"Eu não estou velha e acabada". A menopausa traz calores, peso, irritabilidade mas também uma certeza: "Não é um fim, é uma mudança" - TVI

"Eu não estou velha e acabada". A menopausa traz calores, peso, irritabilidade mas também uma certeza: "Não é um fim, é uma mudança"

Mulher, onda de calor. Foto: Monika Skolimowska/DPA/AFP via Getty Images

Cristina achou que estava doente quando começou a ter hemorragias abundantes. Mafalda tinha alterações de humor e sentia-se "capaz de matar meio mundo". Sónia consultou uma especialista que a mandou fazer caminhadas e entrar para um clube de leitura. Todas as mulheres que passam pela menopausa falam da dificuldade que ainda existe em falar do tema e da incompreensão generalizada

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Sónia Santos tem 49 anos e há quase seis que não precisa de comprar pensos nem tampões. Com doença de Crohn severa, teve de ser operada para retirar parte do intestino e os médicos decidiram retirar-lhe também os ovários. Tinha 44 anos e nunca mais teve menstrução. "72 horas depois da cirurgia tive o primeiro afrontamento", conta. "Na altura, não percebi do que se tratava. Só quando começaram a ser mais frequentes é que associei o sintoma à menopausa e decidi consultar a minha ginecologista." O que acontece com a menopausa cirúrgica é que as mulheres não passam pelo período da perimenopausa - o que algumas consideram um alívio, por não terem de passar por sintomas prolongados, mas que também pode ser bastante agressivo. "Nunca tinha tido nenhum sintoma. Não tive como me preparar. É claro que sabia dos afrontamentos, sabia que haveria flutuações de humor, dificuldade em dormir, essas coisas. Mas era tudo muito vago. Ninguém nos diz como vai ser."

A ginecologista fez-lhe uma ecografia e análises hormonais, que confirmaram a menopausa, e receitou-lhe um medicamento com estrogénio com o objetivo de "retardar o envelhecimento precoce que a menopausa provoca (a secura vaginal, a pele descaída, os cabelos brancos...)". O que é que isso provocou? "Inflei como um balão", recorda Sónia. "Engordei desmesuradamente, como nunca me tinha acontecido. E isso foi um choque para mim. Não reconheci o meu corpo. Voltei à médica, queixei-me, e ela disse que era normal, que fazia parte. Mas eu fiquei muito revoltada com aquilo. Achei que precisava de mais respostas."

Foi à procura de uma consulta de alguém especialista em menopausa. Foi uma pesquisa difícil, até que encontrou uma consulta num hospital privado. "Fui recebida por uma senhora mais velha do que a minha mãe, que me disse: minha querida, o que tem de fazer é juntar-se àqueles grupos de fazer caminhadas ou ir para um clube de leitura, entretenha-se. Fiquei logo apreensiva com este tipo de sugestões para alguém de 44 anos. Além disso, uma das coisas de que me queixei foi que tinha ficado com um peito enorme e ela disse-me: compre um soutien de desporto, os soutiens de desporto são ótimos porque disfarçam o tamanho e não lhe dão essa sensação de dimensão. Senti-me super-defraudada, tinha ido com imensas expectativas e saí de lá a mandarem-me para clubes de caminhada e de leitura. Não, não é isso que eu quero."

A terceira tentativa não correu melhor. "Fui a outra médica, que se dizia especialista no envelhecimento da mulher, que me aconselhou, a propósito da falta de líbido, que é outra coisa que a menopausa traz: faça, faça, isso é só um buraco." Sónia ficou perplexa: "Não, isto não é só um buraco, isto é um buraco que está agregado a uma pessoa e essa pessoa sou eu e eu estou infeliz".

Aos 50 anos ainda há muita vida para viver

Contada assim, a história de Sónia parece quase anedótica. Mas o mais triste é que é verdadeira. "A maioria dos médicos desvaloriza por completo a menopausa", concorda Mafalda, de 47 anos. "Dizem-nos que é tudo normal, que não há nada a fazer, que temos de aguentar. Mas eu não estou velha e acabada e não posso ficar resignada em casa, porque posso ter um afrontamento a qualquer momento. Tenho de fazer a minha vida e quero fazer muitas coisas."

