As histórias dos jogos grandes do invicto Mourinho para a Liga - TVI

As histórias dos jogos grandes do invicto Mourinho para a Liga

Benfica-Gil Vicente (JOSE SENA GOULAO/LUSA)

Treinador volta a jogar um clássico do campeonato quase 22 anos depois. Ganhou os oito primeiros e empatou os dois últimos

Sete mil, novecentos e três dias depois, José Mourinho vai voltar a jogar um clássico para a Liga. Agora pelo Benfica, onde a 3 de dezembro de 2000 se estreou em jogos grandes para a Liga naquele que foi o único grande dérbi da carreira – com o Sporting – o treinador, o treinador de 62 anos tentará manter um estatuto invejável: nunca foi derrotado no campeonato por qualquer um dos principais rivais.

Ao todo, Mourinho fez 11 jogos com os chamados grandes: dez pelo FC Porto e um pelo Benfica. Ganhou oito, empatou dois e perdeu um, mas este na final da Taça de Portugal, naquele que foi o último clássico no futebol português, quando foi derrotado pelo Benfica a 15 de maio de 2004, 11 dias antes da subida dos dragões ao trono do futebol europeu com a conquista da Liga dos Campeões.

Para a Liga, o técnico setubalense venceu os oito primeiros duelos que realizou e foi travado apenas ao nono (Sporting em Alvalade) e ao décimo (pelo Benfica na Luz), tendo pelo meio batido o recorde de um histórico.

Benfica-Sporting, 3-0 (03/12/2000): goleada na despedida

  • A dar alguns sinais de recuperação na Liga após duas vitórias seguidas, as águias chegam ao dérbi, ainda assim, no 6.º lugar da Liga. Mourinho, cabelo preto penteado para trás e preso pelo gel, recebe uma boa notícia a horas do grande jogo. João Tomás, que vinha de um hat-trick apontado ao V. Guimarães 15 dias antes, está em condições de ir a jogo após uma entorse num joelho que o deixou de fora do jogo da Taça com o Campomaiorense. O «Jardel de Coimbra» é lançado em campo à hora de jogo, altura em que o Benfica vence por 1-0 (golo de Van Hooijdonk de penálti aos 41m) e o Sporting carregava. «A ovação para João Tomás quando aos 61 minutos o avançado substituiu Van Hooijdonk podia parecer injustificada - os adeptos do Benfica receberam a entrada em campo do antigo ponta-de-lança da Académica como se fosse D. Sebastião a regressar de África para concretizar o Quinto Império, recordando os três golos que marcara em Guimarães», rezava assim o início da crónica do Maisfutebol. A expulsão de Pedro Barbosa por protestos contra Jorge Coroado aos 75 minutos lança as águias para uma vitória por números a roçar a goleada. D. Sebastião? Bisou com golos aos 78 e aos 82 minutos. Dois dias depois, José Mourinho deixa de ser treinador do Benfica. «O treinador fez um ultimato ao presidente do clube, exigindo que no prazo de 24 horas prolongasse imediatamente o seu contrato de trabalho por mais uma época, até 2001-2002», refere Tinoco de Faria, vice-presidente de Manuel Vilarinho para a área jurídica, em declarações sistematicamente cortadas por gritos de indignação dos associados. Junto ao dirigente dos encarnados estão outros membros da direção: Ricardo Martell, Mário Dias, José Santos, Moreira da Cruz e João Noronha Lopes.

FC Porto-Benfica, 3-2 (10/02/2002): o primeiro clássico pelos dragões

  • «José Mourinho é treinador dos azuis e brancos há pouco mais de duas semanas, mas assim que chega diz logo ao que vem: «Tenho a certeza de que vamos ser campeões nacionais para o ano. Tenho a certeza absoluta», dispara na apresentação pelos azuis e branco em pleno auditório das Antas. A 10 de fevereiro, reencontra o Benfica, de onde saiu pouco mais de um ano antes. Nas antevisões, Jesualdo Ferreira diz que os encarnados têm tudo para ganhar. Mourinho não tem dúvidas: o FC Porto é favorito. O Benfica entra a ganhar com um golo de Simão, mas os dragões empatam pelo inevitável Deco pouco antes do intervalo. No regresso dos balneários, Alenichev faz o 2-1 e Capucho o terceiro, aos 54 minutos. Bola ao centro e Mantorras reduz para as águias, num jogo como. Mourinho é expulso, segundo o próprio, porque dizer a palavra «porquê».

