Montenegro precisava de uma demonstração de força depois do dia caótico que teve - primeiro com um candidato seu a pedir um referendo ao aborto e horas depois com um balde de tinta atirado à sua cabeça. Acabou por tê-la em Évora, de todos os sítios. No distrito que desde 1995 é pintado com a rosa do PS, Carlos Moedas apareceu de surpresa a dar ainda mais ânimo a uma arruada de noite que teve a maior mobilização até agora. “Não consegui ir a Beja, vim a Évora”, disse o autarca natural do alentejo, envolvendo nos braços o candidato e acompanhando-o até um comício no centro histórico da cidade.
Comício esse que se ia enchendo de curiosos à medida que Montenegro subia o tom de voz contra o PS, sem nunca tocar nos imprevistos que assolaram o quarto dia de campanha e que terminaram com a formalização de uma queixa-crime contra o ativista que lhe atirou com tinta verde. “Não percamos muito tempo a apontar as falhas daqueles que concorrem nas eleições contra nós, porque elas são tão grosseiras que todos os portugueses dão por elas”.
Foi o ponto final que o líder social-democrata deu aos dois dias seguidos em que tem estado no olho do furacão, obrigado a uma postura de reação em contrarrelógio que passa ao lado do pacto que assumiu no início da campanha eleitoral de que não iria dedicar tempo a comentar “bocas de políticos” e se focaria apenas nos “problemas do País e nos assuntos que realmente importam aos portugueses”.
Mas esta realidade tem também um outro lado: há 48 horas que o compasso de todas as outras campanhas tem estado a ser definido por aquilo que acontece ao redor de Luís Montenegro. E essa onda, consideram sociais-democratas ouvidos pela CNN Portugal, tem favorecido a imagem do líder do PSD. “Se olharmos para os outros, ainda anda tudo a reboque do discurso de Passos Coelho e da posição individual de Paulo Núncio, isto mostra que Pedro Nuno Santos e o Partido Socialista está por e simplesmente desaparecido”, afirma Paulo Rangel.
“Sinceramente, esta campanha é a referência”, continua, sublinhando que as atitudes que Montenegro tomou face às críticas do discurso de Passos Coelho, à intervenção de Paulo Núncio durante a manhã e perante o ataque a que foi alvo mostra “como o líder é capaz de tornar imprevistos num efeito muito favorável à campanha”. “Revelou que perante os obstáculos, não tem uma reação desastrada”.
Mal subiu ao palco durante a noite, Moedas enfrentou logo o elefante na sala. “O ataque a Luís Montenegro foi um ataque grave à democracia, e quem o fez, fez por razões cobardes e políticas”. Foi uma declaração semelhante àquela que Nuno Melo, visivelmente irritado durante a manhã, já tinha feito sobre o arremesso de tinta: “uma idiotice e uma imposição com agenda política, não estou a insinuar, estou a afirmar”. E que mereceu um raspanete de Montenegro, ainda com tinta na cara. “Eu não quero que o debate político ande sempre à volta de pequenos casos e de pequenas teorias da conspiração”
O ataque a que Montenegro foi alvo durante a visita à BTL, em Lisboa, acabou por levar ao cancelamento de outras duas iniciativas - uma arruada em Almada e uma visita à Santa Casa de Évora. E foi notório que, na primeira oportunidade que teve junto aos jornalistas novamente, já em Évora antes do discurso da noite, fez questão de dizer tintim por tintim o que achava das declarações de Paulo Núncio sobre o aborto. “Não vamos mexer na lei do aborto, é assunto arrumado", disse, assumindo que a posição do vice-presidente do CDS-PP e candidato a deputado criou “ruído” e foi um “pequeno momento de polémica”.
Um "pequeno momento de polémica" que causou "vergonha" dentro do PSD
Assunto fechado, mas que criou incómodo a várias pessoas dentro do partido. Um deputado do PSD, que falou com a CNN Portugal sob condição de anonimato, disse sentir-se “envorgonhado” com as declarações de Núncio. “Vir alguém de uma candidatura do centro democrático elogiar a circunstância de se ter lutado por impedir as condições de realização da interrupção voluntária da gravidez é uma coisa na qual eu não me revejo nem 1%”.
