“Sou acusada por ter um presente de 20 euros!” Margarida Martins e “a campanha orquestrada” na Junta de Arroios “em cima das eleições” (transcrição integral) - TVI

“Sou acusada por ter um presente de 20 euros!” Margarida Martins e “a campanha orquestrada” na Junta de Arroios “em cima das eleições” (transcrição integral)

  • TVI
  • 22 abr 2023, 16:00

Manuel Luis Goucha entrevistou esta semana na TVI Margarida Martins, após ter sido constituída arguida por alegado abuso de poder enquanto autarca da junta de freguesia de Arroios. Uma conversa em que a antiga presidente daquela junta lisboeta reage ao caso, de que ainda não conhece acusação nem sabe sequer se vai a julgamento. Já no passado passou por suspeitas na associação Abraço, mas “nunca desviei dinheiro, nunca tive uma condenação, nunca fui a julgamento”. Margarida Martins fala ainda de questões muito pessoais – e é surpreendida no final pela filha Leonor.

Já não se pode dizer gorda? "Quero que eles se lixem"

Manuel Luís Goucha: Margarida Martins é uma figura polémica com a qual vamos conversar durante toda a segunda parte. Sê bem-vinda, Margarida. Nós tratamos-nos por tu, pois já nos conhecemos há muitos anos (...) Margarida, tu durante anos e anos e anos foste considerada uma verdadeira mulher-furacão, uma ventania, onde entravas. A vida transformou-te em brisa ou continuas uma mulher ventania?
Margarida Martins: Nalgumas situações sou ventania, noutras sou brisa [gargalhada].

MLG: Aprendeste a ser brisa. Foi a vida que te levou para...
MM: Sim, vou fazer 70 anos.

MLG: 70?!
MM: 70. Vou fazer 70 anos dia 11 de julho. Podem mandar prendas, que eu aceito [riso]. E então, o que é que aconteceu? Acho que a vida nos aprende a mudar muitas situações, a ter mais tranquilidade, a ter mais atenção, às vezes. Agora, eu tive sempre de ser exuberante. Lembra-te que eu era uma mulher grande, gorda.

MLG: Eras a "Guida Gorda", no Frágil.
MM: Era a "Guida Gorda". Eu nasci na altura das twiggies...

MLG [interrompendo]: Tens medo da palavra gorda?...
MM: Não. Não.

MLG: Porque hoje em dia, em que vivemos nesta censura terrível que é o politicamente correto, já não se pode dizer gorda.
MM: Quero que eles se lixem.

MLG: Eu também.
MM: [gargalhada] 

MLG: Eu faço mesmo questão de dizer "gorda".
MM: Eu sou gorda!

MLG: Já não és aquilo que eras, não é?
MM: Não, já pesei 167 quilos, este momento peso 90, é um bocadinho diferente.

MLG: Aliás, tu eras intimidante à porta do Frágil e só entrava quem tu querias.
MM: Mas tinha ordens do Manel Reis, nada de confusões [risos].

MLG: Não sei se me barraste alguma vez, não me lembro...
MM: Não barrei, com certeza. Mas de qualquer maneira, só para te dizer que, realmente, eu na altura fui muito ajudada. Eu comecei a dar-me muito bem com uma comunidade homossexual muito forte. Tinha 16 anos, [eles] eram mais velhos. E ajudaram-me a gostar de mim. E a ser mais exuberante, percebes? Porque, no fundo, as pessoas olhavam para mim - e as mulheres gordas estavam sempre afastadas, com medo.

MLG: Então a exuberância era para compensar?
MM: Era para compensar.

MLG: Para te impores.
MM: Para me impor, a exuberância era para me impor. Porque as mulheres gordas... às vezes eu via nas ruas, as pessoas quase que se fingiam, queriam ser magras. Eu não. Eu, ostensivamente, era gorda.

MLG: E, dizias, pertences àquela geração, que tu nasces na geração Twiggy.
MM. Sim, do Twiggy, que eram mulheres com 50 e tal quilos.

MLG: Com os manequins esqueléticos, não é?
MM: Esqueléticos, completamente, com 59 quilos, 55 quilos.

MLG: Mas, olha, deixa-me pegar numa coisa que disseste, que aos 16 anos já te davas com a comunidade homossexual. Então, que jovem é esta, em que caldeirão é que te foste criada para te dares com a comunidade homossexual aos 16 anos, quando a comunidade era a olhada de soslaio? Já não estávamos num tempo pré-histórico, em que se condenava a homossexualidade, mas ainda era a olhada de lado.
MM: Lembra-te que foi já há 54 anos, era completamente diferente. Era uma comunidade que vivia muito... Eu vivia em Entrecampos [em Lisboa], e havia ali o café [onde] a gente todos nos dávamos e controlávamos, e eram onde os estudantes da faculdade iam estudar e tal e tal, e eu tive a sorte, através de alguns amigos que eu já tinha, que no fundo criasse ali um grupo que no fundo me apoiou sempre muito. E apoiou-me muito até às vezes controlando os meus namorados. Porque se algum namorado se portasse mal comigo, eles caíam-lhe em cima completamente. Porque eu era diferente.

MLG: Tu davas-te com o mundo dos homossexuais e um mundo muito ligado à arte, não é?
MM: ...e muito ligado à arte, dos homossexuais e muito ligado à faculdade,

MLC: ao conhecimento...
MM: ... ao conhecimento. E eu tive essa sorte também, sabes? Tive sempre essa sorte.

"Venho de uma família anarco-sindicalista"

MLG: Mas nasceste numa família muito interessante, porque tens um pai que é militante do Partido Comunista.
MM: O meu pai é militante. Eu venho de uma família anarco-sindicalista, de Ervidel.

MLG: Ervidel é Alentejo.
MM: É Alentejo. O meu pai foi formado pelo meu tio Gilberto da Graça. O meu pai aos sete anos já estava a trabalhar com esse meu tio Gilberto e fizeram a primeira escola operária em Ervidel, com o Coronel Mourão. E foi uma escola...

MLG: O teu pai era operário?
MM: O meu pai era operário. Foi operário da construção civil, depois chegou a encarregado geral. E vou dizer-te mais: sendo membro do Partido Comunista - que toda a gente foi; para mais, quando eu nasci o meu pai estava preso -, sendo membro do Partido Comunista, ele foi homenageado a mando do Arantes e Oliveira pelo trabalho dele na Ponte sobre o Tejo.

MLG: Arantes e Oliveira que era o ministro das Obras Públicas de Salazar.
MM: De Salazar. E ele foi homenageado em 66 e teve uma comenda por esse trabalho que ele fez nas obras da Ponte Sobre o Tejo .

MLG: É esse ministro que vive no prédio ao lado ou não?
MM: Não.

MLG: Mas havia um...
MM: Não, isso foi no tempo... Havia um ministro que vivia no prédio ao lado, quando eu era miúda, cuja filha era minha amiga, que era a Ana. Que era o Dr. Manuel... eles eram lá de cima do norte.

MLG: Ministro de Salazar.
MM: Ministro de Salazar.

MLG: Tem muita graça.
MM: O meu pai era do Partido Comunista...

MLG: Comunista aqui e um salazarista do lado de lá.
MM: Mas sabes que foi com eles que eu aprendi a ouvir música clássica. Foi com eles que eu aprendi a comer à mesa de garfo e faca. Mas nunca ostracizando os meus pais, estás a perceber? Os meus pais eram os meus pais, a minha mãe era porteira do prédio ao lado e a filha era a minha amiga e com quem eu me dava muito bem.

MLG: Então que valores é que te passou o teu pai e que valores é que te passou essa família ligada ao governo de Salazar?
MM: O valor que me passou o meu pai foi sempre um valor de esquerda, de a gente ouvir rádio às escondidas...

MLG: Ele viveu na clandestinidade?
MM: Nunca esteve na clandestinidade, mas esteve preso...

MLG: Teve problemas com a PIDE.
MM: Esteve preso quando eu nasci, e a minha mãe ia vê-lo ao Aljube e também esteve preso por isso. A minha mãe tinha imenso medo da PIDE e dessas situações todas.

