Lula e brincar com o 25 de Abril - TVI

Lula e brincar com o 25 de Abril

    Sebastião Bugalho
    Comentador
  • 23 fev 2023, 21:20

João Gomes Cravinho anunciou esta tarde que Lula da Silva será o primeiro chefe de Estado estrangeiro na história da democracia portuguesa a discursar nas comemorações do 25 de Abril. O anúncio tem tanto de descabido quanto de caricato. É caricato porque o parlamento não endereçou ainda qualquer convite ao presidente do Brasil, não o tendo sequer discutido com as várias direções de bancada na chamada conferência de líderes. E é descabido porque o ministro dos Negócios Estrangeiros ultrapassou assim os partidos políticos, um órgão de soberania e a segunda figura do Estado na definição de uma agenda que não é sua.

Mais do que a relação íntima de Gomes Cravinho com o bizarro (veja-se o Jornal Nacional desta noite…), há um pormenor na vinda de Lula a Portugal que é indissociável da realidade política que atravessamos. O convite para o presidente brasileiro falar à Assembleia no aniversário do 25 de Abril integra evidentemente a estratégia que o PS promove desde que o Chega está no parlamento: polarizar, polarizar, polarizar.

Fê-lo em 2020, quando uma parte significativa da sociedade, incluindo Ramalho Eanes e Vasco Lourenço, criticou a realização das comemorações no pico da pandemia, acusando gente que fez o 25 de Abril de ser contra o 25 de Abril. E fá-lo-á em 2023, amalgamando todos os que criticarem a presença de Lula da Silva como se fossem um só, exatamente com o mesmo propósito.

Não é preciso ser vidente para adivinhar. É algo que os socialistas têm feito de forma continuada, do primeiro-ministro ao presidente da Assembleia, procurando confundir o PSD com o Chega, a direita democrática com a direita anti-regime, e este será só mais um capítulo dessa novela. Para o Partido Socialista, por tacticismo eleitoral, vale tudo. Até utilizar a data fundadora da democracia como arma de arremesso. Este ano, o cinismo vestirá apenas outra roupagem.

A alergia da oposição ao discurso de Lula no próximo 25 de Abril é igualmente previsível, mas mais compreensível. O argumento de que o Brasil é “um país irmão”, logo escolha natural para atribuir esta honra, é facilmente desmontado se recordamos quem foi o antecessor de Lula e a indignidade que teria sido fazer-lhe o mesmo convite. O argumento de que Lula reflete os valores da Terceira República Portuguesa também tem vida curta, na medida em que basta escutar as suas opiniões sobre a invasão da Ucrânia para constatar que nada têm que ver com a maioria do eleitorado português. E por aí em diante.

António Costa, que será primeiro-ministro nas celebrações do cinquentenário do 25 de Abril, daqui a um ano, poderia contar no seu legado com um momento plural e agregador da história da nossa democracia. O convite a Lula da Silva para se dirigir ao parlamento este ano é um sinal no sentido contrário. Uma escolha partidária, polarizadora e gratuita, que não visa mais do que fazer política com o património simbólico da República e com um dia que, sendo da Liberdade, deveria ser de todos os devotos a ela. E não daqueles por quem o primeiro-ministro decidiu fazer campanha eleitoral.

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