“Somos casos milagrosos de sucesso inusitado”: são adictos e só querem resistir "mais 24 horas" sem consumos [dentro das reuniões dos Narcóticos Anónimos] - TVI

“Somos casos milagrosos de sucesso inusitado”: são adictos e só querem resistir "mais 24 horas" sem consumos [dentro das reuniões dos Narcóticos Anónimos]

Narcóticos Anónimos (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

Reúnem-se em salas alugadas, normalmente pertencentes ao Estado ou à Igreja, onde ninguém é obrigado mas todos querem falar. O que se consumia, como se consumia ou quando se consumia pouco importa - o objetivo é esquecer o problema e transferir o foco para a solução

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“Aos 15 anos, pedi à minha mãe para ir a uma reunião. Usei durante muito pouco tempo, mas de uma forma muito intensa. Foram dois anos de pesadelo”, conta Inês, agora com 27. A reunião a que Inês se refere é a dos Narcóticos Anónimos (NA), encontros onde se juntam homens e mulheres que querem combater a adição por drogas e trocar experiências, já quando diz que usou está a falar das drogas que consumiu. Tinha 17 anos, quando assistiu à primeira reunião.

Hoje, passados dez anos, continua a frequentar a comunidade. No final da tarde daquela segunda-feira, 6 de fevereiro, a sua história vai ser a partilha principal na reunião que decorre numa das salas do palacete da Junta de Freguesia de Santa Catarina, na Calçada do Combro em Lisboa.  São 19:00 e o espaço está quase cheio. Inês explica como foram os dez anos de mudança, em que houve desespero e a incerteza, sentimentos que atualmente já quase desapareceram. Agora, já é mãe e tem uma vida dita “normal”, mas não esquece o caminho percorrido, sobretudo, as primeiras vezes que foi aos Narcóticos Anónimos. "O que mais me irritava era quando diziam: 'Tão querida que idade tens'?”, recorda.

Os outros participantes ouviam-na atentos, sentados nas cadeiras das mesas dispostas em forma de círculo. Grande parte dos presentes são homens, apenas cinco são mulheres. Depois das portas fecharem, ainda foram chegando mais pessoas a conta gotas - acabaram por ser 25. As idades variam, os mais novos, como Inês, têm pouco mais de 30 e estão em maior número, mas há também quem esteja já para lá dos 60.

Reunião decorre semanalmente na Junta de Freguesia de Santa Catarina, na Calçada do Combro em Lisboa. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

A maioria já se conhece de outras reuniões, pois muitos costumam andar entre as reuniões que decorrem em vários locais de Lisboa. Naquela segunda-feira, não há nenhum estreante - todos sabiam com o que contar, todos conheciam os procedimentos destas ocasiões: “Bem vindos a mais uma reunião LX02 dos Narcóticos Anónimos”, começa em tom assertivo, António, o coordenador deste grupo

Os Narcóticos Anónimos são um grupo em que seguem um programa composto por 12 passos que devem tentar cumprir em prol da recuperação. O objetivo é chegar ao 12º, mas para isso têm de ir tendo sucesso em cada um dos outros, de forma a romper com os hábitos. O primeiro é admitir a impotência perante a adição; o oitavo, por exemplo, é fazer reparações com as pessoas que prejudicaram e o último é levar este tratamento a outros e viver com estes novos princípios em todas as atividades do dia a dia

Os 12 passos são fixados numa parede e ficam à vista de todos durante as reuniões. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

O grupo é diferenciado, os blazers de uns contrastam com os fatos de treino usados por outros. Mas o preconceito associado ao estereotipo de "toxicodependente" aqui não existe. Apresentam-se apenas pelo primeiro nome antes de cada um ter direito à palavra. São todos diferentes, mas em comum têm “o desejo de deixar de usar” (verbo que utilizam para o consumo de droga).

Há regras não verbalizadas: ninguém questiona como ou que tipo de substância estão a tentar deixar de "usar", todos reconhecem que têm um problema e juntos focam-se na solução. O silêncio é absoluto na sala de paredes brancas e teto trabalhado.

Depois das boas-vindas de António, a reunião inicia-se com a leitura de três pequenos textos, feita por três diferentes membros do grupo, começando em seguida as partilhas dos participantes. Ninguém é obrigado a falar, mas todos o querem fazer, apesar do encontro ter tempo contado. A reunião tem duração de hora e meia e devido à grande afluência, há uma restrição: cada um só pode falar durante dois minutos e meio.

Os Narcóticos Anónimos disponibilizam um conjunto de panfletos informativos aos membros sem qualquer custo. Este é o primeiro que é oferecido a quem chega a uma reunião.