Paulo Núncio, durante um debate promovido pela Federação Portuguesa pela Vida, disse esta quarta-feira ser favorável a iniciativas “no sentido de limitar o acesso ao aborto” e deu como exemplo as taxas moderadoras, introduzidas pelo governo de Passos Coelho, em 2015, e depois revogadas pela maioria parlamentar de esquerda. "Devemos ter a capacidade de tomar iniciativas no sentido de limitar o acesso ao aborto e logo que seja possível procurar convocar um novo referendo no sentido de inverter esta lei que é uma lei profundamente iníqua", afirmou ainda o candidato pelo círculo eleitoral de Lisboa nas listas da AD.
“O Paulo Núncio tem direito a ter uma opinião completamente diferente da minha, aquilo que me incomoda é ele vangloriar-se que em 2015 o PSD fez tudo para impedir as condições da IVG”, diz o mesmo deputado, sublinhando que “quem recorre ao aborto o faz num ato limite”, portanto “vangloriar-se por isso é uma coisa na qual não me revejo minimamente”.
Certo é que quando essa medida foi introduzida, Luís Montenegro era presidente do Grupo Parlamentar do PSD e à esquerda fez-se questão de cavar este passado. "Luís Montenegro esteve contra o direito ao aborto sempre que pôde no parlamento", disse Joana Mortágua em Almada, por onde o líder do PSD era suposto ter passado mais tempo.
Também Pedro Nuno Santos saltou para o ataque: "Aquilo que nós vemos é uma AD a querer voltar para trás. Voltar para trás para onde? Ao tempo da prisão, da criminalização e do risco de vida para a mulher? Porque esse tempo nós já o ultrapassámos. Nós queremos apontar para o futuro, não é apontar para o passado", afirmou.
Para Paulo Rangel, estes ataques da esquerda, principalmente do PS, “mostram como foram totalmente ultrapassados”. “Qualquer coisa que aconteça nesta campanha é logo para eles um cavalo de bandeira”. “A posição da AD foi sempre de não mexer nesta questão. Agora, sabemos que nestas matérias existe liberdade de consciência. Os deputados pensam o que quiserem”, acrescenta.
É AD, não é ADN, lembra Montenegro (não vá o eleitor enganar-se)
Em dia de outra sondagem positiva, que dá a AD com 33% - mais seis pontos que o PS, Luís Montenegro caminhou pelas ruas de Évora com um sorriso no rosto, parando a cada momento para cumprimentar pessoas ou entrar em lojas que, dada a enchente, acabaram por assustar duas clientes que estavam encostadas a uma agência de viagens. Fugiram para dentro do estabelecimento e, segundos depois, entrou Montenegro e Melo. Quando os dois voltaram, avançaram para a multidão erguendo com os dedos um vê de vitória.
Antes de discursar Carlos Moedas, Nuno Melo, olhou para a quantidade de pessoas que o ouviam e disse que “com esta força, não podemos perder as eleições” e desvalorizou as sondagens: “não acreditem, não se animem em demasia”, pediu lembrando aquela que dava a derrota de Moedas em Lisboa.
Já Montenegro insistiu no ataque ao “estado social socialista”, insistindo na ideia que o PS “quer mais Estado, quer utilizar o Estado para si próprio”. “É mesmo caso para dizer que quando o PS vai para o Governo deixa o Estado todo partido e deixa também partido todo no Estado. Nós nem queremos o Estado partido, nem queremos o partido no Estado, que existe para servir”.
Antes de abandonar mais um dia de campanha, Montenegro fez ainda um aviso, dada a semelhança nos boletins de voto entre o nome ALIANÇA DEMOCRÁTICA e ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL. “Esta candidatura tem uma sigla AD, com os três símbolos. Há uma outra candidatura que é o ADN que não tem nada a ver connosco, o voto da esperança e da energia positiva é o da Aliança Democrática”.