O Toluca saltou para a agenda mediática nacional com a surpreendente transferência de Paulinho, avançado do Sporting, para o clube mexicano. Desde os primeiros rumores, avançados em primeira mão pelo Maisfutebol, até à oficialização, distaram 14 dias. Agora, Paulinho aventura-se pela primeira vez no estrangeiro numa Liga que não costuma ser acompanhada pelos portugueses.
O Maisfutebol falou com Nuno Campos, treinador-adjunto do Toluca, que tem Renato Paiva como técnico principal, não só para compreender esta transferência e a envolvência do Toluca no futebol mexicano, como também aquilo que Paulinho pode trazer à equipa.
Sublinhando que a liga mexicana é a quarta mais vista em todo o mundo, Nuno Campos diz que a competitividade do campeonato é bastante grande – até pelo formato, composto pelo Apertura e Clausura – bem como a qualidade dos executantes. A fase Apertura começa neste fim-de-semana.
O ex-treinador principal do Tondela e Santa Clara confirma ter rejeitado abordagens desde Portugal (foi associado ao Gil Vicente recentemente) porque preferiu manter a «felicidade» que diz ter encontrado no Toluca. Chegado ao clube em dezembro do ano passado, os diablos rojos chegaram aos quartos-de-final do Clausura em maio, com um registo ofensivo assinalável.
Esta é a primeira parte da entrevista com Nuno Campos. Na segunda, o técnico fala sobre as experiências como treinador-principal e as passagens em Itália, Ucrânia, FC Porto, Sp. Braga e Paços de Ferreira ao lado de Paulo Fonseca, de quem foi adjunto durante mais de uma década. Pode lê-la aqui.
Eu gostaria de começar pela notícia que tem vindo a trazer o Toluca para os jornais portugueses, que é a ida do Paulinho para o clube mexicano. Entende esta mudança, sendo a primeira aventura no estrangeiro e logo na Liga mexicana? Entende as razões que o levaram a aceitar este convite?
Não só entendo, como vou explicar claramente a diferença entre haver dúvidas ou o Paulinho ter todas as certezas para vir. A Liga mexicana é a quarta mais vista do mundo em termos de telespetadores. É algo que as pessoas desvalorizam, talvez porque na Europa não se fala dela, é desvalorizada, mas é a quarta liga mais vista do mundo segundo um estudo do CIES (Observatório do Futebol). Depois, o campeonato mexicano, em termos de público nos estádios, ou estão cheios, e estamos a falar de estádios para 40 mil pessoas, ou estão praticamente cheios, em recintos de 60 mil pessoas. Portanto, a envolvência dos adeptos é muito grande. Depois, as condições de trabalho dos clubes todos são muito boas - não só do Toluca, mas especialmente aqui. Portanto, nesse aspeto, o Paulinho sai de um grande clube, mas vem para um grande clube. Depois, há a questão financeira, que também está ao nível das melhores ligas da Europa, na maioria dos casos, não falamos do topo dos ordenados que se paga no Chelsea ou no Manchester City, mas está ao nível das equipas da Europa que já pagam bem. Ou seja, todos estes ingredientes fazem com que o Paulinho, ao tomar conhecimento de todas estas situações, tenha tomado uma decisão que eu acho que é fácil de tomar. Sentiu que poderia vir ajudar. A envolvência agradou-lhe imenso e está aqui para nos ajudar.
E imagino que, para vocês, ter um jogador como o Paulinho seja algo muito bem-vindo.
O Paulinho é um jogador que tem muitas valências. Como pessoa, começa logo por aí, pois é uma pessoa fantástica dentro de um grupo de trabalho e vai-nos ajudar imenso também dentro do balneário dos jogadores. Porque traz a experiência, traz os títulos agregados com ele de campeão, traz a sua forma de ser também exigente para com os colegas. Depois, tem liderança dentro do balneário e vai impor-se naturalmente, porque essa parte é inata. Dentro do campo, vai-nos ajudar muito também, porque tem as características que nós necessitávamos para um avançado. Tem a capacidade de demonstrar claramente que vai ser uma mais-valia neste campeonato. Portanto, eu acho que vai ser muito bom para todas as partes. O clube fez uma grande contratação. Não só como jogador, mas como pessoa, traz para o clube muitas coisas boas e eu acho que todas as partes vão ficar muito mais ricas depois de ele ter vindo.
O próprio Nuno já disse que, por vezes, não se valoriza devidamente a Liga mexicana, mas uma transferência como esta pode 'abrir' as portas do jogador português para o México? Claro que, por exemplo, já tivemos Eusébio no México há muitos anos e outros jogadores portugueses, que foram passando, mas não de forma consistente.
