Pela primeira vez foi-me colocada, assim de chofre, a questão de saber se tinha tido alguma intervenção, e qual intervenção, no processo de duas gémeas num tratamento complexo no Hospital de Santa Maria. E mais me foi perguntado se, a propósito desse caso, eu tinha tido ou não algum tipo de contactos com um filho meu, o doutor Nuno Rebelo de Sousa, ou algum outro elemento de família sobre a matéria. E a minha resposta foi, francamente, não me recordava.
Na sequência disso, mandei apurar aqui na Presidência da República tudo o que pudesse existir de registo. Isto, ou arquivado, sobre esse tema. Foi uma matéria laboriosa porque implicava, primeiro, saber se, sim ou não, determinados elementos da Casa Civil tinham tido intervenção ou não. Depois, até que ponto é que eu tinha tido alguma intervenção, e qual, e saber em que termos aqui se tinha ocorrido, o mais exaustivamente possível.
Entretanto, há poucos dias, há dez dias, talvez, foi noticiado que a Procuradoria-Geral da República tinha aberto um inquérito contra desconhecidos sobre a matéria em causa. Estando eu à espera de elementos de que já disponho hoje, e respeitando naturalmente o facto de haver esse inquérito, eu entendia que, uma vez apurados os elementos, a primeira entidade à qual eu devia comunicá-los era obviamente a Procuradoria-Geral da República. Foi o que fiz hoje.
E, portanto, fiz hoje, estou em condições de vos dizer aquilo que foi possível apurar, exaustivamente, quanto a factos que ocorreram há quatro anos e num período particularmente intenso da vida política e da minha vida pessoal. Tudo se passa, no que respeita à intervenção do Presidente da República, em dez dias, entre o dia 21 de outubro de 2019 e o dia 31 de outubro de 2019, que coincidiu com a formação de um Governo Constitucional, com a sua tomada de posse no dia 26 e com uma operação minha ao coração, ou, melhor dizendo, de vários sanguíneos, no dia 30.
Ora, bom, o que é que se apurou? Apurou-se que, no dia 21, o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, meu filho, enviou-me um e-mail em que dizia que um grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar, a todo o transe, que elas fossem tratadas em Portugal. Era uma corrida contra o tempo. Tinha contactado, já então, o Hospital de Dona Estefânia, que tinha dito que seria Santa Maria, de facto, o hospital adequado para se apurar se sim ou não era possível esse tratamento. Tinham enviado para Santa Maria a documentação das crianças e não tinham resposta de Santa Maria. O Dr. Nuno Rebelo de Sousa dizia: “É possível saber se há resposta possível ou não há resposta possível sobre a matéria?”.
No mesmo dia, eu despachei para o chefe da Casa Civil, nos seguintes termos: “Será que Maria João Ruela, que era, na altura, assessora para relações sociais, para assuntos sociais, pode perceber do que se trata?”. Na sequência disso, o chefe da Casa Civil enviou para a Dra. Maria João Ruela, que contactou o Hospital de Santa Maria, e, na sequência disso, deu, no dia 23, a seguinte resposta ao Dr. Nuno Rebelo de Sousa: “O processo foi recebido e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo, estando a ser analisados doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é, naturalmente, muito limitada e depende inteiramente de decisões médicas do hospital e do Infarmed”.
O Dr. Nuno Rebelo de Sousa, na sequência disso, voltou a perguntar à Dra. Maria João Ruela, que confirmou, nos mesmos e exatos termos, aquilo que tinha dito por escrito. Na sequência disso, o Dr. Nuno Rebelo de Sousa dirigiu-se ao chefe da Casa Civil, que confirmou a informação recebida da consultora. Nessa altura já tinha sido dada a indicação dos pais das bebés e da situação que era considerada muito angustiante para esses pais. E disse que, palavras escritas do chefe da Casa Civil: “A prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses, daí que ainda não tenham sido contactados, nem é previsível que o sejam rapidamente. O SNS cobra, em primeiro lugar, as situações de pessoas que residam ou se encontram em Portugal. Os portugueses residentes no estrangeiro têm direito a ser tratados pelos sistemas de saúde dos países onde residam. Nos termos das Convenções de Segurança Social ou, no caso da União Europeia, da legislação europeia”.
Isto mesmo foi confirmado pelo chefe da Casa Civil, novamente ao Dr. Nuno Rebelo de Sousa. No dia 31 de outubro, o chefe da Casa Civil enviou, como enviava sempre - e foram centenas, se não milhares, de casos que chegavam - para o chefe de gabinete do senhor primeiro-ministro, uma vez que era aí concentrada toda a comunicação, a correspondência da Presidência com o Governo. E para o chefe de gabinete do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, atendendo a que se tratava de residentes no estrangeiro, enviou uma carta, dizendo, e era a expressão de chapa, “para os efeitos que tiver por convenientes” e mandava a matéria, incluindo, naturalmente, a matéria de identificação e os exames respetivos.