MLG: E era para ter.
MM: E depois eu com essa família... Eu no fundo gostava era das coisas que me ensinavam. Eu no fundo sou uma pessoa que gosta de aprender. E gosto de aprender com os mais velhos e sempre gostei de aprender. Mesmo nessa história da minha comunidade gay, eu estava sempre a aprender. Aprendi a gostar de teatro, aprendi a gostar de cinema, ia para o [Cinema] Monumental ver as sessões clássicas todas, para o Império também com eles. Tive imensa aprendizagem a esse nível.

MLG: E daí tu dizeres que vens de muitos mundos?
MM: Sim, é nesse sentido, porque tive muitas aprendizagens, percebes? E nunca reneguei nenhuma.

MLG: E o teu pai foi comunista até morrer?
MM: Sim, comunista até morrer e foi cremado e - eu pedi - com a bandeira do partido.

MLG: Ele ainda assistiu à queda da União Soviética?
MM: Ainda.

MLG: E como é que ele assistiu a isso?
MM: Ele não falava depois já muito nisso, porque não...

MLG: ... não convinha.
MM: Não convinha [gargalhada]. Mas, sabes, quando eu às vezes dizia assim, "ó pai, cuidado que este meu amigo é do PSD ou é do PS". [Ele respondia:] "Ah, eles é que estão enganados" e punha-se ali horas e horas e horas a conversar. Era um homem muito engraçado.

MLG: Mas eu acho que para muitos comunistas, para muitos comunistas que sempre acreditaram no modelo comunista da sociedade e numa certa utopia que é...
MM: ... sim, sim, sim. Mas vou-te contar uma história que tu não acreditas: eu estive no Partido Comunista.

MLG: Eu também estive!
MM: Mas espera aí! E o meu pai mandou-me sair!

MLG: A sério? Mas porquê?
MM: Porque não era partido para mim.

MLG: E porque é que não seria partido para ti?
MM: Porque eu estava sempre a pôr em causa tudo. E o meu pai mandou-me sair.

MLG: Não seguias a cartilha, digamos assim.
MM: Não, mas o meu pai impediu-me.

MLG: Não, mas eu acredito que para estes homens tenha sido um desgosto muito violentos os...
MM: Eu tenho o cartão, vou dizer, era miúda, tinha...

MLG: Eu também tive, mas entreguei. Tu devias ter entregue o teu cartão [riso].
MM: Não, eu saí porta fora e nunca mais apareci. Mas olha...

MLG: Eu cheguei a fazer controlo ao Hotel Vitória
MM: Mas olha, em memória do meu pai, em memória do meu pai, quando foi para comprar a quinta - já estava eu na Junta de Freguesia e dei 500 euros para o Partido Comunista e disse, e se não querem o meu nome, é Álvaro das Dores Martins da Graça. Porque eu acho que é o que ele ficaria feliz. A gente tem assim umas coisas que vamos para mais velhos e não sei o que é que a gente pensa.

"Perdi muitos amigos para a SIDA"

MLG: Em 1991 - isto é sabido, porque tu ficaste muito conhecida enquanto presidente da Abraço - em 91, tu, justamente na sequência da infecção do João Carlos, manequim... Na altura, ele ficou infectado com o vírus da HIV e tu, na sequência desta infecção e deste caso, decides com alguns voluntários intervir, digamos assim, nas condições do hospital Egas Moniz.
MM: Sim, mas antes disso é assim: o João Carlos... Eu tinha acabado de abrir uma loja que era a Catavento, eu que estava a tentar começar a mudar de vida.

MLG: Porque antes eras a porteira do Frágil.
MM: E continuava a trabalhar no Frágil, mas estava a tentar ter outros trabalhos para fazer por minha conta, de produção e tal e tal. E então, o João Carlos tinha-me emprestado dinheiro numa altura e quando eu abri a loja, eu entretanto fui para o Porto, com o Reininho e com o Rui Aires, e estávamos a festejar e telefonei-lhe e disse "eu não percebo porque é que tu não foste à festa". E ele disse, "eu estou muito doente e não quero que ninguém..." E então o Reininho e o Rui Aires foram-me levar ao comboio, apanhei o primeiro comboio às 6 da manhã e fui ter com ele e partir e não o larguei até ele morrer.

MLG: E em 92 nasce a Abraço.
MM: Em 92 nasce a Abraço.

MLG: Numa fase em que se desconhecia muito.
MM Tudo.

MLG: Tudo sobre a SIDA.
MM: Tudo, tudo. Muitos anos ainda. Eu acho que ainda hoje em dia às vezes há coisas que... ainda há ostracismo sobre a SIDA, as pessoas não podem dizer "sou seropositiva"

MLG Sim, mas durante aquele tempo, durante aquelas décadas, houve mesmo ostracismo, não é?
MM: Sim, ostracismo.

MLG: E mais, havia a conotação de que a SIDA era uma praga homossexual
MM: ... homossexual, da prostituição, de sem-abrigo, de migrantes, tudo que era gente que era...

MLG: E era sinónimo de morte. Hoje, há muito tempo, que é uma doença crónica.
MM: Mas tudo que era gente que a direita normalmente não gosta, como eu costumo dizer...

MLG Os que vivem na periferia do coração, como diz o Papa Francisco.
MM: Os que vivem na periferia do coração. Por acaso era um homem que eu gostava de conhecer.

MLG: Esta frase é maravilhosa.
MM: É maravilhosa.

MLG: Chamar para o centro do coração aqueles que vivem na periferia ou que a sociedade coloca na periferia. O que é que tu sentes que fizeste, tu e a Abraço?
MM: Fizemos muita coisa.

MLG: A nível de prevenção também?
MM: A nível de prevenção, a nível de formação; criámos lares para crianças, filhos de pais seropositivos, que era uma coisa que eu também não queria, mas depois... para não dividir irmãos; criámos casas de acolhimento, criámos apoio domiciliário. Eu fui à ministra uma vez, à Maria de Belém, lembro-me perfeitamente, com seis pessoas. E disse-lhe: "Olhe, senhora ministra, estão aqui seis homens. Eles não podem dar a cara". Mas eu só lhe dizia, "se estes homens não tiverem medicação para o futuro, da nova medicação, das novas terapêuticas que vão sair no mercado", isto era em 96, "eles morrem. E eu quero que a senhora tenha consciência disso". Uma semana depois, estava a medicação cá fora. Isto nunca foi falado. Sabes, Manel, há coisas que as pessoas não fazem a mínima ideia. Porque é assim, eu sempre fiz uma luta...

MLG: A tua exuberância ajudava a conquistar as coisas para a causa da Abraço?
MM: Às vezes, a minha exuberância ajudava que as pessoas tivessem algum receio, de que "ela é maluca e vai..."

MLG: ... e para para a agressão [risos].
MM: "Ela é um bocadinho maluca e ainda vai para os jornais dizer isto, aquilo, com outros, não sei o quê". Eu tinha sempre uma postura que era: antes de qualquer comunicação (que é uma coisa que não se faz hoje em dia, o que acho que é um disparate), eu mandava aos gabinetes próprios: passa-se isto, passa-se aquilo. Sempre fui recebida por todos os ministros, por todas as ministras. Sempre me trataram impecavelmente.

MLG: E sempre conseguiste os apoios que necessitavas?
MM: ... e sempre consegui os apoios que necessitava. Sempre. Mas sempre explicando tudo. Além disso, eu tinha um grupo de seropositivos que me acompanhava e tinha pessoas seropositivas que estavam comigo na associação. Eu não sou sozinha, vamos lá ver. Isto é um grupo de pessoas muito grandes.

MLG: Aliás, começa por ser um grupo de voluntários, não é?
MM: De voluntários, muito grande.

MLG: A intervir, nomeadamente, na unidade de infecto-contagiosas do Hospital Egas Moniz.
MM: Então, o João morreu a 26 de dezembro. Passei ainda o Natal com ele, ele deu-me uma fotografia que eu lhe pedi, era a única coisa que eu queria. Ele morreu. Fui eu que o vesti. Fui eu que o vesti na morgue, ninguém o queria vestir, fui eu que o vesti na morgue, fui eu que o queria levar para a Basílica...