Nós já tivemos o Eusébio, já tivemos o Caixinha a ser campeão no México. Já tivemos o Ronaldinho Gaúcho a jogar no México. Por vezes não temos a noção exata de que o mercado mexicano é um mercado muito bom e por isso, na nossa cabeça, entre aspas, portuguesa, europeia, preferimos dar ênfase a outras Ligas não tão fortes como a mexicana. Mas acredito que a vinda do Paulinho vai fazer com que as pessoas estejam mais atentas ao campeonato. Vai fazer com que as pessoas vejam a envolvência dos estádios, o número de espectadores, o número de pessoas envolvidas nisto tudo e as condições de trabalho. E então, naturalmente, isso vai trazer a visibilidade necessária para compreender melhor este fenómeno que é o campeonato mexicano.
Como é que caracteriza o Toluca, para alguém que não conheça tão bem este clube?
O Toluca é uma das maiores equipas do México. É a terceira com mais títulos do país. Já não ganha desde 2010, de facto, e isso naturalmente é algo que se quer mudar, mas que leva o seu tempo. Nós temos feito um trabalho que tem vindo sempre em crescendo e que faz com que as pessoas acreditem cada vez mais que, cada torneio que passe, pode ser esse o nosso ano. E essa consistência vai levar a que o Toluca, nos próximos tempos, possa vir a disputar as finais para ganhar. E o clube é muito grande em termos de prestígio aqui no México. Com uma massa adepta fantástica que enche os estádios, assim que saem os bilhetes. Ficam logo esgotados para a época inteira. O estádio está sempre cheio. É chamada a 'Bombonera dois' porque a envolvência no dia do jogo é mesmo muito grande. Os cânticos e toda essa animação do estádio faz com que seja difícil para os rivais. Portanto, o Toluca é um dos grandes do México. Há quatro ou cinco equipas muito grandes no México e há sempre uma concorrência grande por todos os títulos, por todos os jogos, pelas classificações. A fase regular e a fase de play-off também diferem do que é na Europa. Na fase regular, naturalmente, as melhores equipas apresentem-se melhor, mas depois os play-offs podem fazer com que haja alguma surpresa.
Queria perguntar-lhe exatamente sobre isso mais à frente, mas até antecipo a pergunta. Como é que lida com o facto de, ao contrário das ligas europeias, pelo menos das principais, no México haver Apertura, Clausura e depois os play-offs? Acaba por ser confuso para muitos europeus, mas gostaria de saber se é desafiante enquanto treinador.
Para já, tem duas coisas muito boas. Há dois campeões num ano. Podem naturalmente ser o mesmo, o que aconteceu neste último ano, que foi o América, mas os dois campeões podem ser diferentes, o que faz com que em seis meses de competição os adeptos voltem a acreditar que vai ser no próximo torneio que a sua equipa seja campeã. Então, torna a imprevisibilidade também maior, dá a possibilidade de uma equipa que pode não ter estado tão bem na primeira fase do campeonato aparecer melhor e lutar outra vez pelo título, passado pouco tempo. E isso faz com que as pessoas acreditem muito mais, não se deixam esmorecer. Aqui é ao contrário, porque também os play-offs permitem sempre haver essa possibilidade de acreditar. Então, para quem está envolvido nesta dinâmica, é algo que permite sempre o acreditar dos adeptos, o acreditar da estrutura, o acreditar de quem está à volta. E não, passado quatro, cinco meses, as pessoas desligarem um pouco da sua equipa porque acham que já não tem possibilidade de lá chegar. Essa é uma das vantagens da competição ser desta forma. Naturalmente que os play-offs trazem o outro lado para quem gosta da fase regular. Vamos aos play-offs como uma eliminatória da Champions, em que tudo pode acontecer. Por vezes, nem a equipa que joga melhor passa, ou a equipa que mais fez durante a fase regular acaba por passar. Essa imprevisibilidade é boa para os adeptos, no sentido em que estão sempre a acreditar.
E para a própria periodização, calendarização do treino, é diferente, por exemplo, de uma Liga portuguesa?
Não, não há diferença. Não há diferença porquê? Nós fazemos um torneio e o torneio dura cinco meses e meio, seis meses, depende um bocadinho de se chegamos mais longe ou não nos play-offs, mas a nossa periodização é em função de cada semana de trabalho, de cada adversário, como numa Liga portuguesa ou numa Liga europeia. A diferença é a seguir, pois vêm umas férias, que podem ser maiores ou menores, em função do próximo torneio que vai começar. Quem chega a uma final tem uma semana de férias, mas, por exemplo, quem fica pelo caminho na fase regular tem um mês, ou seja, a periodização depois no final vai-se adequar ao início da próxima temporada. Não nos afeta diretamente durante a competição, o que pode afetar é depois, mas é um efeito que também não é muito grande.