FC Porto-Benfica, 2-1 (20/10/2002): o primeiro do pleno

  • O FC Porto chega ao clássico líder da Liga com mais um ponto do que o Benfica, que cai para o segundo lugar depois da derrota com o Nacional da Madeira na semana anterior. Tal como no anterior duelo, o Benfica chega à vantagem (Tiago, 4m), mas os dragões encostam o rival às cordas e empatam aos 20m num autogolo de Éder Bonfim. Jorge Costa é expulso por acumulação de amarelos antes do intervalo, mas nem assim o conjunto de Jesualdo Ferreira consegue superiorizar-se. Aos 71 minutos, Éder Bonfim é expulso por acumulação de amarelos e dessa falta nasce o golo de Deco, num livre lateral direto que passa por cima de José Moreira. «Foi a vitória da coragem sobre o receio», dispara Mourinho após o jogo.

Sporting-FC Porto, 0-1 (11/01/2003): dragão fecha primeira volta invicto

  • O FC Porto chega ao clássico confortavelmente instalado na liderança, com 13 vitórias e três empates em 16 jogos, nove pontos de vantagem sobre o Benfica e 12 sobre o campeão nacional em título Sporting. «A vitória do FC Porto em Alvalade, sobre um Sporting deprimido e deprimente, é o desfecho inevitável para 90 minutos em que o difícil é dizer o que foi mais claro: se a esmagadora superioridade da equipa de José Mourinho, se a indisfarçável dimensão do desnorte que impera na equipa leonina. O 0-1 final é uma tremenda mentira: sem esforço os portistas poderiam ter somado mais dois ou três golos à demonstração de classe efectuada pela última vez em Alvalade», sintetiza o jornalista do Maisfutebol logo no primeiro parágrafo da crónica de um jogo decidido com um golo de Costinha logo aos 4 minutos. O FC Porto fecha a primeira volta da Liga sem qualquer derrota e com 11 pontos de vantagem sobre o mais direto perseguidor.

Benfica-FC Porto, 0-1 (04/03/2003): dominador durante toda a partida

  • Os azuis e brancos já perderam a invencibilidade na Liga, mas continuam a liderar confortavelmente o campeonato, agora com dez pontos de vantagem sobre o Benfica de José António Camacho, que ainda não perdeu desde que assumiu o comando técnico das águias. A velhinha Luz já está parcialmente demolida e junto a ela outro gigante de betão ganha forma. No campo, o FC Porto tem uma primeira parte demolidora, materializada «apenas» pelo golo de Deco aos 36 minutos. Na segunda parte, o conjunto de José Mourinho mantém-se senhorial e a expulsão de Ricardo Rocha (vermelho direto aos 70 minutos) acaba com qualquer esperança dos adeptos encarnados, que começam pouco depois a abandonar a Luz. «Fomos melhores do princípio ao fim e criámos as melhores oportunidades», analisa o treinador dos portistas após o jogo.

FC Porto-Sporting, 2-0 (01/06/2003): final perfeito

  • O FC Porto entra em campo em clima de festa. Já é campeão nacional (cumpre-se a profecia lançada por Mourinho um ano e meio antes) e vencedor da Taça UEFA, após bater o Celtic em Sevilha. Num jogo sem grandes motivos de interesse, os azuis e branco vencem com um golo em cada parte e muita naturalidade. Ainda assim, a vitória no clássico permite aos azuis e brancos fecharem a Liga com vitórias em todos os clássicos, feito raro no futebol português. Dias depois, o FC Porto junta a Taça de Portugal ao campeonato e à Liga Europa, fechando uma época perfeita com o tri.

FC Porto-Sporting, 4-1 (02/09/2003): alguém tinha de pagar

  • O FC Porto recebe o Sporting ainda a ressacar da derrota com o Milan na Supertaça Europeia e uma semana depois de um «estranho» empate na Reboleira com o Estrela. As dúvidas começam a levantar-se: será este FC Porto mais fraco do que o do ano anterior? «Estou contente com a forma como o grupo funciona, por a equipa jogar como equipa, por a equipa sofrer como equipa, e por a equipa estar motivada como equipa. E estou com eles. E é isto que me dá a garantia, a certeza e a segurança de que, de uma forma abstracta, alguém vai pagar», lança, em mais uma profecia, José Mourinho na antevisão ao clássico. Os dragões iniciam o jogo praticamente a ganhar, com um golo de Derlei logo aos 3 minutos, e regressam avassaladores dos balneários. Jankauskas faz o 2-0 aos 51m e Maniche sentencia o jogo pouco depois da hora de jogo. Rochemback reduz com pouco mais de dez minutos de jogo pela frente e reacende uma ténue luz de esperança para os leões. Que Benni McCarthy apaga com um penálti aos 89m. Mourinho bem tinha avisado.

