Chama-se metapneumovírus humano (MPVh), é um nome desconhecido para grande parte da população, mas que tem feito soar alguns alarmes um pouco por todo o mundo, sobretudo na Austrália e nos Estados Unidos, país onde os casos dispararam esta primavera.
Os dados facultados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge à CNN Portugal mostram que o nosso país tem também assistido a um crescimento da circulação e de novos infectados com este vírus. Mas é motivo para alarme? Os especialistas dizem que não.
“Efetivamente, foram reportados mais casos internacionais. O metapneumovírus pode atingir com maior gravidade em casos de coinfeção com outros vírus, que é o que nos preocupa mais, mas isto não é nada novo. Mas não creio que haja motivo para alarme, é algo que está identificado”, diz Manuel Ferreira de Magalhães, pediatra da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Centro Materno Infantil do Norte.
Hugo Rodrigues, pediatra na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo, fala de “um fenómeno que possivelmente já existia e possivelmente estaria subdiagnosticado antes” de se começar a fazer uma testagem mais massificada. Apesar do maior número de casos, o médico diz que não tem notado um aumento do desenvolvimento de doença e da gravidade do quadro clínico. “Isso são boas notícias”, diz-nos.
Na época de 2022/2023 - cuja contagem começou na semana 40 do ano passado e vai até à primeira de junho deste ano -, foram detectados 867 casos de metapneumovírus humano em Portugal: 34 nas redes sentinela (constituídas por médicos de Medicina Geral e Familiar) e 833 em hospitais (de acordo com a Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe).
O metapneumovírus humano pertence à família Pneumoviridae, tal como o vírus sincicial respiratório (VSR). O MPVh, que tem um período de incubação que vai dos três aos seis dias, pode causar doenças respiratórias superiores e inferiores, mas, ao contrário do VSR, que este ano levou a um aumento dos internamentos hospitalares pediátricos, “o mais frequente é não levar a doença grave, em bebés mais pequenos é que há um maior risco de gravidade”, esclarece Hugo Rodrigues
Dos diagnósticos feitos em hospitais entre outubro e junho, 53% dos casos de MPVh foram detetados em crianças com idade inferior a cinco anos, diz o INSA, que adianta ainda que, desde 2019, o vírus “foi mais frequente nos grupos etários extremos”, isto é, para além das crianças pequenas, afeta também os idosos.
Maior testagem faz disparar número de casos
“Desde dezembro de 2022, observou-se um ligeiro aumento do número de casos positivos para metapneumovírus”, dizem os especialistas do INSA. E só desde outubro há já quase o dobro dos casos detectados em hospitais durante toda a época 2021/2022, embora seja importante lembrar que no inverno de 2021 ainda vigoravam algumas restrições à boleia da pandemia, travando a probabilidade de contágio de vários vírus.
Olhando para a distribuição semanal de casos positivos para MPVh detetados nos hospitais, que o INSA enviou à CNN Portugal, nas épocas 2018/2019 houve apenas 66 casos, já em 2019/2020 foram 145 os diagnósticos de metapneumovírus humano, embora os dados terminem na semana 19, adverte o INSA.
A maior queda deu-se em 2020/2021, quando se diagnosticaram apenas 54 casos, uma descida de infeções que foi notória em quase todos os vírus respiratórios, à exceção do SARS-CoV-2, e que pode ser justificada com os confinamentos e medidas de proteção individual.
Na época 2021/2022 a subida do número de casos é já considerável e nesses meses foram contabilizadas 462 infeções por metapneumovírus humano, número que sobe para mais de 800 na época 2022/2023, mesmo que ainda não esteja terminada.
Quando questionado sobre o elevado número agora reportado, o pediatra Manuel Ferreira de Magalhães adianta-se a dizer que a maior e mais alargada testagem é a grande responsável, tal como defende o INSA. “Ainda bem que temos uma testagem de forma mais generalizada”, apressa-se a dizer. Mas, ainda assim, reconhece que os números podem até ser superiores aos identificados pelo INSA, pois nem todas as pessoas com sintomas respiratórios que chegam aos hospitais ou centros de saúde são testadas.