Falando agora mais especificamente sobre o Nuno, como é que avalia este impacto inicial? Já foi há alguns meses, em dezembro, que começaram esta aventura no México.
Nós, portugueses, não tínhamos um olhar tão clínico, tão apurado sobre a Liga mexicana. Eu acho que foi uma surpresa muito positiva. E essa surpresa positiva tem a ver com toda a envolvência de que eu já falei, das condições de trabalho, do número de equipas que lutam para ser campeãs, da dimensão do futebol mexicano nos estádios e também na televisão. Essa surpresa toda veio ainda colocar a outra parte, que é a qualidade do jogador mexicano. Eu, por exemplo, já tinha tido dois jogadores mexicanos quando estive no FC Porto, o Herrera e o Reyes, a qualidade do jogador mexicano eu já a conhecia. Portanto, nessa parte não foi uma surpresa, mas sim o confirmar da qualidade do jogador mexicano, da sua capacidade técnica, e também da sua capacidade de trabalho. Faltava um trabalho, se calhar, um pouquinho mais tático que o treinador português aporta nestes casos, e que nós viemos trazer para que nos posicionássemos possivelmente mais próximo do que é trabalhar na Europa. As condições que o clube nos dá são fantásticas. Portanto, desde o dia em que cheguei que comecei a ter as surpresas positivas, mas, passado pouco tempo, fiquei claramente com a ideia de que foi o passo certo. Foi, felizmente, um passo que me permitiu abrir muitos horizontes, que permite ter um conhecimento muito maior deste mercado, porque está aqui outro mercado à volta também, que também é bom, nomeadamente os Estados Unidos, e que nos permite mostrar também o nosso trabalho num mercado muito apetecível.
Falou há pouco em dois jogadores, o Reyes e o Herrera. Muitos outros exemplos podíamos dar de grandes jogadores mexicanos, mas corrija-me se eu estiver errado, tenho um bocadinho a sensação de que, por vezes, o jogador mexicano gosta muito de ficar na própria Liga, no próprio país, e vemos a seleção mexicana com muitos jogadores que jogam no próprio país, mas que tinham qualidade para jogar na Europa. Porquê?
Essa pergunta é muito interessante, e a resposta nada tem a ver com a falta de qualidade, porque eles têm muita qualidade, mas sim com o valor que ganham em termos de contratos aqui no México. Para irem para uma Europa eles iriam perder dinheiro, porque as equipas da Europa, quando os contratam, não são as equipas de topo, normalmente querem provas dadas na Europa primeiro. São as equipas médias que os querem contratar. Como tal, eles ganham muito mais dinheiro continuando na Liga mexicana, do que indo para a Europa, porque as equipas de meio da tabela de uma Espanha, de uma França, não pagam tanto como pagam aqui. O que é que acontece com alguns jogadores que vão saindo? Como são mais jovens, ainda têm a ambição de poder jogar nos melhores clubes europeus, e então abdicam de dinheiro, entre aspas, para mostrarem o seu valor lá fora e tentar abrir portas nos melhores clubes europeus. Herrera foi um dos casos de sucesso no Porto, e de facto fez uma carreira, depois foi para o Atlético Madrid, mas é um jogador que saiu novo, saiu novinho, deu um passo atrás em termos financeiros para depois dar passos em frente. Temos o avançado, o Santiago Jiménez, no Feyenoord. Hoje todos o querem e é um jogador fantástico, que teve que também sair cedo e não olhar à questão financeira para depois se promover lá fora, é um caso de sucesso.
No torneio Apertura, que acabou em maio, o Toluca esteve muito bem e ficou a três pontos do líder. Depois, nos play-offs, ficou nos quartos-de-final, estando agora também na antecâmara do início da Apertura. O que espera?
Quando chegámos, a equipa não tinha ido aos play-offs, ficando no 12º lugar. Não se tinha qualificado para os play-offs. Quando chegámos, terminámos a fase regular no 3º lugar, a três pontos do primeiro, tendo terminado essa fase regular como o melhor ataque da prova, e tendo passado diretamente aos play-offs. Já foi um feito que foi muito enaltecido aqui. As pessoas, os nossos adeptos, aplaudiram-nos de pé pelas exibições que fizemos e disseram que não merecíamos ter saído. No play-off, a sorte também tem algum peso. Quando viram as exibições, quando viram o que é que tínhamos feito também na fase regular, os adeptos levantaram-se em prol de enaltecer todo o nosso trabalho e isso deu-nos também aqui uma vantagem grande. Naturalmente que este é um ponto que agora queremos sempre melhorar, agora é pensar para a frente.