A exceção é Inês, que foi a oradora da partilha principal, querendo isto dizer que é a primeira a falar e terá direito a uma intervenção mais prolongada. O momento é uma mistura entre o recordar de medos, a partilha as angústias que sentiu a cada fase do processo, da esperança de que possível fugir “ao fundo do poço” e do alerta vivido de que esta é uma batalha diária, independentemente dos anos de recuperação.

Inês revive o primeiro passo da recuperação, lembra como, antes disso, chegou a pensar em consumir até à morte e como consegue agora perceber que tudo não passavam de truques matreiros de uma mente sensível ou, como lhe chama "delírios ou masturbações mentais sem fim”.

Ao contar a sua história, que foi partilhada durante cerca de 10 minutos, Inês recordou a primeira reunião com apenas 17 anos e como, passados outros dez e contras as probabilidades, nunca recaiu: “Somos todos casos milagrosos de sucesso inusitado”.

Primeiro passo: identificar que há um problema

Inês relata o pesadelo que viveu, mas também se percebe que não demorou a pedir auxílio. Era ainda adolescente quando pela primeira vez assumiu à mãe que precisava de ajuda. Recorda-se da "culpa", da "vergonha" e das "tentativas cansativas e sempre inglórias de parar", sublinha que a luta que continua a ser travada todos os dias; agora nos NA e com mais sucesso.

Ao longo daquele final de tarde, e no resto da reunião quase todos os outros participantes quiseram falar, cada um teve direito a apenas dois minutos e meio, após a partilha de Inês. O tempo do resto das partilhas costuma ser maior, mas, hoje, a afluência à reunião do Combro foi acima do comum.

Narcóticos Anónimos disponibilizam um conjunto de folhetos informativos aos recém-chegados. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)
O folheto "Serei Um Aditco?" contém um questionário que, não sendo um meio de diagnóstico nem taxativo, pode ajudar a esclarecer a desconfiança.

Rodolfo, que deveria ter pouco mais de 40 anos, teve dificuldades em perceber que sofria da doença que é a adição. Conta que “só teve noção de que era adicto, depois de entrar em recuperação” e esclarece que optou por entrar pela primeira vez numa reunião porque tinha atingido o ponto em que "devia dinheiro a toda a gente".

Ao contrário de Inês e pela velocidade com que passam 150 segundos, Rodolfo não falou do presente e centrou as palavras no passado, sobretudo, num tempo em que "já não conseguia controlar as drogas". Agora, teoriza sobre a possibilidade de para si as drogas terem sido “a salvação perante a angústia incontrolável e perigosa". O seu raciocínio, na época, era o seguinte: "Só faço merda, mas sinto-me bem”.

A palavra muda de dono. Rui, mais velho, provavelmente com cerca de 50 anos, reitera a ideia de que agora, passados vários anos e centenas de reuniões depois, "tem mais provas de que é adicto do que quando consumia".

A dificuldade de identificar o problema é referida como sendo um dos maiores desafios de quem sofre de adição. Todavia, mesmo depois de se aceitar o problema tudo está longe de ser perfeito. Rui, por exemplo, garante que está "limpo" há largos anos, mas que a "depressão" e o "vazio" persistem. Acrescenta que o mais provável é que persistam ad eternum: "Sou assim".

António tem 54 anos é o coordenador da reunião que costuma decorrer neste espaço - a segunda mais antiga do país. É o responsável pela organização deste grupo que se encontra na Calçada do Combro. Em entrevista, dias depois da reunião, explica que chegou aos NA com 22 anos e que foi, "aos 17, que começou a usar drogas duras, por via injetável".

A história parece repetir-se como tantas outras. Foi construída sob avanços e recuos, períodos de acalmia e de falsa segurança que, momentaneamente e sem aviso prévio, foram contrapostos pela tentação dos antigos hábitos: "Na altura consegui parar, fiquei dois anos limpo. Depois, tive uma recaída. Fiz um tratamento, fiquei mais dois anos limpo. Tive mais uma recaída, voltei a fazer um tratamento. Depois, tive 12 anos limpo e tive outra recaída. Foi a minha última recaída. Agora, estou limpo há 13 anos", garante.

Para este NA, com décadas de assiduidade em reuniões não há dúvidas: "O primeiro sintoma da adição é a negação".

"Diria que há uma negação muito grande e uma ausência de consciência enorme em relação ao problema quando se chega às reuniões", António explica que por isso mesmo é tão complicado identificar uma adição.

O fundo do poço

António garante que os casos que à partida têm maior probabilidade de sucesso são os adictos que "bateram realmente no fundo": os que atingiram "o fundo do poço". O aparente contrassenso tem uma explicação: "É preciso realmente perder tudo ou quase tudo para se reconhecer que se tem um problema, o que não acontece em muitos casos". O responsável realça que, apesar da inexistência de estatísticas oficiais por motivos de anonimato, "em dez pessoas que vão para as reuniões só duas efetivamente é que conseguem ficar em recuperação".