MLG: Aliás, ninguém queria tocar nestes doentes.
MM: Fui eu que o vesti. Foi um homem, um maqueiro, depois no hospital de São Francisco Xavier, que me ajudou, porque me viu aflita, porque é completamente diferente. E depois fizemos... [Depois] da morte, ele foi para a Basílica da Estrela para que os jovens vissem o que é que era o HIV. Ele trabalhava com muitos jovens, lembra-te disso. Ele era formador de manequins. E o Tó Romano ajudou-me muito nisso, e a Marluce, e o Carlos Cruz, toda essa gente, e o Miguel Rodrigues Pereira, sempre me ajudaram. Era muito importante divulgar que este homem, que é conhecido, que é bonito, que é não sei o quê, morreu com HIV. E os pais também ajudaram que isso se dissesse.

MLG: Levou muito tempo a que as pessoas não tivessem qualquer tipo de medo em abraçar ou beijar um seropositivo?
MM: Levou muito tempo. Levou muito tempo, posso dizer.

MLG: Isso é trabalho de Abraço.
MM: Isso foi um trabalho muito grande da Abraço. Mas lá fora também foi muito importante o que aconteceu. E eu vou dizer que tive a sorte de ir depois para fora com o apoio da Elton John AIDS Foundation fazer a formação em casas para pessoas com HIV, essas coisas todas. E a Lady Di foi muito importante também nessa altura, foi muito importante. É uma mulher que eu admiro.

MLG: Quebrando o protocolo, [Lady Di] foi visitar doentes, abraçando esses doentes com HIV.
MM: E sabes que o Carlos Cruz foi, e a Marluce também, foram ao hospital ver doentes e abraçar, e essas coisas todas foram muito importantes. Para mais, quando eu...

MLG: Perdeste muitos amigos para o HIV?
MM: Perdi. Perdi muitos amigos e muitos conhecidos. Perdi muitos amigos.

MLG: Como é que se lida com essas perdas?
MM: Sabes que, ao princípio, eu tive que aprender a gerir a morte.

MLG: Com frieza?
MM: Não.

MLG: Distanciando?
MM: Distanciando. Mas, sabes, eu sou uma pessoa que de tudo o que é negativo faço positivo. Por isso, tudo o que é negativo eu vou combater para que fosse positivo. É nessa postura.

MLG: Já falaste da Marluce, a Marluce e o Carlos Cruz estiveram desde a primeira hora envolvidos nesta luta contra a SIDA. Vamos ouvir a Marluce.
MM: [ri surpreendida]

Marluce [mensagem gravada]: É só para te dar um beijo, um abraço, agradecer por seres minha amiga, agradecer por todas as pessoas que tens ajudado. Na Abraço, com prevenção, com educação, os doentes, as famílias, e dar a conhecer também melhor o que é que é essa doença horrível. E também pelas pessoas que fizeste muito felizes na Junta da tua freguesia, que eu conheço bem, eu tive os meus dois filhos ali na Rua da Palma, sei muito bem como era antigamente. Hoje é um bairro lindo, cheio de jardins, flores, animais, escolas, restaurantes... Tu és uma pessoa do bem e por isso quero-te te agradecer também. Um abraço, Goucha; um abraço, Margarida. (...)

"Nunca desviei dinheiro da Abraço. Foi uma campanha orquestrada"

MLG: Tu estiveste 21 anos à frente da Abraço.
MM: 
Não estive sempre à frente.

MLG: Mas estiveste envolvida na Abraço diretamente 21 anos. Aliás, tu foste celebrada, na última gala no São Luiz, em dezembro passado.
MM: Eu não era para ir [gargalhada]. Mas [disseram-me] "tem que ir, tem que ir".

MLG: Que valor é que teve essa celebração, essa distinção?
MM: Para mim foi importante, porque já estava fora da Abraço há diversos anos - apesar de ser sócia e essas coisas todas. E sempre que eles perguntavam qualquer coisa, de ajuda, ou isto ou aquilo, eu sempre ajudei. Foi importante porque, no fundo, é dizer assim: olha, o meu trabalho não foi em vão. É nesse sentido só, essa alegria que me dá.

MLG: Contudo, esse trabalho foi maculado por suspeição.
MM: Foi.

MLG: E durante, ali alguns anos, tu viveste com a suspeição de teres desviado dinheiros da Abraço.
MM: Nunca, nunca desviei. Felizmente, nunca tive nenhuma condenação. Nunca fui a julgamento por isso. Para mais, os senhores da Judiciária até me ajudaram - entraram assim um bocadinho à bruta, mas depois...

MLG: Não houve nenhum processo ligado a isto?
MM: Não houve nenhum processo ligado a isso e depois até me disse quem é que tinha criado, as pessoas que tinham criado...

MLG: Foi o quê? Uma campanha orquestrada?
MM: Foi uma campanha orquestrada.

MLG: Com que fim?
MM: Olha, Manuel Luís, eu penso que... o Fernando Esteves trabalhava para a Associação Nacional de Farmácias na altura, penso eu, era apoiante. E eu penso que... Na altura, eu lutei muito contra a venda de medicamentos nas farmácias. E porquê? É que as pessoas não sabem: é que a venda... a dádiva de medicamentos nas farmácias não era completamente dada, o Estado tinha que pagar 10%. E quem me informou disso foi um laboratório. Disse: Margarida, se os medicamentos vão para as farmácias o Estado vai ter que pagar. Agora lembra-te de medicamentos que eram caríssimos.

MLG: E eram "cocktails" de imensos medicamentos.
MM: Eram "cocktails" de imensos medicamentos.

MLG: Chegavam a ser 30 ou 40 por dia.
MM: Mas eu vou-te dizer: por isso mesmo, o que é que nós lutámos sempre? Nós lutámos sempre, sempre, sempre para que, no fundo, os medicamentos fossem dados nos hospitais e não nas farmácias.

MLG: Mas como é que te lidaste com essa suspeição? Tu durante uns 2, 3 anos estiveste...
MM: Sete anos.

MLG: Sete anos?
MM: Só ao fim de sete anos eu ganhei o processo ao Fernando Esteves.

MLG: Portanto, tu colocaste um processo.
MM: Coloquei-lhe um processo. O meu advogado foi o Dr. Ricardo Sá-Fernandes, que trabalha sempre para mim pro-bono, porque era a Abraço. Ganhei outro processo com ele também de um tipo da Madeira que nos ficou com dinheiro, também lhe ganhei  (Ele é que nos desviou dinheiro e dizia que tínhamos sido nós.) Tenho uma história muito engraçada...

MLG: Mas como é que se vive com essa suspeição durante estes anos, que pode macular todo um trabalho, porque as pessoas têm a memória muito curta, não é?
MM: Olha lá, ainda hoje em dia eu vejo nas redes sociais que eu sou uma ladra por causa da Abraço e que fiquei com quadros de Abraço. Ainda ontem estive tive a ver...

MLG: Não ficaste com nenhum quadro da Abraço?
MM: [risos] Não, nunca fiquei com nenhum quadro da Abraço.

MLG: Porque havia sempre aquelas vendas por alturas do Natal, se não me engano.
MM: Nunca fiquei com nenhum quadro de Abraço.

MLG: Eram quadros doados por grandes pintores, grandes artistas plásticos.
MM: Sim, grandes pintores, grandes artistas plásticos. Fizemos imensas exposições. Por isso, estás a ver: nem fiquei com o dinheiro, nem fiquei com não sei o quê. Tinha o meu ordenado e descontava do meu ordenado, porque eu tinha de viver de qualquer coisa, não vivia do ar e estava trabalhava 16 horas.

MLG: Era um bom ordenado?
MM: Era um ordenado bastante razoável. 16 horas por dia, lembra-te isso. É que as pessoas esquecem-se do trabalho, do sofrimento, da angústia, de tudo o que nós temos que tratar, de famílias, tudo, tudo, tudo.

"Nunca mais farei nada público. A certa altura, é um massacre"

MLG: Quando ganhas o processo que colocas... Isto...
MM: Olha, quando ganhei, são três linhas de um jornal. Quer dizer, [antes] foi parangonas, que até a minha amiga Isabel Lopo Faria escreveu "só falta a Margarida mostrar as cuecas", foi um texto que ela fez muito engraçado. De resto, toda a gente escreveu. O Vicente Jorge Silva escreveu sobre mim, vários escreveram sobre mim, e na altura, imagina, sete anos depois aparece 3 linhas...