Na sequência disso, o chefe da Casa Civil enviou para o pai das crianças uma carta dizendo: “Acabei de enviar a documentação esta, esta, esta, respeitando as duas crianças”. Ponto. Termina aqui a intervenção da Presidência da República. Começa no dia 21. Termina no dia 31. A partir daí, não há qualquer registo, qualquer intervenção, sobre a sequência do processo, como, aliás, acontecia sempre com a sequência dos processos que eram remetidos para o chefe de gabinete do seu primeiro-ministro.
Isto foi o que foi apurado. A razão pela qual só hoje estou em condições de vos comunicar o que foi apurado é, por um lado, a complexidade de encontrar no serviço. Isto foi apurado a partir do servidor da Presidência da República Portuguesa. Passaram anos e há milhares e milhares de mails.
Entretanto, não queria fazê-lo antes de comunicar primeiro, e enviei hoje, a meio da tarde, à Procuradoria-Geral da República esta documentação. Não enviei eu, enviou o chefe da Casa Civil. É isto, estou à vossa disposição para responder às perguntas que forem colocadas.
O senhor Presidente afirmou que não se recordava de o seu filho ter falado deste caso. Foi essa a resposta que o senhor Presidente deu. Não se recordava e, entretanto, recordou-se. Porque, embora só agora tenha encontrado a carta, a verdade é que disse isso, deu essa resposta [de que não se lembrava] quando foi questionado sobre este caso...
Exatamente. Eu comecei por aí. Eu comecei por dizer, quando me foi levantada a questão sobre uma realidade de há quatro anos, não me recordava minimamente que tivesse começado assim, dessa forma, por uma carta do doutor Nuno Rebelo de Sousa, o meu filho, e não me recordava do despacho que tinha dado a dizer o que é isto. Ignorava o que se passava e também não me recordava de depois não ter tido mais nenhuma intervenção. Tinha a noção de não ter tido intervenção nenhuma mais sobre esta matéria, nem sequer a primeira me recordava de ter tido. E, de facto, ao procurar a documentação toda, encontrei este contacto inicial. Encontrei o meu despacho. De ignorância do que se passara antes, encontrei o que se passou na Presidência da República até à saída para a presidência do Conselho de Ministros. Não encontrei mais nada sobre a minha intervenção.
Imagino que esteja, e já disse várias vezes, de consciência tranquila relativamente a este processo. Pergunto-lhe se continua depois destes factos apurados e se admite que todo este processo, de trocas de e-mails que envolveram também a Casa Civil, se admite que, mesmo não tendo uma influência oficial, a figura do Presidente da República e de correspondência da Casa Civil do Presidente da República poderá ter, não de forma oficial mas oficiosamente, acelerado este processo?
Não, não se acelerou. Eu sou muito rápido quando colocam questões muitas verbais. Por todo o país, dão-me papéis, dão-me cartas, pedem-me intervenções que envolvem ministérios, uma escola, um serviço de saúde. Eu, imediatamente, envio para o chefe da Casa Civil, mal chego de fora, quando recebo cá despachos. E os despachos são deste tipo, a menos que eu tenha conhecimento da matéria. São o que é isto, o que se passa, apura e é distribuído pelo responsável especialista na matéria. É apurado. É muito claro. Olhando para trás, eu não me lembro, por exemplo, de um mail que o médico divulgou na comunicação social. Não me lembro de lhe ter respondido, mas é ele próprio, o doutor Levy Gomes, que diz que eu lhe disse que não havia privilégio nenhum para ninguém, por maioria de razão para filho de presidente. Este procedimento mostra isso. Quer dizer, a posição da Dra. Maria João Ruela e a posição do chefe da Casa Civil são muito claras, uma e outra sobre a convicção de que havia realmente uma prioridade a dar a doentes residentes em Portugal, portugueses residentes em Portugal ou que se encontrassem em Portugal. Portanto, não era previsível que houvesse uma resposta rápida àquela pretensão, a isso que resulta da documentação. Aí eu acredito na veracidade daquilo que a Dra. Maria João Ruela apurou, no contacto com o Hospital Santa Maria, de que era uma decisão médica, do hospital e do Infarmed. Aquilo que disse o chefe da Casa Civil, neste contexto, é que não há razão para o SNS dar prioridade à pretensão.
Se nunca falou pessoalmente deste caso com o seu filho, parece-lhe que todo o processo decorreu normalmente ou que houve aqui um tratamento de favor? À luz de tudo aquilo que fomos sabendo ao longo destes meses, aquilo que a investigação da TVI revelou e aquilo que o Sr. Presidente acaba também de nos revelar, entende que tem todas as condições para se manter nas suas funções?