"Infelizmente, o fundo do poço é o ponto de partida para uma recuperação bem sucedida. Faço reuniões há 30 anos, já vi muita gente passar e as pessoas do meu tempo contam-se pelos dedos: uns desistem, outros deixam de fazer reuniões, outros recaem, outros acabam por morrer. Mas pessoas que ficam efetivamente em recuperação são muito poucas", conta o coordenador do grupo da Calçada do Combro.

Porta-chaves ou medalhas são entregues aos participantes sempre completam aniversários de recuperação. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

A recaída

Leonor já tem mais de 50 anos e foi a segunda mulher a falar na reunião. Disse o que nenhum dos presentes queria ouvir e a sala rapidamente gelou: "Infelizmente, estou em processo de recaída”.

Contou que está desempregada e que o marido morreu há dois meses. O esgotamento que tinha transformou-se numa depressão e Leonor cedeu à tentação antiga: "Estou muito desesperada só me apetece usar”, confessa, explicando que o tem feito sozinha, em casa, sempre que a filhas saem pela porta.

“Estou desempregada, as minhas filhas vão à sua vida e fico em casa sem ter com quem falar. Os meus dias são em casa a usar. Sozinha, a usar, usar, usar”, confessa Leonor enquanto as lágrimas lhe escorrem pelo rosto.

O silêncio absorve a sala da junta de Santa Catarina. Afinal, é o que todos os presentes mais temem. Leonor pede desculpa por ter chorado, mas não foi única: parte da plateia comoveu-se com a história, ali praticamente todos conhecem esta dor. Depois da partilha, do choro e dos perdões, Leonor confessa que ainda acredita que "falar faz bem" e é por isso, diz, que continua a ir às reuniões.

Para além da sensação de falhanço, a recaída é um dos momentos em que existe maior risco de morrer por overdose. De um lado está o tempo de abstinência, em que o corpo vai perdendo a capacidade de tolerância às substâncias, do outro, estão os padrões de consumo antigos que agora já poderão ser para lá do que o corpo é capaz de suportar.

Segundo os últimos dados publicados pelo Ministério da Saúde, em 2021 e relativos ao ano anterior, o número de mortes por overdose aumentou 45%, o valor mais alto desde 2009. Um cenário visível no Relatório Anual sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência em 2021 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). Do total de 74 mortes, em 84% os resultados toxicológicos distinguem mais do que uma substância psicotrópica, sendo que as principais culpadas foram a cocaína (51%) e a metadona (41%) - esta última, uma droga de substituição, comummente usada em tratamentos clínicos contra a adição a drogas.

O coordenador António avisa que "ninguém precisa de recair, porque pode não se voltar de uma recaída". Mas reconhece que a recaída faz parte do processo. “Eu precisei de recair para perceber que isto é a coisa mais importante que eu tenho na minha vida: a recuperação. Porque se eu não estiver em recuperação, não consigo fazer mais nada. A recuperação é a base da minha vida".

O folheto aos novos membros, contém o programa dos famosos 12 passos, a função dos padrinhos e madrinhas, bem como alguma informação adicional sobre o modo de funcionamento.

A recuperação

Para a oradora principal, a recuperação começou na véspera de uma Passagem de Ano, dia em que entrou para tratamento: "Lembro-me de até os meus pais me perguntaram se não preferia esperar mais um dia e ter um último Ano Novo antes de dar este passo”.  A resposta de Inês foi assertivamente negativa.

Recorda tempo em que tudo "era muito solitário" e em que os dias eram pautados por "muito receio de recair" e pela "irritação de não ser capaz de entender como as pessoas conseguiam ser tão felizes".

Nas férias, lembra Inês, "percorria as reuniões de Lisboa", enquanto os "outros se divertiam, bebiam uns copos e iam para a praia no Algarve". O processo da recuperação foi difícil e durante muito tempo pareceu impossível, explicando que essa perceção só se alterou quando voltou a “acreditar que a vida do Homem vale a pena apesar das tristezas profundas de tempos a tempos”. E hoje questiona: “Como é que não há reuniões para tudo? Como é que não há reuniões só para se aprender a existir?”.

E mesmo assim não foi fácil. “Fiz muitas reuniões. Não me fazia sentido nenhum, mas continuava a vir. Foi muito difícil recuperar tudo".  Após meses de recuperação "estava melhor, mas continuava sem ver grande luz ao fundo do túnel”. O pior era mesmo a incompreensão de como seria alcançar o "dito normal": “Irritava-me como as pessoas conseguiam ser tão felizes”.

No processo o tempo é um aliado, mas por vezes traz consigo a confiança de que se está curado e de que o uso regrado não é utópico. Xavier, outro adicto que quis partilhar, alertou que, "apesar dos 30 anos em recuperação, este continua a ser um processo diário". Este homem já com mais de 50 anos sublinha que cada caso é um caso. Aos mais recentes companheiros lembra que “não há uma receita encapsulada de sucesso", porque "não há duas recuperações iguais, tal como não há duas pessoas iguais”.