Sónia concorda: "Olham para nós como se nos quisessem pôr ali num ferro-velho de mulheres, mas eu não quero ser essa mulher, porque quando me olho ao espelho sinto-me triste porque o meu corpo já não é o que era, porque vejo as minhas rugas e a minha pele a começar a ceder à lei da gravidade, mas a minha cabeça não tem 50 anos."

Em 1960, a esperança média de vida das mulheres portuguesas era de 66,7 anos, segundo os dados da Pordata. Em 2020, esse número aumentou para 83,4. Se mais não tivesse mudado, só isto bastava para nos fazer pensar: aos 50 anos, se tudo correr bem, uma mulher ainda tem muita vida para viver. Com esta idade a maioria das mulheres é ativa, tem um emprego e pode perfeitamente estar a abraçar novos desafios (a idade da reforma é só aos 66 anos). Por esta altura, os filhos podem já ser crescidos e autónomos ou ser ainda adolescentes, uma vez que a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho é de 30,9 anos, segundo os dados de 2021 em Portugal.

Portanto, a menopausa não é o fim de nada. Nem sequer é o fim da capacidade reprodutiva, uma vez que as técnicas de procriação medicamente assistista permitem prolongar esta capacidade. 

"Nós estamos a assistir a uma mudança no paradigma do que é entrar na menopausa e do que é uma mulher na menopausa", explica a psicóloca Marta Calado, da Clínica da Mente. "As mulheres estão a engravidar e a iniciar a vida familiar cada vez mais tarde. E com esta idade são, cada vez mais, mulheres com um aspeto saudável, com beleza, bem sucedidas de diferentes formas e bem resolvidas."

"Isto significa que a menopausa já não é o bicho papão que era para a geração anterior", diz Marta Calado. Ou pelo menos não deveria ser. "Existe ainda um preconceito de que a menopausa é o fim de uma era, existem alguns estigmas por parte da sociedade. Mas têm de ser combatidos. Porque a verdade é que não é um fim. É uma mudança. Uma transição para um novo período de sentimentos, de experiências, de vivências. Mas não tem de ser uma rampa cronológica para a entrada na velhice."

O que é a menopausa?

51 anos. Esta é a idade média com que as mulheres vivem a menopausa. Depende de mulher para mulher, mas, como explica a ginecologista Sílvia Roque, de uma maneira geral a menopausa acontece entre os 45 e os 55 anos. Antes dos 45, dizemos que é uma menopausa precoce; depois dos 55 chama-se tardia.

O diagnóstico da menopausa não depende de qualquer exame médico, é feito pela própria mulher: basta contar 365 dias após a última menstruação. "Com um ano de menorreia, se não houver outra causa fisiológica, considera-se que a mulher está na menopausa", explica a médica do Hospital Lusíadas Lisboa.

O período antes da menopausa, quando começam os primeiros sintomas, é a chamada perimenopausa. Uma etapa geralmente difícil porque é marcada por grandes oscilações hormonais. "É a fase mais desafiante, a que dá mais trabalho", admite Cristina Mesquita de Oliveira, autora do livro "Descomplicar a Menopausa". Irregularidade da menstruação, ondas de calor, suores noturnos, problemas urinários, irritabilidade, hipertensão, dores de cabeça e vertigens, dores nas articulações ou dores musculares, alterações no sono e oscilações no humor são alguns dos sintomas que estão geralmente associados a esta fase.

Muitos dos sintomas podem ser confundidos com outras causas. Há quem pense que está com uma depressão ou que é tudo por causa do stress, há também quem julgue que tem alguma doença grave. "Comecei a ter alterações do período menstrual em termos de periodicidade e de intensidade. Tinha hemorragias abundantes e pensei que tinha cancro. E muitas mulheres pensam isso, que estão doentes", recorda Cristina Mesquita de Oliveira, que tinha 46 anos quando começou a sentir aquilo que, visto agora em retrospetiva, ela sabe que eram sintomas da menopausa.

"Tinha mais irritabilidade, mas como eu sempre tive mau feitio, ninguém achava estranho. Também comecei a ter alguma dificuldade na memorização e na capacidade de concentração, dificuldade em lembrar-me das coisas e até a coordenar o discurso quando fazia apresentações públicas. Podia ser da idade, mas também não era assim tão velha", conta. "Não me lembro o que aconteceu primeiro, mas foi uma sucessão de acontecimentos. E, quando eu falava com algum médico sobre isto, diziam-me que era normal, que era do stress, do cansaço. Quando as coisas começaram a intensificar-se e outras se juntaram - deixei de ter vontade de fazer exercício físico, que sempre adorei fazer, comecei a sentir muito calor mas só na parte superior do corpo - falei com uma amiga que me disse claramente que estes eram efeitos da menopausa."

