O mês de junho remete para as ruas uma celebração que se faz todo o ano. 52 anos depois da primeira marcha do orgulho LGBT (ou "Marcha da Liberação Gay", como era chamada na altura), milhões de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero continuam a reclamar as ruas da maioria das grandes cidades um pouco por todo o mundo.
As festas têm tanto de alegria como de política. Expressa-se orgulho pela identidade, diversidade e conquistas da comunidade ao longo das últimas décadas, mas reforça-se também tudo aquilo que ainda falta conquistar.
O mês de junho deste ano manteve o foco no amor e na união, como é habitual nestas celebrações, mas viu-se também ensombrado por mortes e confrontos policiais que voltaram a destacar a importância de um mundo igualitário - e a lembrar-nos a distância que nos separa dele.
Histórias de amor e alegria...
Portugal acolheu celebrações de Norte a Sul do país. Desta vez, as festas nas grandes cidades foram também conciliadas com as primeiras festas nas vilas e aldeias do interior. Lisboa e Porto continuaram a reunir o maior número de participantes, mas as estreantes Sintra, Covilhã e Caldas da Rainha mostraram que o orgulho se reivindica em cada canto do país.
E é nos cantos mais remotos ou que demonstram mais resistência à inclusão que se fazem as festas mais emocionadas. Países como a Tailândia, Bulgária e Índia começam a encontrar condições para expressar, de forma mais livre e segura, a diversidade que sempre existiu.
No México, um dos primeiros países da América Latina a reconhecer (em alguns estados) o casamento entre pessoas do mesmo sexo, centenas de casais LGBT deram o nó numa cerimónia em massa na passada sexta-feira.
Também na América do Sul, a festa fez-se em português. Depois de dois anos a ser celebrada virtualmente, devido às restrições pandémicas, a marcha de orgulho LGBT voltou a reunir milhões de participantes nas ruas do Brasil, um dos países onde a taxa de crimes violentos contra a comunidade é mais expressiva.
Os Estados Unidos, por sua vez, acolheram marchas de forte caráter político neste domingo. À luta pela liberdade sexual e identitária juntaram-se protestos contra a controversa decisão do Supremo Tribunal, que negou esta sexta-feira o direito ao aborto a milhões de mulheres. Os participantes temem que, depois dos direitos das mulheres, também os direitos da comunidade LGBT sejam comprometidos, como explica um manifestante à NBC News.
"Sinto que o próximo alvo pode ser o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a intimidade, tudo o resto - adoção, até. É por isso que é tão importante regressar pessoalmente", sublinha Jonathan Dago, que marcou presença na marcha de Nova Iorque após dois anos de pandemia. "É importante estarmos juntos e apoiarmo-nos, neste momento".
E, quando o assunto é resiliência, é obrigatório referir a Ucrânia. A invasão russa do país ditou que o evento não pudesse decorrer em Kiev, como acontece habitualmente, mas a comunidade não se deixou desmotivar. Em vez de cancelar a marcha, redirecionou-a para a capital da Polónia, Varsóvia, num evento conjunto entre os países vizinhos que reuniu mais de 80 mil participantes. Luta-se, com a voz redobrada, pelos direitos das pessoas LGBT, em risco de "desaparecer por completo" numa Ucrânia cada vez mais ameaçada.
"Marchamos pelo apoio político da Ucrânia, e marchamos por direitos humanos básicos para as pessoas ucranianas", explicou Lenne Emson, diretor do KyivPride, em declarações à Radio Liberty.
... e de resistência face ao ódio
O tiroteio em Oslo, que vitimou duas pessoas e feriu dezenas no passado sábado, impediu a realização do desfile oficial da marcha que ocorreria no mesmo dia. A polícia acredita tratar-se de um crime de ódio, levado a cabo por um extremista islâmico, e elevou o nível de alerta de "moderado" para "extremo" - o mais elevado.
Apesar das recomendações das autoridades e do clima de insegurança e de tristeza que se instalou na capital norueguesa, algumas pessoas contornaram o medo e reuniram-se em frente ao bar onde ocorreu o crime. Foram deixadas flores, içadas bandeiras da cor do arco-íris e chorada a morte das duas vítimas, numa demonstração de solidariedade e união que as testemunhas descrevem, apesar das trágicas circunstâncias, como "a coisa mais bela" a que já assistiram.
After an attack on a gay bar in Oslo last night, Pride was officially cancelled but people spontaneously gathered and marched to the bar to leave flowers. Seeing people crying, cheering and being courageous to go to the streets is the most beautiful thing I witnessed. ❤️ pic.twitter.com/RSGAqOidJe
— m 🏳️🌈 (@formulamaja) June 25, 2022
Em Istambul, na Turquia, o evento também foi cancelado e resultou em várias detenções - mas por motivos diferentes.
O governador da cidade tinha previamente proibido a realização da marcha de orgulho, evocando razões de segurança, à semelhança do que tem vindo a acontecer desde o desfile em 2014 que juntou mais de 100 mil pessoas.
Ainda assim, centenas de manifestantes juntaram-se nas proximidades da Praça Taksim, atualmente interdita ao público, empunhando bandeiras do arco-íris e entoando lemas que invocavam valores de diversidade. A polícia turca chegou ao local ainda antes do início oficial da manifestação e deteve cerca de 200 pessoas - entre os quais Bülent Kilic, um premiado fotógrafo da agência France Presse que já tinha sido preso o ano passado nas mesmas circunstâncias.
A Amnistia Internacional já reagiu às detenções e exigiu que todos os participantes levados pelas autoridades turcas fossem "imediatamente" e "incondicionalmente" libertados. A repressão do governo parece, aliás, ter intensificado o espírito de revolta nas redes sociais, por parte de políticos e da comunidade internacional.
Bugün, binlerce polis İstiklal Caddesi ve Beyoğlu çeviresindeki birçok sokağı kapattı ve 20. İstanbul Onur Yürüyüşü’ne katılan birçok kişiyi ve bazı basın mensuplarını gözaltına aldı.#Pride2022 #OnurYürüyüşü pic.twitter.com/p98IjrUbAn
— Amnesty Turkey (@aforgutu) June 26, 2022
Mais de meio século depois das primeiras manifestações públicas e comunitárias de orgulho, as marchas continuam a existir e a resistir. A repressão e a discriminação são também constantes, especialmente em países onde o amor entre pessoas do mesmo sexo é ainda punível por lei e tem de sobreviver nas sombras, em surdina, aguardando que os princípios de igualdade se estendam finalmente a todas as pessoas. Até lá, a comunidade LGBT continua a encontrar força na união, na solidariedade e na diversidade demonstradas nestas marchas - e no orgulho inabalável.