia desconfortável se eu o usasse" na Jordânia, assumiu.
Lembra-se de ter sido assediado durante o ensino secundário por usar um. Um rapaz mais velho disse-lhe: "Se não gostas disto aqui, mete-te num barco e vai-te embora".
Em recentes protestos pró-palestinianos em todo o mundo, os organizadores encorajaram os participantes a usar keffiyeh para mostrar solidariedade para com o povo palestiniano. A CNN noticiou anteriormente que um manifestante em França disse ter sido multado em 135 euros por usar um keffiyeh depois de o país ter proibido todos os protestos pró-palestinianos.
Mas o uso do keffiyeh também pode expor quem o usa a sentimentos anti-palestinianos ou à islamofobia: um advogado dos estudantes baleados em Burlington disse acreditar que os estudantes foram visados em parte porque usavam keffiyeh. E uma mulher em Nova Iorque foi presa e acusada de crime de ódio depois de ter alegadamente acusado um homem que usava um keffiyeh de apoiar o Hamas e de o ter atacado no início de novembro. Ela declarou-se inocente.
Qualquer pessoa pode usar um keffiyeh?
Para além de servirem como símbolo de identidade nacional e resistência, os keffiyeh também chegaram ao mundo da moda convencional. Num episódio de "O Sexo e a Cidade", Carrie Bradshaw veste uma camisola de alças que imita o desenho de um keffiyeh. E tanto os retalhistas de luxo como os da grande distribuição venderam keffiyeh como acessórios de moda, divorciados da sua história.
Mas retirar o keffiyeh do seu contexto original pode ser polémico. Em 2021, a Louis Vuitton foi alvo de acusações de apropriação cultural quando lançou uma "estola de keffieh" de 705 dólares, de acordo com várias notícias. A reação dos meios de comunicação social supostamente forçou a marca de luxo a retirar o item do seu site. Na altura, a Louis Vuitton recusou-se a comentar o assunto.
Ghnaim exortou os utilizadores do keffiyeh a fazerem a sua pesquisa sobre a peça de vestuário antes de a usarem.
"Nos últimos 10 anos, o keffiyeh foi apropriado pelo mundo da moda sem atribuição cultural às suas origens palestinianas", sublinhou.
"A apropriação cultural leva ao apagamento cultural, e é da maior importância que aqueles que usam este lenço se informem sobre o seu significado e história. Não é uma peça de vestuário que qualquer pessoa possa usar", defendeu. "Simboliza a solidariedade palestiniana, a libertação e a liberdade."
Malhas, por outro lado, disse que, embora os não-palestinianos devam ter cuidado ao usar o keffiyeh no estilo tradicional usado pelos beduínos, em geral, os não-palestinianos que usam a peça de vestuário podem ser uma "grande demonstração de solidariedade".