O que acontece, afinal, no corpo da mulher?

Atenção à irregularidade da menstruação

O primeiro sinal mais comum da perimenopausa é a alteração do padrão menstrual. O espaço entre menstruações, a duração e a intensidade do fluxo começam a alterar-se e podem tornar-se imprevisíveis. Pode haver meses seguidos em que a menstruação não aparece e noutros vem mais do que uma vez. Isto acontece porque começa a haver uma carência de progesterona no organismo - sobretudo entre as mulheres que não fazem contraceção hormonal.

"A primeira hormona que começa a oscilar é a progesterona, e o estrogénio toma conta do organismo, por isso acontecem estas alterações. Deixa de haver uma regulação do período menstrual - se tomar a pilula ou tiver um DIU que repõe as hormonas em falta isso não se nota tanto, quando não, é o cabo dos trabalhos", explica Cristina Mesquita de Oliveira, que se lembra bem dessa fase em que era impensável usar umas calças brancas e tinha de viajar sempre com imensos pensos higiénicos e tampões - "Nunca sabia quando é que ia ter uma hemorragia abundante", conta.

Quem viu a série "And Just Like That" (HBO) é capaz de se lembrar que isso aconteceu a Charlotte que, depois de quatro meses sem período e de anunciar às amigas que "estava resolvida", foi surpreendida com o período:

Ondas de calor, afrontamentos, fogachos

Depois da progesterona, é o estrogénio que também começa a faltar. Surgem nesta fase os sintomas vasomotores, que são sentidos por 80% das mulheres em perimenopausa, como explica a médica Sílvia Roque. Estamos a falar das ondas de calor, também conhecidos como afrontamentos ou fogachos. As ondas de calor costumam começar como uma sensação súbita de calor intenso na parte superior do tórax que sobe para a face, estendendo-se de forma generalizada para o resto do corpo. 

Essa sensação de calor pode durar alguns minutos, sendo frequentemente associada à transpiração intensa e vermelhidão da pele, decorrentes da vasodilatação dos vasos da pele, que também causam sudorese e consequente perda de calor. A temperatura sobe rapidamente mas desce pouco depois.

As ondas de calor causam um enorme incómodo nas mulheres e podem ser mesmo incapacitantes em determinadas situações, sublinha a ginecologista Sílvia Roque. Além disso, são muito visíveis. "Para além do incómodo físico, que já é grande, existe ainda a pressão social", reconhece a psicóloga Marta Calado. É algo que não dá para esconder e é um sinal muito claro de que se está 'naquela fase'. Sónia sabe bem como é: "Os meus colegas mais novos acham graça quando eu me estou a abanar com o leque e mandam bocas, dizem que é a idade. Sim, exatamente, eu não me estou a abanar porque está calor, estou a abanar-me porque estou a ter um afrontamento. Não temos que ter vergonha. Deitar este tema para debaixo do tapete continua a revoltar-me."

Marta Calado confirma: "Isto é bullying. Ainda temos muito que fazer pela educação da sociedade para que se aceitem os afrontamentos com naturalidade, para que não haja comentários depreciativos ou de gozo que vão fazer com que a mulher se sinta ainda pior", diz a psicóloga. A boa notícia é que os afrontamentos tendem a desaparecer com o tempo.

O medo de engordar (e outros impactos no corpo e na mente)

A ginecologista Sílvia Roque enumera os muitos efeitos da perimenopausa e da menopausa. A falta de estrogénio e a falta de testosterona (a terceira hormona que entra em carência) têm impactos múltiplos no corpo e na mente e, às tantas, fica difícil dizer o que causa o quê. Até porque, muitas vezes, o que se passa é que alguns destes efeitos vêm intensificar os sintomas de outras doenças que já existam e também aumentar os impactos do envelhecimento natural com que o corpo está a lidar (por exemplo, alterações na capacidade visão).

