Perda de cabelo, alterações no ciclo menstrual ou alucinações: os efeitos pós-covid de que menos se fala - TVI

Perda de cabelo, alterações no ciclo menstrual ou alucinações: os efeitos pós-covid de que menos se fala

Pandemia de SARS-CoV-2

Médicos estão a identificar efeitos físicos e mentais surpreendentes nos recuperados da covid-19. À CNN Portugal, a especialista Diana Seixas explica o que a Ciência já descobriu sobre o impacto que o vírus tem no organismo

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Se há muita gente que fala sobre a fadiga, dos problemas pulmonares ou de dificuldades físicas, há outros casos em que são referidos sintomas menos falados e que se manifestam depois da recuperação da covid-19: perda de cabelo, alterações no ciclo menstrual ou alucinações. À CNN Portugal, a médica Diana Seixas identifica a questão menstrual, do sistema genito-urinário, como uma "raridade".

À margem das Jornadas de Atualização em Doenças Infeciosas do Hospital de Curry Cabral, a infeciologista explica que há uma envolvência de todos os órgãos e sistemas do corpo humano - que pode ir desde os pulmões (potencialmente afetados pela infeção) até ao psicológico, com muitos pacientes a desenvolverem pequenas perdas de memória (ou até mesmo amnésia), ansiedade ou depressão.

“A long covid é uma miríade de mais de 200 manifestações que podem estar presentes não só física mas também psicologicamente. É uma mistura de manifestações”, afirma, admitindo que todos os órgãos e sistemas possam ser afetados.

Diana Seixas menciona também problemas no sistema nervoso, como a queda de cabelo, ou como consequências no sangue, tendo já sido identificada uma relação, ainda que rara, entre a formação de pequenos coágulos com o desenvolvimento da long covid.

De acordo com os especialistas, são mais de 200 os sintomas associados à síndrome pós-aguda da covid-19, comummente conhecida como long covid, nome que surgiu depois de uma hashtag no Twitter e que pode ser diagnosticada quando alguns dos sintomas prevalecem quatro semanas depois da infeção ter sido curada - e que podem vir a ser crónicos após as 12 semanas.

Ainda há muito por conhecer nesta área, mas já foram documentados vários efeitos raros na sequência da infeção por SARS-CoV-2. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos elabora mesmo uma lista de vários sintomas e inclui os seguintes:

  • coração a bater rápido ou com palpitações;
  • sensação de "agulhas" a picar o corpo;
  • diarreia;
  • tonturas e dificuldades de equilíbrio;
  • mudanças no ciclo menstrual;
  • irritações na pele.

Foi isso mesmo que foi identificado num dos maiores inquéritos para analisar a questão e que obteve mais de 3.700 respostas de pessoas de 56 países que tinham tido covid-19 ou um caso suspeito. Analisados os resultados, foram identificados 203 sintomas em 10 sistemas orgânicos.

Entre os mais incomuns registaram-se sintomas como perda de cabelo, comichão na pele (que pode ser causada por uma irritação), alterações no ciclo menstrual, alucinações e outros distúrbios psiquiátricos, perda de memória, dificuldades em falar e até na bexiga. Diana Seixas afasta-se do tom alarmista e diz que o mais importante é começar por se perceber como lidar com os casos mais comuns, precisamente porque os há em maior número.

"Depois de seis meses, a maioria dos sintomas é sistémico - coisas como a regulação da temperatura, a fadiga ou sintomas neurológicos", refere o inquérito realizado. Os três sintomas mais identificados foram fadiga, problemas respiratórios e disfunção cognitiva, havendo ainda espaço para aquilo a que os especialistas chamam "nevoeiro mental". De acordo com os dados apresentados por Diana Seixas, esta é uma síndrome que se pode manifestar em cerca de 30% dos doentes que tiveram covid-19, podendo ocorrer também naqueles que tiveram uma doença assintomática.

A era do pós-covid

Já se discute com intensidade a passagem de pandemia para endemia e os especialistas admitem que isso pode acontecer em Portugal nas próximas semanas – quando o número de mortes por milhão de habitantes baixar dos 20. Será nessa altura que vão ser levantadas as restrições ainda em vigor, nomeadamente a utilização de máscara em espaços fechados, norma que vigora desde março de 2020.

Por isso, médicos e investigadores começam agora a redirecionar o foco, centrando-se no acompanhamento, tratamento e monitorização das pessoas que desenvolvem long covid-19. “O foco já está a sair da covid-19 e há sequelas que persistem além da infeção. Estamos a entrar na era do pós-covid”, diz Diana Seixas, que admite um “impacto tremendo” desta síndrome nos cuidados de saúde.

Segundo a especialista, isto tem efeitos a vários níveis. Começando pela saúde, naturalmente, mas continuando para as consequências que são sentidas na qualidade de vida: “Há doentes que tinham vidas ativas e que sentiram uma repercussão na sua qualidade de vida”.

Estes casos devem ser acompanhados sobretudo através dos cuidados de saúde primários, sendo aconselhado um seguimento regular destes doentes para se fazer um acompanhamento da patologia. Diana Seixas alerta para a necessidade de médicos e doentes não desvalorizarem a situação, pedindo que se “validem” todas as queixas, mesmo que, por muitas vezes, elas não sejam identificáveis.

“Às vezes há alguma dificuldade porque, enquanto médicos, estamos habituados a ver a doença e é difícil observar para lá do que é visível”, refere, pedindo uma avaliação cuidadosa com um caráter direcionado para a reabilitação. Sobre essa recuperação, a clínica diz que deve ser feita em várias dimensões, por forma a permitir a recuperação orgânica mas também promover a reabilitação física e psicológica.

Apesar dos muitos estudos, há ainda várias perguntas que ficam sem resposta: quanto tempo pode durar a long covid e qual o melhor tratamento? Nestes dois pontos, Diana Seixas indica que os dados mais recentes apontam que um terço das pessoas melhora a longo prazo, sendo que os sintomas se mantêm noutro terço, havendo até um agravamento dos sintomas no outro terço. Ainda assim, e segundo a médica, apenas 1% das pessoas com long covid devem manifestar sequelas permanentes. Sobre a forma de fugir ao problema, diz Diana Seixas que, pelo menos para já, há uma forma melhor que todas: evitar a infeção.

E, como lembra a médica, uma das melhores formas para se evitar a infeção passa pela vacinação, algo que também tem sido verificado em estudos - que estabelecem uma relação clara: as pessoas vacinadas têm menos probabilidade de virem a desenvolver long covid.

Um problema que não é novo

A apresentação de sequelas duradouras na sequência de uma infeção respiratória não é uma novidade. O mesmo foi verificado em relação ao SARS e à MERS, com doentes a apresentarem disfunção respiratória, capacidade física reduzida, problemas psicológicos e redução da qualidade de vida.

Também na gripe se identificam, por vezes, situações semelhantes.

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