MLG: Já não é notícia.
MM: Já não é notícia. E continuo a ser incriminada. Se fores ver à tua página, eu estou lá como ladra.

MLG: Tu foste ler os comentários.
MM: Fui ler os comentários: como ladra de quadros, da Abraço e com dinheiro da Abraço. Nunca fui acusada! É triste, sabes? É assim, eu hoje em dia vou dizer: nunca mais farei nada público. Porque realmente, isto a certa altura, é um massacre. Sempre que fazes qualquer coisa público, estás sempre a levar em cima. Ou porque queres dinheiro, ou porque tens interesses, ou porque tens isto, ou porque tens aquilo. Eu venho de uma mãe que esteve cinco anos no hospital. Eu sei o que é ser filha de uma mãe que teve tuberculose e que tinha constrangimentos de me beijar. Manel, a minha mãe beijava-me na testa. Eu hoje em dia só beijo crianças na testa. [emociona-se] Eu sou incapaz de dar um beijo a uma criança na cara.

MLG: Porquê?
MM: Porque no fundo isto fica cá dentro. A minha mãe nunca pensou que ia ter filhos. A minha mãe nunca pensou. A minha madrinha foi colega da minha mãe, Margarida Todi, foi colega da minha mãe. no hospital de São José cinco anos. Ela passou de 16 aos 21, a tuberculose é como a Sida. As pessoas não têm noção. Não têm noção da dor, das coisas que a gente passa em família.

MLG: E as pessoas também eram estigmatizadas por causa do tuberculose.
MM: Então não eram estigmatizadas! A minha mãe não me beijava, Manel. E um dia, pu-la em causa, fui ao médico e fui fazer queixa dela.

MLG: Faltou-te afeto? Ou essa era a maneira dela te mostrar que te amava para não te contagiar?
MM: Não, sabes que eu percebi só aos dez anos. Porque eu fui ao médico fazer queixa dela. Eu fui ao médico e disse "a minha mãe não me beija". E ele disse "sua estúpida". Mas não, não era para mim que disse, foi para a minha mãe."você é uma parvalhona! Você não sabe que está curada desde os 21 anos!"

MLG: Era o medo.
MM: Era o medo. E aí eu percebi qual era o medo dela. Não, foi uma mãe fantástica. Inteligentíssima.

"Claro que pagava os produtos no mercado!"

MLG: A seguir à Abraço, tens então o teu trabalho como presidente da Junta de Freguesia de Arroios.
MM: Sim, e que adorei.

MLG: Curiosamente, a tua geografia sentimental passa por aquela zona da Lisboa.
MM: Passa. Olha, eu nasci no Hospital São José, Maternidade de Santa Bárbara. A minha família morava toda em Arroios. A minha madrinha morava em Arroios. Eu ia ao mercado com a minha mãe, ao mercado de Arroios. Com o meu pai ia ao mercado do Saldanha. Eu morava em Entrecampos mas a minha geografia familiar era toda por ali. É engraçado, não é? Como o mundo volta todo.

MLG. Mas recuperaste estas memórias só depois de seres presidenta da Junta? Ou estavas consciente que pertencias também àquele local?
MM: Não, eu só recuperei quando o Dr. António Costa me convidou - foi ele que me convidou -, eu andei seis meses sozinha com o iPad a fazer fotografias na zona. E fui recuperando tudo.

MLG. As memórias.
MM: As memórias, e fui recuperando as memórias.

MLG: E as memórias estão ali. Gostaste esse trabalho porquê?
MM: Adorei.

MLG: Dois mandatos?
MM: Dois mandatos. Adorei. Fizemos imensas coisas.

MLG: O que é que fizeram pela freguesia de Arroios, que é talvez a mais multicultural da cidade de Lisboa?
MM: Olha, além de termos respeito pela multiculturalidade, porque realmente tivemos esse respeito pelas pessoas, tínhamos as escolas com 24 nacionalidades, os miúdos. Recuperámos todas as escadinhas que havia na freguesia, todas, por causa da mobilidade, por causa dos mais idosos.

MLG. Já conhecias aquela zona por causa da prostituição e da prevenção contra a Sida, na Abraço.
MM: Já conhecia porque eu comecei a fazer ali trabalho de prevenção da luta contra a Sida e da droga. Eu já tinha conhecido aquele espaço há 30 anos, que era completamente diferente, depois quando o Dr. António Costa foi para ali, mudou completamente, foi mudando o panorama da zona. Mas, de qualquer maneira, para dizer que recuperámos escadinhas, recuperámos jardins, pus mais de 50 pessoas na higiene urbana, tinha cento e tal funcionários na higiene urbana.

MLG: Há comentários que dizem isso nas minhas redes sociais. Nem tudo, nem todos dizem mal.
MM: Não... Fizemos homenagens à Maria da Lourdes Pintasilgo, ao Monsenhor José de Freitas, ao 25 de Abril, tudo com estatuetas, com estátuas.

MLG: Preocupaste-te com os velhos da freguesia?
MM: Sim. E com a memória. Fizemos a homenagem aos 100 anos da guerra, da Primeira Guerra Mundial. Incorporávamos sempre os jovens nestas ações, os jovens e os idosos. Fizemos imensos passeios com os idosos, fizemos livros para os jovens conhecerem a freguesia, foi a primeira junta a fazer livros para os jovens conhecerem a freguesia.

MLG: E investiste também nesta multiculturalidade, na diversidade, que este bairro encerra?
MM: Tínhamos um jornal em três línguas, que foi apoiado até pela União Europeia. E toda a gente ficava doido como é que nós tínhamos um jornal em três línguas.

MLG: Portanto, deixaste marca.
MM: Deixámos marca. 

MLG: Mas sais de lá também com a tua imagem toda chamuscada.
MM: Toda chamuscada!

MLG: Há um trabalho da Revista Sábado, que te denuncia a levar produtos do mercado para casa.
MM: Que uns pagava e outros não pagava [gargalhada].

MLG: E a usar bens públicos, como por exemplo o motorista da freguesia.
MM: Não. É assim,ó Manel: as pessoas não têm noção, eu nunca tive carta de condução. Só tinha motorista para trabalhar de segunda a sexta-feira.

MLG: Mas pagavas ou não pagavas os produtos do mercado?
MM: Claro que pagava os produtos do mercado! Nos meus anos eles também me ofereciam. Não te oferecem a ti nos teus anos?

MLG: Não porque é dia de Natal e estou longe [risos].
MM: Como me oferecem a mim, ou como oferecem... O homem, o Adelino, até sabe o meu código do multibanco, eu dou-lhe o cartão e ele paga. Estás a perceber? Aquilo era um presente de anos. Aquilo era um presente de anos! Eu sou acusada por ter um presente de 20 euros.

MLG: Mas aqui é um processo por peculato.
MM: Não, mas eu não sei qual é o processo ainda.

MLG: Não estás constituída arguida?
MM: Eu estou arguida, mas até estou a ver... como tu podes estar constituído arguido, como outras pessoas aqui da TV podem estar constituídas arguidas, mas até o processo se desenvolver eu não sei se vai ser arquivado se não vai ser arquivado. Estás a perceber? Agora, a maior parte da comida - isto é preciso que se diga - que às vezes me davam no mercado, nem era eu que ia buscar, eram os motoristas que iam buscar, sabes para onde é que ia? Para a cantina dos funcionários da higiene urbana.

MLG: Não ia para a tua casa?
MM: Não ia para a minha casa, até porque eu comia muito pouco em casa, Manel. Ainda hoje em dia praticamente não como em casa. Sabes o que tenho em casa sempre? Tenho fruta, leite cereais, sopa. É sempre o que eu tenho em casa. Mas eu hoje em dia não faço comida em casa.

"Isto foi tudo montado. A uma semana das eleições"

MLG: Agora, tudo isto, todo este escândalo, digamos assim, esta investigação, surge na altura das eleições autárquicas.
MM: Não, uma semana antes! Mas isto foi montado por um tipo que corri da...