Na longa lista de queixas das mulheres, encontramos à cabeça o aumento de peso. "É aquilo que todas as mulheres mais temem." Sílvia Roque afirma que a maioria das mulheres engorda em média três quilos nesta fase, por motivos vários. Por um lado, há um aumento de apetite (e pode até haver desejo por certos alimentos). Existem alterações no metabolismo, que levam geralmente a um aumento da massa gorda, sobretudo da gordura abdominal. Mas também sabemos que os tratamentos hormonais podem contribuir para o aumento de peso e que este está ainda ligado ao facto de as mulheres terem menos força no corpo e menos energia, e, por isso, se mexerem menos.

Juntemos a isto toda uma possibilidade de sintomas (não precisam aparecer todos nem todos ao mesmo tempo): dores musculares e problemas nas articulações. Osteoporose. Envelhecimento da pele, que fica mais flácida e com rugas. Surgimento de pelos faciais. Comichões. Alteração do odor do suor. Cabelo mais oleoso ou queda de cabelo. Alterações intestinais. Aumento da tensão arterial, arritmias e aumento do colesterol mau. Incontinência urinária. Infecções urinárias. Alterações dos padrões de sono, com tendência para insónias. Alterações no humor, irritabilidade. Dificuldade de concentração, perda de memória. Cansaço. Depressão. Diminuição da líbido.

A minha vida sexual vai acabar?

"Há homens incríveis - o meu é um deles - que vão perceber, mas há outros que não são e que não vão respeitar e se calhar até vão deixar as mulheres, porque elas se tornaram menos interessantes, porque têm mais conflitos, têm menos paciência, estão menos dispostas a servir", diz Sónia Santos.

"Ninguém pode estar bem com dores, com mau humor, com secura vaginal", confirma Mafalda. "É óbvio que isto altera a vontade de ter relações e a vida sexual."

É verdade: a diminuição da líbido é um dos sintomas da menopausa. "Antigamente, quando as mulheres deixavam de ter desejo sexual ou continuavam a cumprir as suas obrigações ou deixavam de ter relações", lembra a ginecologista Sílvia Roque. Felizmente, hoje em dia já não é assim. "As mulheres querem continuar a ter uma vida sexual ativa e com prazer, e isso é possível", garante, mesmo quando, já na pós-menopausa, surgem a secura e a atrofia vaginal.

"A secura vaginal pode causar dor nas relações sexuais, e é isso que leva muitas mulheres a rejeitarem o sexo", explica também Cristina Mesquita de Oliveira. "É preciso falar com o companheiro ou com a companheira", o diálogo é sempre a base de qualquer relação amorosa. Depois, há hidradantes vaginais que facilitam a penetração, há brinquedos sexuais que ajudam na estimulação e há sempre a imaginação". "É preciso sermos proativos e fazermos alguma coisa por nós."

A resposta das especialistas é clara: não, a vida sexual não acaba com a menopausa, fica diferente. "É possível haver uma redescoberta do prazer consigo mesma e junto do companheiro ou companheira, com mente aberta", afirma a psicóloga Marta Calado.

Aconselha-se uma ida ao cinema e que todos (não só as mulheres) vejam "Boa Sorte, Leo Grande", filme de Sophie Hyde, protagonizado pela atriz Emma Thompson, de 63 anos.

 

As constantes alterações de humor e a depressão à espreita

Com tudo isto, a vida toda da mulher muda. Como não? "As alterações de humor - causadas pela diminuição do estrogénio - podem influenciar a forma como a mulher se sente sobre si própria e afetam as relações (sociais e de trabalho). Existe uma maior irritabilidade, estão mais frágeis e por isso tendem a hipervalorizar os comentários dos outros", exemplifica a psicóloga Marta Calado.

Sónia lembra-se de pensar que estava a enlouquecer. "Num dia passas pela TPM, pelo período e pela ovulação", diz. Tão depressa se está feliz como com uma tristeza enorme. "Há um processo muito intenso. Tu ficas irritada. Respondes mal às pessoas. Pensas que estás a ficar louca, mas são as tuas hormonas que estão todas aqui aos saltos."

Mafalda recorda que se sentia "capaz de matar meio mundo": "É tudo junto. Uma pessoa está bem e de repente vem um calor que não se aguenta, transpira-se muito, é desconfortável e isso também perturba o sono, porque são umas ondas. Depois andamos irritadas, mal-dispostas, com muitas alterações de humor. Ficamos um bocadinho insuportáveis", admite.

