Documentos confidenciais: o que são, quem pode ter acesso e o caso "bizarro" dos ficheiros no computador de Frederico Pinheiro - TVI

Documentos confidenciais: o que são, quem pode ter acesso e o caso "bizarro" dos ficheiros no computador de Frederico Pinheiro

  • CNN Portugal
  • MJC
  • 1 jun 2023, 18:15
Frederico Pinheiro na comissão parlamentar de inquérito à TAP (José Sena Goulão/Lusa)

António Costa garante que a documentação que estava no computador do adjunto de João Galamba "foi classificada pela entidade competente e consequentemente só podia ser acedida por pessoas legalmente credenciadas". Mas deixou muitas perguntas por responder

O que tinha Frederico Pinheiro no seu computador para que o SIS fosse chamado a recuperar o aparelho com urgência?

Segundo o ministro da Infraestruturas, João Galamba, o seu adjunto tinha no portátil informação classificada como confidencial.

Perante isto, uma das 15 perguntas que o PSD colocou ao primeiro-ministro foi: "A eventual informação estava classificada como confidencial nos termos legais? Se sim, quem estava habilitado a conhecê-la e por que razão?". Na resposta, António Costa garante que a documentação que estava no computador do adjunto de João Galamba "foi classificada pela entidade competente – o Gabinete de Segurança Nacional – e consequentemente só podia ser acedida por pessoas legalmente credenciadas". 

Ficou, no entanto, por responder que "informação ou documentação" estava guardada no computador do ex-adjunto e "que tipo de riscos estavam envolvidos" que levassem à actuação do SIS ou porque é que o SIS não recuperou o telemóvel de Frederico Pinheiro, além do portátil. São questões sobre as quais o primeiro-ministro diz não dispor de informação. A resposta do primeiro-ministro também não esclarece quem eram as pessoas credenciadas para aceder a essa informação, nem clarifica quem terá acedido a essa informação antes dela ser classificada.

"Alguém falhou aqui", conclui o jurista Vitalino Canas. 

Segredo de Estado ou do governo?

Procurando entender o que está em causa neste caso, a CNN Portugal contactou o jurista, que começa por sublinhar que é preciso não confundir o regime júridico do segredo de Estado – "que é uma lei da Assembleia da República, que se aplica a muito poucos documentos, em que estão em causa interesses vitais do estado português" – com a classificação de documentos prevista nas SEGNAC, que são resoluções dos Conselhos de Ministros que definem as normas de segurança nacional para os documentos classificados.

"Neste caso, estão eventualmente em causa interesses da política do governo, não se trata de um segredo de Estado", explica Vitalino Canas.

Estas resoluções foram aprovadas entre 1988 e 1994, ou seja, durante o governo de Cavaco Silva. Vitalino Canas considera-as inconstitucionais , "porque lidam com liberdades e garantias dos cidadãos" e, portanto, teriam de ter sido aprovadas pela Assembleia da República. "Quando fui deputado, tomei várias iniciativas para alterar estas resoluções, mas sem sucesso, e a verdade é que elas se mantêm em vigor", explica.

Esta legislação define os "princípios básicos e normas destinadas a garantir a segurança protetiva das matérias classificadas de âmbito governamental contra ações de sabotagem e espionagem e, ainda, a evitar falhas humanas susceptíveis de ocasionar comprometimentos e quebras de segurança", lê-se no resolução da SEGNAC 1, que é a que nos interessa para o caso.

A lei define os vários níveis de classificação e os precedimentos a tomar em cada um dos casos. "O Grau de Classificação de Segurança indica a importância da informação, o nível de restrição ao seu acesso, o nível de proteção a que a mesma está sujeita, o fundamento para a respetiva marcação e o seu correto manuseamento durante o seu ciclo de vida", explica a resolução citada e também o manual do Gabinete Nacional de Segurança (GNS).

Assim, os documentos podem ser classificados muito-secretos, secretos, confidenciais, reservados ou podem não ser classificados. 

Na polémica do momento estamos perante documentos classificados como confidenciais – grau atribuído "aos documentos, informações e materiais cujo conhecimento ou divulgação não autorizados possam ter consequências prejudiciais para o interesse do Estado Português, países aliados ou qualquer organização de que Portugal faça parte".

Este é, no entanto, um nível pouco elevado de segurança. Isso significa que a sua classificação pode ser definida por várias pessoas, desde o primeiro-ministro a diretores-gerais, passando por ministros, secretários e sub-scretários de estados, chefes de gabinete de ministros e outros.

"A primeira coisa a fazer quando uma informação é classificada é comunicar esse facto ao Gabinete Nacional de Segurança", diz Vitalino Canas. "Depois, isso tem determinadas implicações, no que toca quer ao armazenamento da informação quer ao seu acesso."

Quem tem acesso?

"Isso é determinado em cada caso em conjunto pelos responsáveis políticos e pelo Gabinete Nacional de Segurança".

O passo seguinte é a credenciação. "Qualquer indivíduo chamado, no exercício das suas funções, a manusear matérias classificadas de grau «Confidencial» ou superior deverá ser objeto de uma habilitação de segurança para obtenção de uma credenciação", diz a lei.

"Para se ter acesso tem de se ser credenciado pelo Gabinete Nacional de Segurança", sublinha Vitalino Canas. "Isso requer uma avaliação de segurança de cada pessoa – e é por isso que eu digo que há uma inconstitucionalidade. O gabinete vai investigar o perfil da pessoa, o seu passado, pode fazer uma entrevista, etc. e, depois, atribui ou não a credenciação para ter acesso."

O que é estranho neste caso, diz, é que "aparentemente ninguém fez a credenciação".

Falhas e "bizarrias"

Recorde-se que em entrevista à CNN Portugal, Frederico Pinheiro afirmou que ninguém no Ministério das Infraestruturas estava credenciado para aceder a informação confidencial. O ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas corroborou assim as declarações de João Galamba de que não estava credenciado para o acesso aos documentos classificados.

Sublinhou, no entanto, que os documentos classificados que tinha no computador o tinham sido por sua própria sugestão e que existem mais pessoas que tiveram acesso a estes documentos sem credenciação. “Esses documentos estavam, até à minha saída, disponíveis no arquivo do ministério que é livremente acedido por todos os trabalhadores“, acrescentou.

Isso mesmo tinha sido dito pelo ministro João Galamba que, na Comissão Parlamentar de Inquérito,  explicou que os documentos que estavam no computador de Frederico Pinheiro só foram classificados depois de terem sido requisitados pela CPI. Até então, não havia essa classificação, o que permitia o acesso do ex-adjunto sem qualquer barreira.

"Este processo tem várias falhas", conclui Vitalino Canas. "Primeiro, porque se os documentos eram sensíveis deveriam ter sido classificados no primeiro dia, logo que foram produzidos. Isso é que deveria ter acontecido. O documento ser classificado só depois de ter circulado por várias pessoas, que não sabemos quem são, e ser classificado só quando teve de ser enviado para a Assembleia da República é bastante estranho."

E, depois, há uma segunda falha porque o processo de classificação não foi concluído, não houve credenciação. "E nem a própria pessoa que tinha o documento estava credenciado, o que é bizarro", afirma. 

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