MLG: Portanto, mais uma vez, em teu entender, é uma campanha orquestrada?
MM: Completamente.

MLG: Contra ti?
MM Contra mim e não só, e contra o PS neste caso.

MLG: Aliás, porque o Fernando Medina não ganhou [as eleições autárquicas].
MM: Mas ali nós também perdemos porque muita gente confiou e também eu acho que muita gente confiou que se ia ganhar e não foi votar. Eu posso dizer, eu hoje em dia continuo a andar pela freguesia toda e sou super bem tratada.

MLG: Há pessoas que dizem isso nas minhas redes sociais.
MM: Super bem tratada. Fiz homenagens, respeitei as pessoas. Eu tenho um homem, que eu não posso dizer [quem é], eu só lhe vou chamar OB: esse homem chegava-me a aos 200 quilos de peixe!

MLG: E esse peixe ia para onde? Para instituições?
MM: Não, esse peixe ia para nós distribuirmos às famílias. O peixe fresco é de um homem que só vende internacionalmente. Só vende para hotéis, para restaurantes. Conheceu-me um dia no mercado e disse-me "eu quero começar a mandar-lhe peixe". E eu disse, "sim senhor, o que é que vai mandar? O que é que tem?" Às vezes mandava pescada, às vezes mandava carapau, às vezes mandava caixotes. Ia tudo para o centro.

MLG: Mas como é que se lida com a suspeição? De novo sais de um projeto, ao qual te dedicaste com paixão, com a imagem beliscada.
MM: Fui a primeira pessoa a fazer uma casa para sem-abriga, a primeira Junta. Fui a primeira junta e única a fazer uma casa para doentes sem abrigo. Fui a primeira e única a fazer uma casa para doentes com o Covid.

MLG: Mas tudo isto depois quase que é esquecido por este facto.
MM: E fui a primeira a pedir ao Dr. António Costa e à ministra na altura para fazer uma Loja do Cidadão no Mercado 31 de Janeiro, que é onde eles me acusam, porque tinha o segundo piso liberto. E o que acontecia? Se eu alugasse a uma empresa iam fazer restaurantes, que dava dinheiro, mas eu achava que o mercado precisava daquela mudança.

MLG: Portanto estás de consciência tranquila.
MM: Completamente! E sou uma mulher muito feliz.

MLG: Mas consegues ser feliz com esta suspeição?
MM: Consigo. Consigo, sabes? Porque estou tranquila.

MLG: Mas como é que lidaste com isto na altura em que isto apareceu? Justamente em 2020.
MM: Fiquei um bocado... Para mais já tinha sido esse homem que me fez a campanha, já me tinha feito bullying moral. Por isso, eu na altura fui ao psiquiatra, senti-me mal, e sabes, eu sou uma pessoa que mete muito para a concha. Eu tenho muitas gavetas.

MLG: Interiorizas?
MM: Interiorizo. Eu sou uma pessoa na rua e sou uma pessoa em casa. Se tu entras na minha casa, eu sou uma tumba. Não falo, estou com os meus gatos, abraço os meus gatos, leio. Tenho seis gatos maravilhosos, trazidos - também tenho um que me foi dado -, mas trazidos da loja do "Marco e os Animais" em Campo de Ourique. Todos adotados, e passo a vida a tentar que pessoas adotem animais para que os animais não fiquem na rua. Por isso mesmo, eu agradeço às pessoas que têm adotado e fiz casas para animais na junta de freguesia. Tive isso tudo.

MLG. Tu deixaste marca na junta de freguesia. Mas hoje, quando olhas - por exemplo, foste ler comentários nas minhas redes sociais quando eu disse que vinhas cá -, como é que tu lidas com aqueles comentários de pessoas que certamente nem pertenciam à freguesia, nem sabem?
MM: Eu até fui ver, algumas eram de Coimbra, outros eram do Porto.

MLG. E alguns são falsos.
MM: Outros eram daqui, outros eram dali, mas também tinha muitos [comentários] positivos. Também graças a Deus.

"A minha melhor obra é a Leonor"

MG: Nomeadamente de habitantes, moradores da freguesia. Como é que a tua filha, Leonor, lida...
MM: Ficou triste. Ela mora na freguesia, sabes? Ela mora em Arroios. Ela mora em Arroios, ao pé do Hospital de São José.

MLG: Como é que a filha lida com isto? Ela fala contigo sobre isto?
MM: Não, não fala. Ficou triste, ficou amargurada e sabe como é que é a nossa vida. As pessoas falam: ela tem uma casa. Tenho, mas estou a pagar ao banco como qualquer cidadão. Acabo a pagar para o ano, graças a Deus. Aí já fico mais liberta, com mais 600 euros por mês. [gargalhada] Mas pago ao banco, há 23 anos, a minha casa.

MLG: Qual é a tua melhor obra? É a Abraço? É a Junta de Freguesia de Arroios? Ou é a Leonor, se bem que eu não posso a pôr todos no mesmo saco?
MM: Não, a minha melhor obra é a Leonor. Mas eu não largo a Abraço nem a Junta de Freguesia. Mas a minha melhor obra é a Leonor.

MLG: Orgulhas-te daquilo que fizeste na Abraço e na Junta de Freguesia.
MM: Sim, orgulho-me muito.

MLG: E por que  é que a tua maior obra e melhor é a Leonor?
MM: Porque a Leonor era uma criança que...

MLG: ... que estava institucionalizada?
MM: Institucionalizada e desprotegida. E é uma criança que se não fosse...

MLG: Que idade tinha ela?
MM: Eu conheci a Leonor com 2 anos e 3 meses. E para ela me ser entregue, eu tive que fazer um documento na base de pessoa idónea. E quem me ajudou a fazer esse documento foi a Dra. Joana Marques Vidal. Foi ela que me fez. E posso dizer...

MLG: Já que estás a falar aqui de mulheres que são marcantes, deixa-me só aqui referir duas mulheres notáveis na luta contra a SIDA que infelizmente já morreram, e já morreram há algum tempo, e tu conheceste-as muito bem: A Dra. Laura Aires, que é logo a primeira; e depois a Dra. Odette Ferreira, investigadora.
MM: Eu com a Odette, às vezes tínhamos uma pega as duas [riso].

MLG: Porque ela tem uma personalidade muito forte?
MM: Não, mas não vou dizer porquê.

MLG: Mas é uma mulher notável também na investigação.
MM: Eu apoiei sempre muito o Dr. José Luís Champalimaud. E ele foi o homem que levou as coisas... Ela levou o trabalho dele e do Kamal [Mansinho] e do Nisa para Paris. E eu achava que ele devia ser reconhecido e consegui.

MLG. Mas essas duas mulheres são notáveis.
MM: Mas olha, eu consegui que ele fosse conhecido, e o Largo, onde é a Abraço chama-se Dr. José Luís Champalimaud.

MLG: Mas estávamos agora a falar de quem te ajudou no processo da adoção.
MM: Foi a Dra. Joana Marcos Vidal. E mais, eu fiz queixa na institucionalização da Leonor, porque ela era retida, muitas vezes, no hospital da Misericórdia. Sozinha. E um dia fui vê-la e ela foi buscar os sapatitos para eu trazer para casa.

MLG: Mas apaixonaste-te pela Leonor quando a viste pela primeira vez?
MM: Não, eu andava à procura de uma família para ela. E um dia chego e o porteiro diz-me assim - o nome dela era Tânia - "A Tana está ali sentada e não sai e diz que está à espera da mã. Mã".E ele disse assim... "Tu não tens mãe". E ela disse... "Ida". (Sabes que ela não falava, grunhia).

MLG: Portanto, era mãe Sida?
SS: Não, mãe Margarida. "Guida".

MLG: Ela grunhia?
MM: Ela não falava. Ela não falava quando eu a conheci.

MLG: Ela saiu de que ambiente?
MM: Ela foi retirada com três dias. À mãe. Mas já tinham sido retiradas outros dois  irmãos. Ela foi retirada da mãe com 3 dias. A mãe não a pôde levar e foi-lhe retirada porque já estavam dois irmãos institucionalizados. Também na Misericórdia de Lisboa.

