Alergias, problemas de pele, infeções frequentes, dores de cabeça e inchaço. Quem nunca experimentou um destes sintomas - que apareceram de forma inexplicável? E o excesso de peso de que não se consegue livrar por mais que se esforce? Até o sentido de humor e o cansaço podem ser culpa dela, da microbiota. A médica internista e especialista em nutrição Sari Arponen tem-se dedicado a estudar os milhões de microorganismos que vivem dentro de nós e escreveu um livro intitulado precisamente “A Culpa é da Microbiota”.
De visita a Portugal, Sari Arponen falou com a CNN Portugal e deixou alguns alertas: é preciso dar o alimento certo às “bactérias boas”, que se alimentam de fibra, e impedir que as más, “que se alimentam de quase tudo”, proliferem. E se o que comemos é fundamental, o modo como levamos a vida não tem menos importância: as boas bactérias precisam que pratiquemos exercício, que socializemos e que durmamos bem. Já as más adoram o nosso stress crónico e a correria do dia a dia. Sari Arponen fala ainda sobre os sinais que as nossas fezes e o modo como evacuamos podem dar acerca da nossa saúde e do nosso estilo de vida. Basta estar atento e saber interpretá-los. E alerta ainda para os perigos do banho em excesso.
O que é a microbiota?
A microbiota é aquilo a que, até há pouco tempo, todos chamavam flora. É o conjunto de microorganismos que temos no nosso corpo: bactérias, fungos, vírus, protozoários e archaea. Temos microbiota na boca, no intestino, na pele, na zona genital... É importante cuidar dela porque cumpre muitas funções importantes para a nossa saúde: protege-nos de infeções por microorganismos 'maus', fabrica vitaminas, regula função cerebral e ajuda as nossas defesas a funcionarem melhor, entre muitas outras tarefas.
De que forma é que o que comemos influencia a nossa microbiota?
Os microorganismos do nosso corpo precisam de ser nutridos. E eles alimentam-se através dos alimentos que ingerimos. Existe justamente um tipo especial de alimento para as bactérias boas: a fibra, que agora também é chamada MAC ou 'carbo-hidrato acessível à microbiota'. Não somos capazes de digerir esta fibra mas é uma iguaria deliciosa para as nossas bactérias amigas. Portanto, se não os alimentarmos bem, as bactérias boas não conseguir crescer bem e as más começam a ocupar o espaço das boas. As bactérias más, por outro lado, podem alimentar-se de quase tudo, inclusive componentes de produtos ultraprocessados.
De que alimentos não devemos prescindir para cultivar uma boa microbiota? E de que alimentos nos devemos definitivamente afastar?
Legumes, frutas, nozes e sementes, azeite, cogumelos, peixes e mariscos são alimentos maravilhosos para ter uma boa microbiota. Também os fermentados, como iogurte, kombucha, chucrute ou kimchi. As leguminosas também são interessantes, mas é preciso mergulhá-las e cozinhá-las bem ou germinar. Tubérculos como batata cozida ou batata doce também são muito bons porque possuem amido resistente. O que não devemos comer é açúcar, nem produtos ultraprocessados como biscoitos ou pães industriais, pois contêm muito açúcar, aditivos nocivos para a microbiota e gorduras não saudáveis.
Chama a estes micro-organismos que vivem dentro de nós “nossos amigos”. Além da alimentação, o que podemos fazer para cuidar deles e tratá-los como tratamos dos nossos amigos de carne e osso?
Além de uma alimentação saudável, é fundamental fazer exercício, descansar bem e passar tempo na natureza e com outras pessoas e animais. Claro, também é importante lidar melhor com a correria da vida moderna porque o stress crónico também não nos ajuda.
E de que forma o exercício físico ou o sono podem influenciar a microbiota?
O exercício físico tem um efeito benéfico na saúde do cérebro e do sistema imunológico e isso já ajuda indiretamente a ter uma microbiota mais saudável. As boas bactérias no intestino aumentam quando você se exercita regularmente. No entanto, um estilo de vida sedentário favorece um estado de inflamação crónica que prejudica a microbiota.
Diz que não temos as mesmas bactérias dentro de nós de manhã e à noite. Porquê?
