Andrea Prudente e o marido encontravam-se de férias no arquipélago maltês, numa espécie de "lua de bebé" - uns dias de repouso numa ilha mediterrânica, no mês ameno de junho, antes do nascimento do filho. À 16º semana de gravidez, começou a sofrer hemorragias graves na ilha de Gozo e foi aconselhada a tomar medicamentos de prevenção de aborto espontâneo, que se revelaram ineficazes.
Foi só dois dias depois, quando rebentaram as águas, que a norte-americana de 38 anos foi admitida e avaliada num hospital local. O diagnóstico foi estarrecedor: a placenta da grávida tinha ficado deslocada das paredes do útero e já não possuía líquido amniótico, essencial à proteção do bebé a infeções e ameaças externas ao mundo intrauterino.
A vida da mãe estava também em perigo, como uma transferência posterior para o hospital de Mater Dei, na ilha de Malta, veio a confirmar. Para além de uma ruptura da membrana e da posição do cordão umbilical a colocar em maior risco de hemorragia, Andrea testou positivo à covid-19. Os médicos foram assertivos e garantiram que o bebé não tinha quaisquer hipóteses de sobrevivência, mas as rígidas leis anti-aborto do país impedem a terminação da gravidez enquanto forem detetados batimentos cardíacos.
Num procedimento que Andrea descreve como "traumatizante", uma equipa médica visita-a diariamente para verificar se o coração do feto ainda bate.
"É uma forma inconcebível de tortura emocional e psicológica", lamentou Jay Weeldreyer, o marido. "Parte de mim ainda celebra ouvir o batimento cardíaco... e, ao mesmo tempo, não quero que continue, porque isto só contribui para o sofrimento da mulher que eu amo".
Andrea procura agora obter uma transferência do hospital de Malta para o Reino Unido, onde o aborto é legal até às 24 semanas. No entanto, o casal alega que o hospital não se mostra "cooperante" no processo de transferência da paciente e dos registos médicos.
"Só quero sair daqui viva", contou Andrea ao The Guardian. "Jamais conseguiria imaginar um pesadelo destes".
As organizações dos direitos das mulheres já se mobilizaram. lara Dimitrijevic, fundadora da secção maltesa da Fundação dos Direitos da Mulher, representa agora a grávida enquanto advogada e expressou a sua indignação com a morosidade do processo de transferência.
"Foi preciso um dia para que a Andrea recebesse o seu ficheiro, e estamos a lidar com uma situação de emergência", sublinhou. "A cada minuto acresce o perigo de vida dela".
A grávida norte-americana acrescenta ter sido aconselhada pelo hospital a aguardar pelo cessar dos batimentos cardíacos ou por uma infeção, num agravamento do estado de saúde que (só então) exigiria a intervenção dos médicos.
Andrea assume sentimentos contraditórios: por um lado, confessa estar "desesperada" por abandonar a ilha; por outro, sente-se na obrigação de lutar pelos direitos das mulheres que poderão vir a passar pela mesma situação. "Não quero que mais ninguém passe por isto", declarou.
No seguimento deste caso, a Fundação dos Direitos da Mulher apresentou um protesto judicial em nome de 188 mulheres a denunciar a violação dos direitos à saúde, privacidade e igualdade das grávidas. A fundação prepara-se também para contestar a constitucionalidade da proibição total do aborto.
O caso de Andrea recordou, entre grupos feministas e ativistas, o tratamento de Savita Halappanavar num hospital irlandês em 2012, quando o país se encontrava sob leis anti-aborto semelhantes. A mulher acabou por falecer de sepse às 17 semanas de gestação.