MLG: Na altura foi muito falado, também, este processo de adoção.
MM: Foi. Todas acharam que era uma benesse. Por acaso foi uma benesse [gargalhada]. Sou muito feliz com ela.

MLG: Foi fácil o processo de adoção, sendo tu Margarida Martins?
MM: Não, foi sempre mais difícil. Como deves calcular. Por exemplo, eu queria que se chamasse Leonor Isabel. Ela foi-me entregue no dia que fez três anos pelo juiz, porque eu pedi, e foi-me entregue plenamente aos quatro anos. Mas ela já estava comigo desde os 3 anos. E o juiz não deixou que ela se chamasse Leonor Isabel. Porque eu queria, em homenagem à minha amiga Isabel Lopo Faria. Ela tinha que ser só Leonor, porque era assim que era conhecida. E eu perguntei-lhe: "E o senhor como é que é conhecido? É por José ou por José Manuel?" E ele calou-se.

MLG: E depois como é que foi conquistar o Leonor? Pelos vistos, conquistaste-a rapidamente. E como é que o Leonor foi evoluindo?
MM: Foi muito trabalho. Muito trabalho com terapias. Muito trabalho com terapia da fala.

MLG: Ela já foi retirada aos 3 dias. Ela tinha alguma mochila de traumas ou não?
MM: Não, mas ela era uma criança muito carente. Estava institucionalizada, não há um tratamento personalizado. Ela teve problemas de fala, teve problemas escolares, teve de ser sempre, sempre, sempre acompanhada. Eu um dia até desconfiei que a miúda tivesse algum problema, digamos, fizemos-lhe um exame total.

MLG: Cognitivo.
MM: Não, são sequelas que às vezes os miúdos trazem de traumas. Ela era líder com os olhos.

MLG: Como assim?
MM: Ela no grupo dela, ela manejava um grupo de oito crianças com os olhos.

MLG: E o que é que aprendeste com o Leonor?
MM: Aprendi a ter mais alguma calma. Aprendi a ter que respeitar as diferenças.

MLG: Mas repara, tu tens o Leonor, levas o Leonor para a tua casa e é a tua filha adotada no momento em que tu estás a trabalhar imenso, não é?, na Abraço.
MM: Mas ó Manel, mas eu tive muitos apoios. Tive a Maria Jorge Fortunato de Almeida, que era a minha vizinha no 5ª andar e que me ajudava - e que hoje em dia é a avó dela e que está no lar e que ela vai ver três vezes por semana, só para tu veres o respeito que ela tem à avó, que tem 87 anos, e que não é avó, é avó de coração. A Isabel Lopo faria também me ajudou. E eu fiz uma coisa, ela foi para o colégio, primeiro foi para o Colégio Moderno.

MLG. Colégio Moderno, é logo o melhor.
MM: Não, mas era eu a pagar. Custava-me cinco mil e tal euros por ano, nada de confusões.

MLG: E de onde vinha esse dinheiro?
MM: Do meu ordenado! E além disso eu tinha acabado de vender umas coisas minhas.

MLG: Do ordenado da Abraço?
MM: Pois, do meu ordenado, e eu tinha acabado de vender umas coisas minhas, e então eu tinha ficado com algum dinheiro que me deu para pagar quatro anos. E depois meti-a na escola oficial.

MLG: E o processo de aprendizagem, o processo de socialização, foi tranquilo?
MM: Foi. Ela, para mais, é uma miúda super integrada. É uma miúda super sociável. Ela, por exemplo, aos 18 anos perguntou-me se tinha irmãos. E eu disse, "sim, tens irmãos". [Ela retorquiu] "Ai eu gostava de conhecer". [E eu:] "Então eu vou ver onde é que eles andam".

MLG: Tu temeste esse dia ou não? Tu pensaste que um dia ela ia querer saber quem era a família biológica?
MM: Temi, temi.

MLG: Tu sempre conversaste com ela sobre tudo.
MM: Sim.

MLG: Ela sempre soube que era adotada?
MM: Ela sempre soube que era adotada. Mas aos 18 anos pediu-me para... queria saber se tinha irmãos.

MLG: E como é que tu lidaste com isso?
MM: E eu fui à procura dos irmãos. E dei o contato, e mandei um e-mail para os irmãos, para saber onde é que eles estavam. São dois, que tinham sido adotados em Setúbal. Depois dela, porque o processo dela ficou independente do dos irmãos.

MLG: Ela nunca quis conhecer a mãe biológica, nem o pai?
MM: Não. Pai ela não tinha, não sabemos quem é. A mãe biológica eu sei quem é. E ela nunca quis conhecer a mãe biológica.

MLG. Tu és a mãe.
MM: Ela diz "Essa senhora não me diz nada". Mas queria conhecer os irmãos, sabes.

MLG: Os irmãos não têm culpa, não é?
MM: Não têm culpa. Eu conheci sempre os irmãos, o Vítor e a Sofia. A Sofia tem mais dois anos que ela e o Vítor mais de quatro anos que ela. Portanto, estão aqui na casa dos 20, 30. Ela vai fazer 24, a outra faz 26 e ele tem 28. Eu ainda tentei, comuniquei com eles. Dei-lhes o e-mail para ela. E a irmã depois disse que eles não queriam conhecê-la. E tudo bem. Eu disse, olha, "contra isto não posso fazer nada".

MLG: Como é que ela ficou?
MM: Ficou triste. Não percebia porque é que eles não a queriam conhecer.

"Há pessoas muito más. E eu sei quem são"

MLG: Já falaste aí da Isabel Faria, que eu acho que te ajudou no processo de adoção.
MM: Sim, ajudou.

MLG: Portanto, vamos ouvi-la.
MM: A Isabel? [gargalhada surpreendida] Como é que tiveste o número dela?!

MLG: Eu consigo tudo.
MM: Não acredito!

Isabel Faria [mensagem gravada]: Gosto muito das coisas que tu tens feito. E da forma como tens feito. Acho que tens sido muito corajosa. Já tivemos coisas boas, tivemos coisas más. A melhor de todas, penso, tem sido a Nonô. A Nuno que tu adotaste. Que nós adotámos. E de quem gostamos muito. Acho que é preciso continuares com muita força. Há pessoas más. Tu sabes que há pessoas más. Nós sabemos que há pessoas más. Mas tu tens tido muita coragem. De fazer. E de ter coragem. E de ter coragem. E de ter coragem. Tens tido muita coragem. Força, miúda.

MM: Beijinhos, querida.

MLG: Há pessoas más.
MM: Há pessoas más. Há pessoas muito más, vou-te dizer. E eu sei quem são. [pausa]

MLG. Os teus amigos, como é que reagiram a todo este processo de adopção da Leonor?
MM: Bem. Bem.

MLG: Por exemplo, o Ulisses, o teu cabeleireiro de sempre.
MM: Ah, ele reagiu tudo bem. Toda a gente reagiu bem. Só houve uma pessoa que reagiu mal, mas que não era minha verdadeira amiga.

MLG: Foste ao cabeleireiro hoje?
MM: Não.

MLG: Não foi ele que te penteou.
MM: Não, não foi ele que me cortou o cabelo. Mas foi ele que me cortou o cabelo [risos].

MLG: Eu conheço o Ulisses há 40 anos.
MM: Não acredito. [gargalhada]

Ulisses Peguinho [entra mensagem gravada]: Margarida Carmen Nazaré Martins, é assim que eu conheço [impercetível]... Frágil, Abraço, política, enfim, tudo. És uma mulher imensa, generosa, espaçosa, com uma gargalhada imensa, forte. Há quem adore e há outros que nem tanto. Mas... fazer o quê, não é? Não podemos agradar a todos. Continua assim, adoro-te. Obrigado por tudo. Obrigado pelo amor que tu tens pela tua filha, essa luta, pela Abraço, e por seres controversa. É assim, diferente. Força. Obrigado.

MM: Obrigado.

MLG: Isto é um amigo de sempre, não é?
MM: Sempre, sempre. Para mais, hoje almocei com um amigo meu, que é a meu amigo há 40 anos, que é o José Mário Brandão, da Galeria Graça Brandão, com quem almocei, a gente almoça sempre à segunda-feira. Para tu veres a minha vida: eu saio de casa às oito e meia da manhã e só volto a casa normalmente às três e meia, quatro da tarde. Depois já não saio. Depois entro na concha da carangueja. Na rua, ando de um lado para o outro, vou à fisioterapia, vou ao médico, faço tudo e umas botas. Trato de outras pessoas, trato-te de ajudar outras associações, mas sempre, neste momento, não vou votar em nada, nada, nada.

