Mahsa Amini só queria visitar o centro de Teerão. Morreu por aquilo que vestia, tornou-se mártir e inspirou uma revolta - TVI

Mahsa Amini só queria visitar o centro de Teerão. Morreu por aquilo que vestia, tornou-se mártir e inspirou uma revolta

  • CNN Portugal
  • HCL
  • 28 set 2022, 07:00

Estava prestes a entrar na Universidade e foi detida por usar mal o véu. No diário, escreveu aquilo que mais desejava antes de fazer 23 anos

Mahsa Amini, a jovem que morreu após ser detida em Teerão por não usar corretamente o hijab, não tinha qualquer historial de ativismo político. Nas suas redes sociais não havia uma única mensagem crítica sobre o sistema de governo do Irão. A partir das fotografias que foram divulgadas pelo jornal El Mundo, nota-se que era extrovertida e que gostava de dançar o halay, a dança tradicional curda.

Amini, cuja morte colocou o Irão em tumulto e levou milhares de jovens a protestar contra a repressão das mulheres na república islâmica, cresceu numa família religiosa e conservadora. Cresceu em Saquez, uma cidade com pouco mais de 165.000 habitantes localizada na região fronteiriça entre as províncias do Curdistão e do Azerbaijão Ocidental. Esta é uma área onde a maior parte da população é composta por azeris e curdos, umas das principais minorias étnicas no país.

A região onde Mahsa Amini cresceu não se tem desenvolvido economicamente o suficiente para reter a população que, aos poucos e poucos, tem migrado para as grandes cidades em busca de melhores empregos e oportunidades. Este fator leva a que, em Saquez, a maior parte das famílias tenha um parente em Teerão para visitar.

“Ir para Teerão. Visitar ao centro" , escreveu Amini no seu diário. Foram as últimas palavras escritas por ela, em antecipação de encontrar um dos seus familiares e de, talvez, comprar um presente para o seu 23.º aniversário - que não chegaria celebrar. 

Na sua última fotografia, publicada nas redes sociais, Amini aparece sorridente, em modo turista, coberta com um véu que mal revela alguns cabelos. Um estilo, aliás, que predomina entre as jovens mulheres que enchem os restaurantes da capital todas as tardes e fins-de-semana, apesar das constantes campanhas institucionais, pressões policiais e multas aos estabelecimentos que não prestam atenção suficiente à “etiqueta” das jovens mulheres.

Testemunhas que falaram ao El Mundo dizem que a jovem estava na saída do metro Haqqani juntamente com o seu irmão Kiaresh. Foi nesse momento que, segundo o irmão, um agente chamou Mahsa. O seu véu não estava correcto e teria de ir à esquadra da polícia para uma breve lição. Kiaresh tentou conversar com a patrulha. “Viemos da províncias, não temos forma de gerir esta situação, não a levem, por favor”, disse-lhes. Eles não concordaram. 

Mahsa Amini foi levada para o quartel de Vozará, a sede das Patrulhas de Orientação. Saiu de lá duas horas mais tarde à beira da morte. Ficou num coma do qual não saiu. No dia 16 de setembro, uma sexta-feira, foi declarada a sua morte.

Os relatos do que aconteceu depois de Amini ter sido levada do Parque Haqqani são contraditórios. Testemunhas afirmam que a rapariga protestou contra a sua situação e que, como resultado, foi repetidamente agredida. A polícia alegou que a jovem, a quem atribui problemas de saúde anteriores, como uma intervenção cerebral em 2007, sofreu um ataque cardíaco enquanto estava na esquadra da polícia, onde foi rapidamente tratada pelos serviços de emergência. 

Um vídeo gravado por câmaras de segurança veio, entretanto, a público e mostra o momento em que a rapariga aparentemente desmaia ao mesmo tempo em que um agente a recrimina por aquilo que tem vestido.

Já o pai de Amini acusou as autoridades de mentirem sobre a causa da morte da filha. “Eles estão a mentir. É tudo mentira. Por muito que eu implorasse, não me deixaram ver a minha filha”, afirmou Amjad Amini à BBC.

A morte de Mahsa Amini, hoje imortalizada em gritos de ordem, gerou os protestos mais importantes no Irão desde novembro de 2019, provocados pelo aumento dos preços dos combustíveis no Irão. Até ao momento, de acordo com a IHR, uma organização não-governamental (ONG),“pelo menos 76 pessoas foram mortas nas manifestações, incluindo “seis mulheres e quatro crianças”, nas 14 províncias do país.

Por estes dias, as centenas de jovens mulheres que marcham pelo centro das cidades, queimando os véus e gritando "mulher, vida, liberdade" denunciam que Mahsa Amini não deveria ter sido presa pela forma como estava vestida. Já não protestam apenas contra como têm de se apresentar na rua, contudo a morte de Amini desencadeou em muitos iranianos o desejo de mudar todo o sistema. Um sistema que culpam pela maior parte das suas dificuldades económicas e a limitação dos seus direitos.

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