É praticamente certo que vamos todos a eleições. Por isso, prepare-se: o que aí vem não vai ser bonito de se ver. Espera-se uma campanha de ataque direto, personalizado, entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
“Vai ser uma campanha de atirar lama, muito personalizada”, aponta à CNN Portugal Manuel Soares Oliveira, especialista em comunicação política. A verdadeira pergunta que se vai colocar aos portugueses não é ‘qual o partido vencedor?’, mas antes ‘quem será o próximo primeiro-ministro?’.
“Haverá esse lado perigoso de personalizar. Quem é o mais ético, o mais preparado, o mais sério, para não sermos surpreendidos com novos casos”, junta o politólogo João Pacheco.
As duas principais caravanas, antecipam analistas políticos e militantes destacados, vão também procurar evitar o contacto direto com as populações nas ruas, privilegiando o conforto da bolha.
Porque todos têm telhados de vidro. Se o PSD tem “unanimidade à volta do líder, mas falta capacidade de mobilização local”, no PS o cenário é inversamente oposto, resume o politólogo José Filipe Pinto.
Há um tema principal: e todos sabem qual é
Sejam do PS ou do PSD, numa coisa todos parecem de acordo: a campanha eleitoral vai funcionar como uma antecâmara da comissão parlamentar de inquérito sobre a empresa familiar de Montenegro. “Inevitavelmente”, diz o deputado socialista João Paulo Correia, admitindo mesmo que deverá ser “o tema principal da campanha”, porque foi esse o motivo da queda do Governo.
“Obviamente que não poderemos deixar de referir os problemas que há na idoneidade do primeiro-ministro”, confirma à CNN Portugal um dirigente socialista muito próximo de Pedro Nuno Santos.
Do lado social-democrata já se espera essa abordagem. “É incontornável, os outros partidos vão colocar o dedo nessa ferida”, aponta o ex-deputado Carlos Peixoto. “Mas a Aliança Democrática não pode ceder a isso, não pode cair na ratoeira de lhes responder”, completa o ex-deputado Duarte Pacheco.
Se tal acontecer, o PSD sabe bem o que fazer: manter Montenegro focado no discurso sobre o trabalho feito, atirando a sua defesa para “outras figuras do partido”, confirmam os sociais-democratas ouvidos pela CNN Portugal.
“As segundas figuras dos partidos vão ser importantes nesta campanha. No PSD é provável que essas figuras surjam para proteger o líder. No PS é mais provável que surjam como vozes dissidentes”, antecipa José Filipe Pinto.
Evitar o contacto popular, privilegiar a bolha
Os portugueses parecem cansados de tantas idas a urnas. E isso poderá ter um impacto na forma como as próprias campanhas abordam o contacto com a população. No PS rejeita-se esse cenário de proteção na bolha, no PSD admite-se que poderá ser uma realidade.
“A fuga à rua é uma linha de estratégia. Quando se trata do líder do partido, é possível salvaguardar que algumas pessoas, às vezes genuinamente, outras vezes instrumentalizadas, procurem esse confronto”, que tem sempre eco mediático, admite Duarte Pacheco.
Como ninguém saiu bem na fotografia desta crise política, espera-se uma campanha de proteção. “Admito que os partidos tenham receio da rua. Haverá encenações de multidões, mobilização de estruturas locais, mas tudo à volta dos seus. A classe política tem receio de olhar nos olhos dos eleitores, porque está descredibilizada com esta sucessão de casos”, concorda João Pacheco.
Os socialistas ouvidos pela CNN Portugal rejeitam o cenário, afirmando o PS como um “partido do povo”, que cultiva campanhas “de proximidade”, que rejeita a bolha. Mas não deixa de haver avisos para dentro, como o do antigo ministro da Educação, João Costa: “é muito importante furar a bolha político-partidária, perceber como as pessoas estão a lidar com isto”.
“Os líderes do PSD e do PS vão tentar evitar todas as situações que possam penalizar o seu candidato. Não vão deixar de estar em contacto direto com a população, mas vão fazê-lo só em locais favoráveis”, junta José Filipe Pinto.
Estratégia do PSD: o trabalho feito e o Governo como protagonista
Com Montenegro fragilizado, é expectável que o PSD aposte num outro protagonista na sua campanha: o Governo. “Vai ser um apelo ao Governo, não tanto ao líder”, resume o analista Manuel Soares Oliveira. Embora os sociais-democratas concordem com esta abordagem, insistem que “nunca se pode descurar o líder da equipa”.
Nesta fase, é clara – e aplicada - a estratégia que vai ser seguida pelo PSD: a de uma certa “vitimização”, de defesa do trabalho que já foi desenvolvido e de todo um outro que foi interrompido – um ativo que José Filipe Pinto define como “a legitimidade de exercício”.
“O mais expectável é que o PSD procure evitar que a campanha seja capturada por questões éticas do primeiro-ministro. Procurarão antes uma campanha pela positiva, a falar de políticas, embora seja difícil apagar a situação pela qual o Governo cai”, aponta o politólogo Pedro Silveira.
“A estratégia do PSD vai passar muito por dizer que não há outra solução governativa”, junta Manuel Soares Oliveira.
Nas fileiras laranjas sabe-se que vêm aí “dois meses de luta e incerteza”. Onde é preciso “vincar o espírito transformador do país, o foco na estabilidade”, diz Carlos Peixoto. Até porque “o PSD não vai mudar de programa só porque vamos a eleições”, junta Duarte Pacheco.
Estratégia do PS: atacar na idoneidade, na saúde, na habitação, lembrar o legado
A máquina socialista “está a começar” a organizar-se para conseguir, em contrarrelógio, apresentar um “projeto político alternativo”, diz à CNN Portugal o dirigente próximo de Pedro Nuno Santos. E haverá, naturalmente, um ataque nas áreas onde se têm notado maiores fragilidades na atuação do executivo de Montenegro: a saúde e a habitação.
Os politólogos concordam que o PS, além de “tentar cavalgar a questão ética”, vai procurar beneficiar dos problemas sem resposta com que os portugueses se confrontam todos os dias. “A grande questão vai ser percebermos em que medida a questão do esclarecimento, da ética, consegue ocupar um espaço a que não estamos habituados, dominando os debates”, aponta Pedro Silveira.
O PS está focado em “desmontar a narrativa de vitimização que o PSD está a construir, mas não deve “fazer disso tema de campanha, centrando-se antes nos problemas reais das pessoas”, diz João Costa. O antigo ministro partilha também outra visão que é comum entre os socialistas: “não se pode desprezar o legado dos governos do PS”.
“Temos de lembrar a herança positiva do anterior governo em matéria de contas públicas e excedente orçamental, que agora este governo tenta desviar para o seu próprio mérito governativo”, confirma João Paulo Correia.