"A minha mãe faz tudo pelos outros"

MLG: E hoje estiveste com a Leonor ou falaste com a Leonor?
MM: Falei com a Leonor.

MLG: Aliás, já tivemos uma fotografia...
MM: para mandar à Leonor.

MLG: Mas não enviaste ainda.
MM: Já enviei, já.

MLG: E onde é que ela está agora? O que é que ela está a fazer?
MM: Ela, em princípio, estava no hospital.

MLG: Não é aquela senhora que está ali? [Aponta para Leonor, que entra em cena. MM dá uma gargalhada de surpresa. Levantam-se da mesa] Anda lá, vamos lá ter com a jovem Leonor.
MM: Não acredito! [Margarida e Leonor abraçam-se. Leonor emociona-se, chora, trocam algumas palavras].

MLG: Vamos lá, Leonor, vamos sentar ao pé da mãe e ao pé do tio Goucha.[Sentam-se os três no sofá]. Conta-me lá por que estás a chorar. Porque é que te comoveste? Emocionaste-te com o quê?
Leonor: Eu não consigo guardar muito tempo segredos e desde sexta-feira que a mãe me ligou...

MLG: Estava aí entupir [riem]. Estavas engasgada com o segredo.
Leonor: Desde sexta-feira que a mãe me ligou, por causa de me convidar, e eu tinha que estar sempre a dizer...

MM: E eu disse, "tu podias vir comigo", e ela disse "Ah não, tenho médico, tenho médico".

MLG: Não tinha nada!

Leonor: Tentaram-me ligar, só que não conseguiram, ligaram-me para o meu pai, o meu pai ligou-me e disse que...

MM: O pai é um também de coração, é o Alfredo Teixeira que tem ali um restaurante em Oeiras de comida marroquina, ótima, temos que lá ir. Ele ajudou-me com a Leonor desde os três anos de idade dela.

MLG: Portanto, tu estiveste com este segredo sexta-feira, sábado, domingo..
Leonor: Sim.

MLG: ... e estavas aí quase a explodir, não é? Eu não acredito que essas lágrimas tenham a ver com o segredo.
Leonor: Não, foi da forma como a mãe falou. Em relação ao vídeo da tia, fui eu que pedi. E também me emocionei quando vi o vídeo, mas tem sido difícil para mim.

MLG: Eu conhecia-a assim
MM: Conheceste-a com três anos. 

Leonor: Nós temos as nossas discussões, temos isto tudo, mas sempre fomos unidas.

MLG: O que é que pode motivar uma discussão entre ti e a Margarida?
MM: Somos teimosas, as duas.

Leonor: A mãe é mais teimosa do que eu [risos].

MLG: E o que é que aprecias na Margarida? Como mãe, que mãe é esta, que mãe tem sido esta?
Leonor: Espetacular. Cinco estrelas. Tem sido o meu orgulho todos os dias, desde que estou com ela tem sido o meu orgulho, tem sido espetacular para mim.

MLG: E como é que tu lidas com as fases menos agradáveis da vida da Margarida, que habitualmente têm a ver com suspeições? Por exemplo, na Abraço, ainda eras nova, mas já percebias isso, e agora da Junta?
Leonor: Da Junta, eu estava no trabalho quando vi a notícia, desatei a chorar.

MLG: Houve notícia, houve vídeos, houve tudo.
Leonor. Sim. Desatei a chorar, porque para mim custa-me estarem a fazer o que estão a fazer- à minha mãe. Porque a minha mãe é daquelas que nem mata uma mosca.

MLG: Isso eu não sei [riem].
Leonor: Não, as moscas têm medo dela [riem]. As pessoas maltratam. Nós damos tudo, eu sou como a minha mãe, nós damos tudo por tudo para agradarmos a uma pessoa e depois somos... uma facada nas costas.

MLG: Mas ouvir suspeitas sobre a tua mãe, quando tu és a pessoa que certamente melhor conhece a tua mãe, para além das pessoas que privam com ela, isto deve ter sido muito complicado de gerir. Falaste com a tua mãe sobre estes assuntos, ou também, como a tua mãe, tu calas e interiorizas?
Leonor: Não consegui falar, porque eu tenho... não é raiva, mas tenho ódio das pessoas que fazem isso, porque são pessoas que não têm mais nada que fazer na vida. Só para começar a dizer mal das pessoas. E como a minha mãe dá valor aos outros e faz tudo pelos outros, estragam tudo.

MLG: O que é que tu aprendeste com a tua mãe, ao longo da tua vida?
Leonor: Muita coisa. A dar o melhor que há na vida, a ajudar os outros, a apoiar quem mais precisa, não fazer mal às pessoas e estar sempre lá quando é mais preciso.

MLG: E como é que tu lidaste com esta vontade que tiveste aos 18 anos de conhecer os teus irmãos, e afinal os teus irmãos não te querem conhecer? Isto doeu?
Leonor: A minha irmã...

MLG: Porque é que sentiste vontade de conhecer os teus irmãos?
Leonor: Porque eu sempre pensei que pudesse ter irmãos.

MLG: E tens.
Leonor: Sim. Quer dizer, tenho, mas não tenho.

MM:: Ela foi perguntar a uma pessoa amiga.

Leonor: Eu não perguntei à mãe pelo simples motivo de ter medo.

MLG: Medo de quê?
Leonor: Porque eu sabia que na cabeça da mãe iria ser, pronto, ela vai querer ir para a outra família. Eu disse-lhe mesmo nesse dia quando...

MLG: Tu sempre soubeste a tua história de vida?
Leonor: Sim. E eu sempre lhe disse isso desde o dia que eu perguntei: Mãe, para mim, é quem cria. Família, para mim, é quem me criou.

MLG: É verdade, quem dá amor.
Leonor: E eu conheci... Ok, a minha mãe nunca foi de beijos, como disse, nem de abraços, mas...

MM [colocando-lhe o braço em volta e beijando-lhe a cabeça]: Hoje em dia dou mais.

Leonor: Sempre foi mais casmurra...

MLG: Ela não era de abraços, mas era da Abraço. E esse Abraço abraçou milhares de pessoas.
Leonor [anuindo]: Mas eu, por acaso, tive acesso a mensagens com a minha irmã, por mensagens, e há uma coisa que me magoou bastante, que foi: eu perguntei-lhe "eu posso tratar-te por irmã?" e ela respondeu "não, tu és a minha irmã de sangue, mas nunca viveste comigo".

MLG: Mas disso tu não tens culpa nenhuma.
Leonor: Sim.

MLG: E eles também não têm culpa de terem sido adotados. Aliás, ainda bem que foram adotados, porque ganharam certamente famílias onde são...
MM: Foram adotados depois dela!

MLG: Sim, e ganharam famílias que certamente cuidam deles. Ganharam uma família. E isso ainda hoje te entristece ou não? Já arrumaste isso dentro de ti?
Leonor: Eu já não ligo muito.

MLG: Porque isso foi aos 18, não é?
Leonor: Pois, quando eles quiserem me conhecer, podem conhecer.

MM: Ela está disponível [risos].

MLG: Quem sabe, depois desta conversa...
Leonor: Eu também pensei nisso, por acaso.

MLG: Ah, foi por isso que aceitaste? [risos]
Leonor: Não, aceitei para surpreender a mãe, não foi por isso.

MLG: Estou a brincar contigo, estou-te a provocar, querida Leonor. Mas se porventura esta vinda ao programa para surpreender a mãe também servir para isso, ao fim e ao cabo é resolver passados, não é? É encaixar peças do puzzle da vida que estão por encaixar. Olha, [pegando em livros de fotografia] esta é, Margarida, uma das tuas grandes paixões, a fotografia.
MM: É, a fotografia. É um dos meus hobbies. Além de tricô, sabes? Este inverno fiz imensos cachecóis para os amigos todos. Fiz tricô, fiz malas para as miúdas e faço fotografia.