Além disso, as alterações físicas têm impacto na autoimagem e autoestima da mulher. O facto de engordar, de os seus seios aumentarem de tamanho, de sentir que está a perder o controlo do corpo e também da mente, porque há perdas cognitivas, pode levar a um sentimento de frustração e a uma maior irrititabilidade, diz Marta Calado. "Podem estar mais sensíveis e com alterações de humor. O que, num quadro mais grave, pode levar à angústia e à depressão", explica a psicóloga. "Pode haver muita confusão mental que pode levar a questionar seriamente a sua identidade nesta fase da vida: quem é que eu sou? Estou a envelhecer e já não posso ter filhos, será que ainda sirvo? Que imagem é que têm de mim? O que é que esperam de mim? Pode haver um sentimento de inutilidade e de desesperança."

Além de tudo isto, sublinha a psicóloga, muitas pessoas na menopausa encontram a sua qualidade de vida comprometida devido ao stress por outros acontecimentos típicos desta idade: a saída dos filhos de casa, o surgimento de uma doença, divórcio ou mudanças na dinâmica do casamento, perda de um familiar próximo, tornar-se cuidador de um familiar, reforma ou pré-reforma, desvalorização profissional, medo da doença e da morte, medo de dificuldades financeiras, alteração da dinâmica social, solidão - tudo isto são fatores que podem também contribuir para a depressão.

É importanto "ir monitorizando o estado espírito" e procurar ajuda sempre que necessário.

"Menopausa Divertida": espantar fantasmas num grupo de Facebook

Depois de uma amiga lhe sugerir que o que se estava a passar com ela era a menopausa, Cristina Mesquita de Oliveira decidiu pesquisar: "Escrevi menopausa no Google e os primeiros resultados que apareceram foram: dentaduras, colas para dentaduras, produtos para a incontinência urinária, consultas médicas, medicação, mezinhas, tudo a afundar para a desgraça, para o fim da vida. Apareciam-me artigos médicos em inglês e algumas coisas do Brasil, mas num tom que também era de choro e ranger de dentes, não me servia. Eu disse não: eu não estou aqui, não estou nesta onda".

Foi por isso que decidiu criar no Facebook o grupo privado "Menopausa Divertida", que atualmente já tem mais de 30 mil membros e que entretanto já deu origem à Associação Portuguesa de Menopausa: "Tem sido um sucesso. É uma festa, o ambiente do grupo é extraordinário, de respeito de cuidado umas pelas outras. Muitas mulheres dizem que mudaram a sua vida pelo facto de poderem ver, ler e partilhar o que estão a sentir, sem se sentiren observadas, envergonhadas, julgadas".

A sua experiência neste grupo fá-la concluir que, acima de tudo, as mulheres "querem informação, querem formação, querem falar umas com as outras, procurar quem as entenda e querem um lugar onde não têm de pensar como é que se diz, um ambiente propício para que as pessoas se sintam à vontade" - e é tudo isso que Cristina Mesquita de Oliveira procura que aconteça ali, entre posts mais didáticos e outros mais divertidos, e sobretudo muitos desabafos.

Nos últimos cinco anos, Cristina tem-se dedicado por inteiro a investigar todos os assuntos relacionados com a menopausa, num processo que culmina agora, com o lançamento do livro "Descomplicar a Menopausa", escrito numa linguagem acessível e num tom familiar mas com todas bases científicas, garante. Chamam-lhe a "guru da menopausa" e ela aceita, rindo: "Nunca pensei que poderia ter tanto orgulho na minha menopausa. Estou muito grata à minha menopausa, neste momento sinto-me ainda mais fecunda do que quando tinha óvulos à disposição, a minha vida muda a vida de muitas pessoas e para muito melhor".

Informação e partilha: o importante é não ignorar o tema

Virginia Woolf referiu-se bastante a esta "condição das mulheres" de meia idade sem nunca a nomear. Mas o romance "Mrs. Dalloway" foi escrito em 1925 - nesta altura a menopausa era ainda encarada pela medicina e pela sociedade como uma doença. Porque é que o tema é ainda um tabu nos dias de hoje?

"80% das mulheres sofrem com a menopausa. E, destas, 85% sofrem muito e escondem-se. Pensam que estão doentes, que estão mais fracas, que já não prestam, que a partir daí é o descalabro. E não é. Apenas falta literacia", afirma a autora do livro "Descomplicar a Menopausa". "Estamos no século XXI e em Portugal, mas não só em Portugal, a menopausa continua a ser encarada de maneira envergonhada. Há uma norma social que continua a dizer que estes assuntos que são ligados à intimidade não se devem ignorar porque somos todos muito modernos mas devem ser falados discretamente", admite Cristina Mesquita de Oliveira. "Eu não gosto de esconder coisas debaixo dos tapetes, eu levanto os tapetes e quero que o pó venha ao de cima", declara.