“A pandemia veio realçar a importância de um diagnóstico diferencial das infeções respiratórias e contribuiu para uma maior utilização das metodologias que permitem a realização do diagnóstico de outros vírus respiratórios”, defendem Raquel Guiomar e Nuno Verdasca, responsáveis pelo Laboratório Nacional de Referência para o vírus da Gripe e Outros Vírus Respiratórios do INSA.
Até à chegada da pandemia, a vigilância da gripe e dos vírus respiratórios decorria no período de outono–inverno (com início em outubro, na semana 40, e fim em maio, na semana 20 do ano seguinte), no entanto, e uma vez que muitos vírus respiratórios mudaram o seu comportamento e sazonalidade, a vigilância é feita durante todo ano.
Quando comparado com outros vírus respiratórios, o MPVh fica claramente abaixo face ao SARS-CoV-2 (2020 e 2021, sobretudo) e ao vírus da gripe, que só nesta época 2022/2023 levou a 10.302 casos diagnosticados em hospitais.
“A deteção dos metapneumpvírus em casos de infeção respiratória representou entre os 2 e 6% da totalidade dos vírus respiratórios identificados”, explicam os especialistas do INSA, que descartam alarmismos e defendem que “devido à alteração dos critérios de testagem ao longo das épocas, os dados de comparação devem ser interpretados com cautela”.
O pediatra Hugo Rodrigues, também autor da página Pediatra Para Todos, defende que como “agora testamos muito mais” torna-se mais provável “encontrar mais vírus”, ou até mesmo grupos afetados distintos do habitual, “um pouco como se passou com o diagnóstico de VSR na população idosa: era muito raro testar nos adultos” e quando se testou ficou-se a saber que são também afetados.
Para o médico Manuel Ferreira de Magalhães, este crescimento de novos casos merece sempre “atenção”, mas reforça que não há motivo para “preocupação”. Defende até que a testagem deve manter-se, mesmo que isso resulte no conhecimento de mais casos, pois só assim é possível definir a melhor abordagem terapêutica face aos sintomas e vírus.
Sazonalidade alterada pela covid-19 (e isso também traz mais casos)
Tal como a maior parte dos vírus respiratórios, a circulação de metapneumovírus ocorre principalmente nos meses de inverno, mais concretamente, diz o INSA, entre a semana 48 e a semana 15, o que corresponde a outubro e fevereiro.
No entanto, na época 2019/2020, que coincidiu com o momento em que foi decretada a pandemia da covid-19, “o metapneumovírus estava na fase de maior circulação, de acordo com o seu padrão de circulação habitual”, diz o INSA. Nas épocas seguintes, tal como se verificou com a gripe e com outros vírus respiratórios sazonais, “também o padrão de circulação do metapneumovírus foi alterado, tendo sido detetados casos positivos nos meses de verão no ano de 2021”.
“Efetivamente, depois da pandemia, toda a sazonalidade das infecções por vírus respiratórios ficou alterada”, diz Manuel Ferreira de Magalhães, dando o exemplo do vírus sincicial respiratório, “que vem classicamente entre novembro a março, ficou alterado, não houve durante a covid e depois veio no verão”. “Também o metapneumovírus ficou alterado e mudou a sua sazonalidade”, adianta.
No mês passado, a revista científica Journal of Infection publicou um estudo que analisa o comportamento do MPVh entre os anos 2014 e 2021 e concluiu que, para além de ter surgido uma nova variante, que reforça “a importância da vigilância virológica”, como dizem os autores, o vírus apresentou uma maior incidência em menores de dois anos nas épocas pré-pandémicas, mas que a própria pandemia mudou as regras do jogo, surgindo mais casos em mulheres adultas e pessoas com mais de 50 anos. A nível de impacto e sazonalidade, o estudo diz que “o MPVh apresentou morbidade significativa até o surgimento da pandemia de SARS-CoV-2 em 2020, não circulando novamente até o verão e outono de 2021”.
Para já, tal como explica o The New York Times, não há qualquer vacina para este vírus.