MLG: E de onde é que vem esta paixão pela fotografia?
MM: Olha, eu trabalhei muito tempo com o Mário Cabrita Gil, em que fiz um trabalho com ele, que foi a Idade da Prata, em que fotografei muita gente e eu trabalhei com ele no estúdio. Nunca teria coragem de fazer uma fotografia. Depois, um dia, fiz uma fotografia da Leonor...

MLG: Tu já tiveste coragem foi de tirar uma fotografia nua, no tempo do Frágil.
MM: É verdade. Tu viste?

MLG: Não, não vi, mas viu o Mário Soares, o Presidente Mário Soares, a primeira vez que te conheceu foi nua. Essa história é célebre.
MM [gargalhada]: Sabes como é que foi?

MLG: Essa fotografia não foi para um convite de aniversário do Frágil?
MM: Foi. Eu mandei isso.

MLG: Mas já deve ter passado.
MM: O Henrique Cayatte apresenta-me o Mário Soares, e o Mário Soares diz: "eu conheço-a!" Diz, exuberante como ela era: "Eu conheço-a! Eu conheço-a nua!" E eu disse, "Nua? Como é que é possível?" Ele disse, "está em fotografia em casa dos meus filhos". E eu disse, "ah, se tivesse um buraco, enfiava-me" [risos]

MLG. Naquela altura não tinhas buraco do teu tamanho. Eras enorme.
MM [gargalhada]: Ele também, quando emagreci, disse, "você já não tem graça nenhuma, emagreceu muito".

MLG: Perdeste a graça?
MM: Não. Não, não perdi nada a graça.

MLG: Por acaso há essa a ideia, não é? E há a ideia de que as pessoas gordas são muito felizes.
MM: Não, tem nada a ver.

MLG: Haverá felizes e menos felizes.
MM: Esse livro, eu resolvi, olha, comecei a fazer uma fotografia da Leonor e depois fui para Marrocos com a Leonor e comecei a fazer fotografia. E senti que Marrocos era no fundo uma parte da minha família, e a parte da minha família do sul. E por isso percebemos, Marrocos é a capital mais perto, Rabat. E senti-me em casa. Então quando ia para o campo eu senti-me em casa. E eu vestia-me como as mulheres de lá. E a Leonor também. Tem fotografias aí nesse livro em que estamos as duas vestidas marroquinas completamente.

Leonor: Nesse livro a última página fui eu que tirei a foto.

MLG: Este, "Raízes"? Este [livro] é posterior àquele [aponta para o outro livro].
MM: É. Este foi o Dr. Augusto Athayde e a família, a Dr.ª Margarida, que me convidou para fazer sobre o Jardim [Botânico] José do Canto, dos Açores.

 

MLG: Com um texto de abertura da Maria Filomena Mónica, maravilhosa socióloga, e que aliás tem um livro sobre a família. (...) E agora, para as duas, até porque já foi aqui falada, alguém que é regularmente visitado pela Leonor. Ora vê: Maria Jorge.
MM: Ai, é a minha avó!

Maria Jorge [mensagem gravada] Olá Margarida! Olha, é para lhe dizer que admiro imenso a sua coragem, das coisas em que você se tem metido e que tem trabalhado e tem conseguido. Um beijinho.

MM: É a avó. É a avó de coração, que a Leonor vai ver.

MLG: Exatamente, de quem falaste que está agora num lar.
MM: Exatamente.

MLG: Mas que é visitada pela Leonor.
MM: E fomos nós que tratámos da ida dela para o lar e fomos nós, com o grupo de amigos, que a ajudámos este último ano, porque ela estava a ficar muito doente sozinha e não podia estar sozinha, tinha que tomar uma medicação. E hoje em dia ela está muito feliz, a gente vai vê-la, a gente vai buscá-la para almoçar. Porque ela pode sair, ela vai comprar todos os dias o seu jornal, vai comprar o Público.

MLG: Está autónoma. Mas ali está apoiada. Se for necessário um médico, um enfermeiro...
MM:  Imediatamente. Porque ela tem um problema grave de diabetes e tinha que ser tratada. [Olhando para a Leonor] Como é que tu conseguiste isto?

MLG: Ela consegue tudo, a Leonor. É a tua filha, não é? Consegue tudo.
Leonor: Nisso eu saí à mãe.

MM: Ela é boa para produção, sabes?

MLG: Fez produção connosco [risos]. Para esta conversa.
Leonor: Eu no sábado tentei convencer a minha avó, fui buscá-la ao lar, fomos ao jardim e disse-lhe que estávamos a fazer uma surpresa para a minha mãe, que ela vinha à televisão e que eu também vinha, e eu pensei para mim: vai demorar mais do que 10 minutos a fazer o vídeo mas tenho de pegar no telefone e pôr a gravar e foi logo, à primeira (...)

MLG: Ó Leonor, o que é que faz da sua vida?
Leonor: Eu agora estou desempregada. Estive a trabalhar quatro anos na Altice. Tirei o curso de eventos no 12º e tirei um ano de cozinha.

MM: Mas ela é boa é em produção.

Leonor: Sim. Eu aprendi mais produção e relações públicas com a minha mãe. Eu se pudesse continuar na área continuaria, porque é uma área que eu gosto e é uma área em que eu já estou habituada por ajudar a mãe nos eventos e é uma área que eu sou realmente boa.

MLG: E portanto é por aí que quer continuar.
Leonor: Sim.

MLG: Como é que está a lidar com esta fase de desemprego?
Leonor: Mal. É como se eu estivesse a bater com a cabeça na parede.

MM: Ela só está desempregada há menos de um mês.

MLG: Mas para quem é ativo... não é? Mas pronto, mas também certamente vai aparecer aí coisas para fazer. Margarida, eu não deixei de fazer as perguntas incómodas que tinha para fazer, até porque houve quem duvidasse nas redes sociais da minha isenção e eu nunca deixo de colocar as questões até porque com elegância nós podemos perguntar tudo.
MM: Tudo!

MLG: O que é que tu esperas com esta conversa e com esta vinda à televisão? Achas que esclareceste algumas dúvidas que as pessoas possam ter?
MM: Ó Manuel Luis, há sempre pessoas que vão ficar com dúvidas.

MLG: E para sempre.
MM: Para sempre. Há sempre pessoas que nunca acreditam porque acham que, sempre que a gente faz qualquer coisa, tem um interesse.

MLG: E mesmo que vás a tribunal e o juiz te ilibe de uma coisa, fica sempre a suspeição na cabeça de muitas pessoas.
MM: Oiça, da Abraço, eu nunca fui a julgamento, eu ganhei o processo e continuo a ver nas redes - não fico nada preocupada, quando as pessoas são mal-educadas eu bloqueio, só me dou com quem quero.

MLG: Mas que imagem é que esperas que as pessoas tenham...
MM: Espero que as pessoas fiquem a perceber o que é que se passou e eu espero que as pessoas fiquem a perceber que... E os meus funcionários, sabem? Há uma coisa que é assim, Manuel João, as pessoas que trabalharam comigo...

MLG: Manuel Luís, não sou Manuel João. Mas não desgostava desse nome, por acaso.
MM: Mas sabes, agora troquei por causa de Manuel João Trigo.

MLG: Ah, sim, sim.
MM: Manuel Luís, eu posso dizer que os meus funcionários sabem quem eu sou. Sabem que tudo o que chegava para a junta ia para eles.

MLG: Tu já foste a "Guida Gorda" do Frágil, a Margarida da Abraço, a Margarida da Junta de Freguesia de Arroios. Então, quem é hoje a Margarida Martins?
MM: Sou a Margarida Martins.

Leonor: Não, é Margarida do crochet [risos].

MLG: E das fotografias e dos gatos.
MM: E de tratar dos velhos e vizinhos.

MLG: Ela vai ser a velha dos gatos [risos]
MM: Eu vou ser a velha dos gatos. [risos]

MLG: Obrigado às duas. Um grande beijinho, Margarida; um grande beijinho, Leonor - adorei ver-te!
MM: Vamos tirar uma fotografia em conjunto.

MLG. Vamos, pois.
MM: Muito obrigada.

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