Foi também para combater a desinformação e para tornar o tema cada vez mais comum que Helena Ferreira, de 53 anos, criou a página de Instagram "Ai, a menopausa". Investigadora universitária, Helena não tem formação em saúde mas em psicologia e em comunicação e tem bastante curiosidade. "Há muita desinformação, as pessoas dizem coisas que até podem ser perigosas", diz.

Desde que criou a página tem recebido muitas mensagens privadas. "As pessoas têm medo de se expor e têm vergonha de abordar este assunto publicamente. Chegamos ao século XXI e o tabu ainda existe", lamenta, recordando por exemplo o dia em que escreveu sobre a dificuldade em ter relações sexuais ou quando abordou a incontinência urinária: "Acho mesmo importante falar sobre estes assuntos. Naturalizar é importante."

Num dos posts, Helena Ferreira refere como, nos últimos tempos, tem havido uma mudança no discurso em torno na menopausa: "A narrativa realmente mudou, não sei se para melhor, passámos do 8 para o 80. Para as nossas mães era o fim de vida. E agora vendem-nos a eterna felicidade, como se bastasse ter um pensamento positivo para que não houvesse sintomas. Mas isto não é tudo bom e divertido", diz Helena Ferreira. "É por isso que a literacia é muito importante. Sabemos com o que contamos. Não vamos transformar tudo muito num drama mas também não vamos dizer que é maravilhoso. Os calores são horríveis, depois aprendemos que são curtos mas são de facto muito desagradáveis. Mas claro que há coisas piores. É sempre preciso encontrar este equilíbrio."

Sónia Santos também lamenta essa narrativa do "está tudo bem" que é mais uma forma de encobrir o tema e ignorá-lo: "De vez em quando aparecem umas mulheres de 50 e 60 anos, todas giras, a dizer, não tomei nada, não tive afrontamentos nenhuns. Pois, mas também há pessoas que tiveram bebés sem dor. São a exceção. Eu fico contente por elas. Mas a maior parte teve dor no parto e a maior parte vai passar por isto. E a maior parte não tem solução e não tem com quem falar e a maior parte não está acompanhada, começando em casa, passando pelo trabalho e a acabar na sociedade".

Informação e partilha - estes são os dois caminhos apontados pela psicóloga Marta Calado. Ler sobre a menopausa, procurando fontes de informações fidedignas (não embarcar em mitos nem em mezinhas) é importante para "compreender o que se passa com o corpo e o que se pode fazer para prevenir e diminuir os sintomas". E não ter medo de falar: "As mulheres devem falar com outras mulheres, para perceber que não estão sozinhas e também que há diferentes menopausas".

Hormonas, alimentação, exercício

"Ao início fiquei um bocado desmotivada, parece que é o principio do fim, já me doi tudo, parece que está tudo mal, é muito fácil entrar aqui num pensamento cíclico", recorda Mafalda. "Agora estou a aceitar. As hormonas ajudaram."

Sónia, Mafalda, Helena e Cristina estão a fazer terapêutica hormonal e sentem que esta as ajudou a controlar os sintomas e lhes trouxe mais qualidade de vida. "Tenho quase a certeza que há muita mulher com anti-depressivos, indutores de sono e outro tipo de medicamentos por causa da irritação, depressão, choro, mas é tudo uma questão hormonal", conta Helena. "Antigamente todas as mulheres sofriam dos nervos. Só que não. A culpa da irritação é hormonal. A menopausa é como TPM para a vida. E não pode ser. Se podemos contrariar isso, porque nos sujeitamos?"

Houve muita polémica, no passado, em torno das terapêuticas de compensação hormonal, porém, hoje em dia, os estudos comprovam que estas não têm consequências graves, garante Sílvia Roque. "Se não houver contra-indicação médica e se a mulher quiser, eu aconselho sempre este tipo de tratamento, mas não imponho", diz a ginecologista. Os benefícios são óbvios para o organismo e sobretudo para o bem-estar, uma vez que a reposição dos níveis hormonais permite diminuir grande parte dos efeitos associados à menopausa.