FC Porto-Benfica, 2-0 (21/09/2003): o último clássico nas Antas

  • Dragões e águias chegam ao último clássico da história do Estádio das Antas separados por dois pontos, com vantagem para os azuis e brancos que são vice-líderes de um campeonato que no final da noite vai deixar de ser liderado pelo Marítimo. Um erro de Miguel entrega o 1-0 a Derlei à meia-hora de jogo e Argel marca na própria baliza nos minutos iniciais da segunda parte. «A vitória do Porto é inequívoca, moraliza jogadores e adeptos, mas justifica-se mais pelos erros do adversário do que por mérito próprio», escreve o jornalista do Maisfutebol na crónica do jogo. Mourinho reconhece que o 2-0 é «demasiado pesado» e até que Ricardo Rocha foi mal expulso. Mas acusa Simão Sabrosa de simular faltas. Este é o nono triunfo, em clássicos do futebol português, de Mourinho, que se torna no mais vitorioso à frente do mítico Jimmy Hagan. Será também o último.

Sporting-FC Porto, 1-1 (31/01/2004): Mourinho travado pela primeira vez no clássico da camisola rasgada

  • Tal como já havia acontecido na época anterior, o FC Porto dobra a primeira volta invicto na Liga e visita o novo Alvalade com mais cinco pontos do que os leões, para quem só a vitória importa para baralhar as contas do título. Tal como na época anterior, o clássico começa praticamente com um golo dos dragões – agora de Jorge Costa – mas o Sporting desta vez apresenta-se à altura das exigências. A meio da segunda parte, numa altura em que o FC Porto parece novamente no comando das operações, João Pinto cai sobre um painel publicitário, motivando enorme preocupação até entre jogadores dos azuis e brancos. Entra a equipa médica, JVP é carregado numa maca e Rui Jorge aproveita uma desatenção da defesa portista para, num lançamento de linha lateral, servir Liedson, que acaba carregado na área por Paulo Ferreira. Pedro Barbosa, que estava em dúvida para o clássico, atira para o 1-1. No final do jogo, Mourinho surge em modo arrasador, revoltado com um ato que diz ser «inqualificável». «Vi das coisas mais sérias no futebol português nos últimos tempos. Um jogador lesionado de uma gravidade que ninguém sabe, se o João se lesionou na omoplata, no joelho, na cabeça, e no relvado todos ficam na dúvida. A bola está fora, os jogadores chamam a equipa médica, os do FC Porto são os primeiros a chegar e, num acto inqualificável - não quero dizer o nome do jogador que lança a bola - a bola é lançada, o Liedson participa da festa e depois é penalty. Em Inglaterra até se repetem jogos por causa destas coisas. (…) Sinceramente, depois do que vi neste jogo, muita gente vai ficar contente, sei que muita gente não gosta de mim, por favor presidente Pinto da Costa, no final da época deixe-me ir embora, rapidamente e para longe disto.» No final da época, Mourinho sairá do FC Porto campeão nacional e da Europa. Para Inglaterra. Mas essa noite tem mais para contar, como a história da camisola de Rui Jorge que Paulinho leva até ao balneário do FC Porto e que é devolvida rasgada. Minutos após a conferência do treinador dos azuis e brancos, José Eduardo Bettencourt, diretor-executivo da SAD do Sporting, aparece no Auditório Artur Agostinho e denuncia Mourinho. Tinha sido ele a rasgar a camisola de Rui Jorge e a entregá-la de volta a Paulinho com um recado: que a devolvesse ao 23 dos leões e que ele morresse em campo. Miklos Fehér tinha morrido dias antes em pleno V. Guimarães-Benfica. O castigo saiu quando José Mourinho já tinha assinado pelo Chelsea: dez dias de suspensão e três mil euros de multa.»

Benfica-FC Porto, 1-1 (15/02/2004):

  • O FC Porto chega ao primeiro clássico jogado na nova Luz numa posição confortável: sete pontos de vantagem sobre o Sporting e nove em relação ao Benfica. E as declarações de Mourinho na antecâmara do jogo são bem elucidativas disso. «Não temos de provar nada a ninguém e quando sairmos da Luz vamos continuar a ser a melhor equipa nacional.» Costinha inaugura o marcador para o FC Porto perto da meia-hora de jogo e Simão, com uma grande execução, empata no arranque da segunda parte, repondo justiça a um clássico equilibrado. Depois do 1-1, as águias vão para cima do adversário e ameaçam a reviravolta, mas a lesão de Sokota já dentro dos 20 minutos finais afasta a equipa de Camacho da felicidade. «O FC Porto está com a sorte dos campeões», lamenta o treinador espanhol. Já José Mourinho, em declarações à RTP após o jogo, diz que o empate se aceita, mas que, a haver um, o vencedor teria de ser o FC Porto. E manda uma bicada ao outro rival de Lisboa, claramente com os episódios de semanas antes ainda atravessados. «Este foi um jogo limpo.»

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