Os ritmos circadianos, ou seja, os ciclos biológicos de 24 horas do nosso corpo que dependem muito da luz e da escuridão (mas também dos horários das refeições, por exemplo) influenciam todas e cada uma das nossas células. Mas, além disso, eles também influenciam as bactérias do nosso intestino, mesmo que “não conheçam” a luz que está do lado de fora. Só por esse motivo a microbiota muda ao longo do dia. Mas, além disso, o tipo de alimentação também influencia e o pequeno-almoço não costuma ser igual ao almoço ou ao jantar.
Como escreve, não é nada glamoroso falar sobre fezes. Mas sublinha no seu livro a importância delas. O que é que as nossas fezes podem dizer sobre o nosso estilo de vida?
Como a maior parte da microbiota está no intestino e a formação dessas fezes depende de como digerimos e de que microorganismos estão no intestino, as fezes podem dar informações sobre o nosso estilo de vida e sobre a nossa saúde, dependendo se são mais ou menos duras, a frequência com que defecamos…
O tipo de fezes que fazemos pode revelar doenças que desconhecemos ter? Pode revelar erros que estamos a cometer? Será que me podia falar sobre o significado de cada tipo de fezes?
Por exemplo, se houver obstipação, ou seja, se as fezes estiverem duras (até como bolas de cabra), pode ser que haja excesso de microorganismos que produzem gás metano. Por outro lado, se houver diarreia, pode haver muitas bactérias nocivas no intestino ou excesso de sulfeto de hidrogénio. Também o excesso de fungos, como Candida, pode causar alterações na consistência das fezes. A falta de bactérias boas, como as bifidobactérias, também pode alterar as nossas fezes.
Mas que sinais de alarme concretos as nossas fezes podem revelar e nos devem preocupar?
Se houver obstipação, por exemplo, se as fezes forem como as bolas de cabra de que falava atrás, provavelmente há algum problema com a microbiota intestinal. O mesmo acontece se houver diarreia. Sangue, muco ou pus nas fezes é um sinal preocupante. Se houver dor ao evacuar, também não é normal.
A microbiota da pele também é influenciada pelo que comemos?
A microbiota da pele será mais influenciada por coisas externas, como os cremes que usamos, a higiene, o tipo de gel de banho, a exposição ao sol ou à natureza... Mas também depende do que comemos, porque a nossa alimentação regula o sistema imunitário que está em todo o corpo e isso tem impacto na microbiota da pele.
A dada altura do seu livro fala importância do banho e dos produtos que usamos para a nossa higiene. E aconselha mesmo: “Não se lave tanto!”. Que influência pode ter o banho na microbiota da pele?
De cada vez que nos lavamos atacamos a microbiota da pele. Claro que devemos tomar banho e, se vivermos numa cidade, até é recomendado que o façamos diariamente. Mas é recomendável que o façamos apenas com água e utilizar gel ou sabonete apenas nas partes que podem cheirar pior, como as axilas, a área genital ou os pés. O resto do corpo não precisa que esfreguemos agressivamente a pele com sabonetes que matam os microorganismos bons. Claro que lavar as mãos depois de ir à casa de banho e antes de comer é importante.
Os medicamentos e os suplementos alimentares podem ajudar a resolver ou a mitigar o que os maus hábitos fazem à nossa microbiota?
Se já houver um problema significativo, os probióticos (microorganismos vivos que melhoram a saúde) ou os prebióticos (fibra) podem ajudar a equilibrar a microbiota, mas não serão suficientes por si só. Deve-se sempre levar em consideração que alimentação, exercícios, repouso, controlo do stress crónico e contacto com a natureza são essenciais para uma boa microbiota. Os suplementos por si só não serão suficientes.
Essas questões estão a começar a fazer parte do dia-a-dia das pessoas? Estamos mais preocupados com o que acontece dentro de nós?
Cada vez mais as pessoas estão preocupadas em saber como se cuidar verdadeiramente com estratégias de saúde abrangentes e baseadas na medicina do estilo de vida. Graças à pesquisa científica, agora sabemos a importância da microbiota e cada vez mais pessoas estão empoderadas no que respeita à própria saúde - e querem cuidar-se globalmente com estratégias 360º.
Os médicos estão realmente atentos a essas questões?
Talvez ainda haja algum gap ou separação entre ciência básica e medicina clínica nas consultas, mas há cada vez mais médicos verdadeiramente formados no campo da ciência da microbiota. É uma exigência dos nossos pacientes, por isso é certo que nos próximos anos o cuidado com a microbiota será cada vez mais levado em consideração.