Há médicos que aconselham suplementos de vitaminas ou outros, que podem ajudar alguns sintomas específicos. O resto é o que todas as pessoas deveriam fazer: ter uma alimentação saudável, beber muita água para se manterem hidratadas e fazer exercício físico. "O importante, e que deve ser feito desde cedo, muito antes da menopausa, é educar para um estilo de vida saudável, de modo a prevenir as doenças e a permitr uma vida longa e com qualidade", diz Sílvia Roque. 

Não é o fim, é uma mudança

O idadismo - preconceito em relação a pessoas mais velhas - existe e as mulheres sentem-no mais do que os homens. "Muitas mulheres sentem que perdem o valor na sociedade, como se só servissem para a reprodução, como se, não podendo reproduzir-se, o resto não já não fosse importante. Há baixa de autoestima", afirma Helena Ferreira. E voltamos ao início da conversa. É mesmo preciso falar sobre o assunto e encontrar maneiras de dar respostas às dúvidas e preocupações das mulheres.

"Ajudou-me manter a medicação, fazer a compensação hormonal. E aceitar que este processo estava a acontecer. Mas há dias em que a tampa salta." Apesar de considerar que agora se encontra bem, Sónia Santos sente que a menopausa continua a ser um assunto importante e que devia ser mais falado - por si e pelas outras mulheres, incluindo para a sua filha: "Nós como mulheres temos muitas lutas, praticamente desde que nascemos. E esta é mais uma luta necessária. É tudo para esconder, temos de andar sempre escondidas. Temos de esconder o período e depois temos de esconder a menopausa, porquê?"

"Eu chego à conclusão que a menopausa é um desafio não só para nós, mulheres que estamos a passar por isso, é um desafio para a comunidade médica. Parece que ninguém quer debater o tema. As mulheres praticamente todas vão passar por isto. E que eu saiba não há uma equipa transversal, que nos acolha e nos perceba de forma transversal, porque nós somos afetadas psicologicamente, fisicamente, emocionalmente, há uma série de coisas que acontecem no nosso corpo e na nossa vida - e começa por uma coisa tão básica como é o peso, e passa até por coisas mais profundas como as alterações de humor", diz Sónia Santos. "Eu sei que não vou voltar para trás, porque é impossível, mas se eu puder andar para a frente com mais conforto, com mais qualidade de vida, com mais segurança, com mais autoestima, eu gostava. Até porque eu sinto-me com muita vida aqui dentro da cabeça, mesmo que acorde com uma dor aqui, com cabelos no queixo ou o que seja."

Marta Calado não podia concordar mais. "A mudança é real, não é uma coisa que está na cabeça das mulheres, não é uma invenção", explica a psicóloca. É importante que se diga. "A mudança existe. Mas cada mulher é uma mulher. O que é normal é sentirmos como nos estamos a sentir. Por isso, temos de assumir esta etapa, sem vergonhas e sem culpa. Tenho de assumir que estou na menopausa e que esta é só mais uma fase, mais uma mudança. Ser mulher é estar sempre a evoluir. Passámos a infância, depois a menstruação e a puberdade, a gravidez, a maternidade.Temos de transitar entre as diferentes fases com mais fluidez e aceitar as mudanças físicas e emocionais de cada fase, não com fatalismo, mas como uma adaptação, uma ressignificação de si mesma."

Não é por acaso que os ingleses lhe chamam "a mudança". Porque não é um fim, é mesmo uma mudança. O que falta mudar é as mentalidades. Para que cada vez mais mulheres saibam o que lhes vai acontecer e se preparem para a mudança. Para que consigam mudar sem vergonha e com a ajuda e a compreensão dos que a rodeiam. Para que desfrutem do resto da sua vida, sem menstruação, mas com felicidade.

"Assumir a menopausa não faz só bem às mulheres mas a toda a gente que convive com ela, porque há filhos, marido, família. Menopausa não é coisa de mulheres, é de vida", diz, com a voz da experiência, Cristina Mesquita de Oliveira.

Podemos começar por aqui: a 18 de outubro assinala-se o Dia Mundial da Menopausa e a Associação Portuguesa de Menopausa tem um programa de atividades para toda a semana. Depois, entre 26 e 28 de outubro, realiza-se em Lisboa o 18º Congresso Mundial da Menopausa, promovido pela Sociedade Internacional da Menopausa.

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