Falta falar sobre um ponto essencial que é o Renato Paiva. O Nuno esteve muito tempo a trabalhar com outro técnico, o Paulo Fonseca, teve também a sua experiência enquanto treinador principal, e agora é treinador-adjunto do Renato Paiva. Como é que o caracteriza enquanto treinador, é fácil trabalhar com ele?
Não vou falar bem dele… [risos, enquanto Renato Paiva surge na videochamada, ao lado de Nuno Campos]. Começando pelo fim, é muito fácil trabalhar com o Renato. Nós já nos conhecíamos há uma série de anos e falávamos muito sobre os detalhes do treino, sobre o que são as dinâmicas do treino, as ideias de jogo e tudo isso. É muito fácil trabalhar com o Renato, até pela autonomia que ele me dá. Nós, em termos de ideia de jogo, tínhamos uma ideia muito ofensiva aos dois, naturalmente que isso ajuda. Havia poucos pontos de discórdia ou que pudéssemos ter ideias diferentes aqui ou ali, havia muito pouco. E, com essas ideias a conjugar-se uma com a outra, fica muito fácil. Eu tenho uma autonomia muito grande e tenho de lhe agradecer muito. É mais a parte ofensiva que me toca e que me deixa muito feliz durante os treinos. Ele também acaba por ser uma pessoa muito aberta, não só comigo, mas com toda a equipa técnica, às nossas opiniões, às nossas reuniões, a tudo o que são coisas que possamos dar opinião para aportar algo para o grupo de trabalho, ou para a equipa. Ele quer muito que tenhamos uma opinião sobre as coisas. Acima de tudo, é trabalharmos felizes uns com os outros. Naturalmente, que o nosso líder tem de tomar as rédeas e fá-lo muito bem. Depois também há a ideia de jogo, que é uma ideia de jogo muito ofensiva, torna tudo mais fácil no ponto de vista da facilidade de execução. Porque somos treinadores porque gostamos de ter a bola. Aos jogadores também lhes agrada mais esse trabalho com a bola. Somos uma equipa grande, temos de ter uma ideia de jogo ofensiva, estamos no bom caminho para demonstrar às pessoas que com bola também é possível criar desequilíbrios muito mais do que só defender e depois contra-atacar. Nós acabamos por valorizar também muito os jogadores com essa ideia de jogo ofensiva e o clube está muito satisfeito com o nosso trabalho.
Para encerrar este capítulo do México, uma última pergunta. É verdade que teve recentemente a possibilidade de regressar a Portugal, nomeadamente para um clube da Liga, o Gil Vicente, e preferiu ficar no Toluca?
Eu tenho tido algumas abordagens, de uma forma geral, desde vários pontos. Tive em Portugal, mas também tive de outros pontos, outras latitudes. Eu estou muito feliz no Toluca. Deixe-me dizer que trabalhar com o Renato me tem trazido também a felicidade de poder outra vez voltar a estar satisfeito no campo, coisa que nem sempre é fácil com a pressão dos resultados e tudo isso em alguns contextos. E, como me sentia muito bem aqui, disse às pessoas que era muito difícil sair só pela questão financeira, que neste caso nem se colocava, caso fosse Portugal. Ou sair em função de projetos que por vezes não existem, porque são muito imediatos de dois meses ou três. Eu peguei em duas equipas e treinei dois meses em cada uma delas, mas sem fazer pré-temporada, ou seja, não são projetos. Para mim, é muito difícil tomar decisões quando começo a escutar as pessoas e não há ideias muito claras. Nas variadas abordagens que houve, aquilo que eu senti foi que quero ficar, muito mais do que ir para algum lado. Na altura, falei inclusive com o Renato também para o descansar em relação à minha tomada de decisão sobre as situações que houve, porque também estou muito feliz a trabalhar com o Renato. Claro que temos de deixar sempre as portas abertas, até porque na vida do treinador, quer por terminar contratos, ou quer porque às vezes saímos por algum motivo, temos de deixar sempre as portas abertas a que as pessoas falem connosco e analisar caso a caso. No meu ponto de vista, a prioridade será a felicidade e aqui estou muito feliz todos os dias a treinar. Neste momento, não tenho sequer em mente sair, porque acho que estou num ponto em que o ser feliz tem um peso muito importante na minha vida, e este campeonato, esta envolvência, trabalhar com o Renato e com os outros elementos da equipa técnica, da forma como temos trabalhado até hoje, deixa-me plenamente satisfeito no meu dia a dia.