Certamente. Pois precisamente o que fica claro é que o Presidente da República portuguesa, perante uma pretensão de um cidadão como qualquer outro, dá o despacho mais neutral e igual a que deu em N casos, respeita os contactos feitos pela consultora e a posição do chefe da Casa Civil e não há uma intervenção do Presidente da República pelo facto de ser filho ou não ser filho. Perguntarão: e depois ter ido para a presidência do Conselho de Ministros? Isso não sei, francamente. Como é que foi, o que se passou a seguir, por que tramitação seguiu... Não tenho a mínima das ideias. Portanto, eu, olhando para os factos - não há nada como as máquinas, porque está no servidor, é o que está. Olhando para os factos, não há aqui um facto que envolva um mínimo de favorecimento de quem quer que seja. Aliás, é assim que eu trato todos os cidadãos – recebo, encaminho e, depois de encaminhado, depois de apurado, para onde é que é, como é que é, se a pretensão merece ou não, previne-se. Foi aqui o caso. Não tenho ilusões porque, em princípio, eu não devo esperar uma resposta e a resposta não chegou, porque havia razões para não chegar. O que se passou a seguir não sei, para isso é que há a investigação da Procuradoria-Geral da República. Espero, como disse há dias, que seja cabal para se perceber o que se passou desde o momento em que sai de Belém, se foi para o sítio para onde normalmente ia sempre.
O senhor Presidente falou de um e-mail com o médico…
Não, não. Eu estou a dizer que houve um médico, o Dr. Levy Gomes, que pôs na comunicação social que me tinha enviado um e-mail. Eu li isso agora. Não me lembrava, mas em que ele teria dito 'consta que houve uma cunha, uma supercunha, uma pretensão' e eu teria respondido, porque ele tem o meu e-mail… Eu não tenho memória, tenho milhares de e-mails de há quatro anos e não guardo todos os meios. Eu teria respondido que não havia privilégio nenhum para ninguém e, por maioria de razão, para o filho do Presidente. E realmente não houve. Da minha parte não houve.
Eu gostaria de saber se a Presidência teria intervindo de outra forma ou se teria intervindo da mesma forma se fossem outras pessoas, desconhecidas à Presidência ou à família da Presidência da República.
Sim, claro. É assim que eu faço sempre. Eu corro o país e todos os dias me entregam cartas e pretensões e pedidos, aliás, dramáticos, vários pensionistas, reformados, doentes, atrasos de uma prestação disto ou daquilo. Eu pego, mando para o chefe da Casa Civil, que envia para os consultores. Os consultores, que eu devo dizer que são impecáveis, investigam junto das instituições respetivas e dizem: 'A situação é esta…'. São milhares e milhares de pedidos e a função do Presidente também é essa - servir um bocadinho de provedor e ouvidor das pessoas, que lhe apresentam esses pedidos, os mais diversos, pessoas e instituições que foram maltratados nisto, prometeram isto e não fizeram e encaminha-se. O sr. primeiro-ministro, desde o início de funções em que começámos a relacionar-nos institucionalmente, disse: 'Eu preferia concentrar tudo na presidência do Conselho de Ministros para não haver esta coisa do Presidente da República contactar ministérios'. Não, concentra-se no meu gabinete e, portanto, o chefe da Casa Civil envia para o chefe do gabinete do sr. primeiro-ministro, que depois naturalmente segue o seu curso e não acompanho o que se passa a seguir. Nem é possível acompanhar, nem é desejável acompanhar.
Que avaliação faz da intervenção do seu filho neste caso?
Daquilo que eu conheço, eu olhei para ele sempre como qualquer cidadão: 'Este caso, são residentes do estrangeiro, embora tratando-se de crianças luso-brasileiras, faça a avaliação'. Quis ser solidário, quis apresentar, mandou o caso. “Faça essa avaliação” e eu tratei-o assim, no sentido de que recebi como receberia de qualquer outro e mandei para quem devia mandar, que tratou, e foi-lhe dito: 'Não tem sorte nenhuma. Aqui dentro, expresso no quadro que nos é transmitido, não é previsível que passe à frente de outros casos, se porventura existirem residentes em Portugal'.
Alguma vez falou pessoalmente com o seu filho sobre este processo? Tem conhecimento de que o seu filho possa ter falado com alguém no Ministério da Saúde sobre este caso?
Eu não sei e espero bem que não tenha falado, mas isso já não é comigo. Não sei. Eu nestas matérias sou muito estrito, portanto, espero bem que ele – e quando digo ele digo outro familiar, outro conhecido, outro amigo, outro qualquer que seja - não tenha de algum modo invocado o meu nome ou invocado a situação de ter relacionamento comigo. Se isso se viesse a comprovar, era totalmente inaceitável.
O senhor nunca falou com ele?
Não, sobre isso não. Parto do princípio que isso não aconteceu. Quero deixar a quem investiga toda a liberdade para investigar. Seja amigo, seja filho, seja irmão, seja neto, seja primo, seja o que for, não pode invocar o meu nome. Não podem, pois eu não admito que ninguém na Casa Civil ou militar invoque o nome. E esses trabalham comigo, podiam de vez em quando dizer: 'Nós na Presidência, nós pensamos isto'. Eu disse sempre, e digo em reuniões da Casa Civil ou da Casa Militar, o único eleito fui eu, nenhum dos senhores ou das senhoras foi eleito, portanto não falem no nome da Presidência'. Pior ainda se for um parente, qualquer que seja o grau de parentesco. É muitíssimo mais lamentável, como eu disse, na tal carta em que me citam. Seria duplamente censurável.