Rodrigo. que tem sensivelmente a mesma idade de Inês, a oradora principal, lembra que coincidiram nas primeiras idas às reuniões e que se recorda do que pensou na altura: “Se esta miúda entrar em recuperação vai se tornar numa mulher incrível”.

Todavia, Rodrigo reconhece que a sua história foi diferente. Num momento de aparente sinceridade, conta que o seu próprio percurso tem sido "de para, arranca e anda para trás". Com os escassos 150 segundos a chegar ao fim, reconhece que “a vida é feita de coisas boas, mas na grande parte é feita de coisas muito difíceis”.

Para muitos, a recuperação e as reuniões parecem ser a única esperança e a história de Pedro, um homem já para lá dos 40, foi uma das que melhores espelha este modo de estar. Este adicto refere que apesar de estar numa fase "sem dinheiro e de o carro já quase não ter gasolina" não se rendeu à surpresa que teve ao chegar à Calçada do Combro: "Os parquímetros em funcionamento até à uma da manhã". Mas, o propósito era maior do que as circunstâncias e apesar de ter de pagar o estacionamento Pedro, a plenos pulmões na reunião, conta o que pensou:  "Que se lixe, estou aqui!".

Esta falta de dinheiro, para muitos é comum e, em regra-geral, não passa de um dos resultados da adição. Lourenço, na casa dos 30 anos, conta que conhece "bem de mais" o lugar em que Pedro se encontra. Mas diz acreditar "que quando estamos bem acontecem coisas boas”. Apesar disso, admite que também não está numa boa fase. "Tudo tem pouco significado, tudo tem sido um vazio". "Passa-me pela cabeça ir usar", revela, acrescentando que não lhe apetecia nada ter ido à reunião.  Mas por algum motivo acabou por ir.

"Tentei muitas vezes deixar isto e não consegui. Até que alguém aqui me disse: pois, sozinho não vais conseguir", frisa Francisco, outros dos participantes.

Recair significa voltar a consumir, mesmo que seja apenas numa ocorrência. As recaídas são recorrentes e fazem parte do processo, mas não são um imperativo para alcançar a recuperação e são momentos em que o risco de overdose é maior, devido à replicação dos padrões de consumo do passado após um período de abstinência.

A família, os amigos e o meio

A família, os amigos e o meio em que um adicto se insere parece ser um dos pontos chave do processo. O coordenador do grupo é claro ao dizer que o contexto familiar "é fundamental". Alertando que é, aliás, o facto de ser  preciso fazer uma mudança radical e profunda em todas essas áreas”, que torna o tratamento tão difícil. “Mas é possível", afirma.

António defende que "determinados hábitos acabam por alimentar velhas maneiras de estar e que só levam o adicto a usar" e, para isso, "o papel da família é fundamental".

"A família também está doente. A droga e o álcool estão para o adicto como o adicto está para a família. O adicto passa a ser a preocupação central e muitas vezes se vê as mulheres, as namoradas, as mães, os pais a ficarem obcecados com o problema e a viverem exclusivamente para o adicto. Isto, leva a que haja uma disfuncionalidade cada vez maior nas relações familiares e uma falência enorme de tudo aquilo que é necessário para que existam relações saudáveis”, relata.

É aqui que entra o "amor firme", um conceito que consiste em não ceder aos desejos, pedidos ou fantasias de um adicto e, por vezes, fechar-lhe literalmente a porta de casa, como explica António. Este é dos comportamentos mais defendido nos grupos de Famílias Anónimas - pessoas que se reúnem e entreajudam perante os efeitos colaterais do uso de drogas, álcool ou outra adição relacionados de um familiar ou amigo. O coordenador das reuniões de NA do Combro desmistifica o conceito: "Se gosto do meu marido, se gosto do meu namorado, se gosto do meu filho, vou ter de lhe fechar a porta. Vou ter de parar de alimentar a adição dele, vou ter de parar de prover meios para que possa continuar a drogar-se ou a beber e a fazer tudo aquilo que faz", explica.

No caso de Inês, a oradora principal, a mãe percebeu que tinha um problema mesmo antes dela própria. Quanto aos amigos, a adita explica que “hoje, já não é bem visto o conceito do sexo, drogas e Rock N’Roll".

À chegada a cada reunião, cada membro sena-se onde quiser. Desde que uma cadeira esteja livre, pode ser utilizada por qualquer um.

Causa vs prevenção

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a adição é uma "doença primária do cérebro, crónica que envolve os circuitos neuronais de recompensa, da motivação, da memória e outros circuitos relacionados e, tal como outras doenças crónicas, nomeadamente a diabetes e a doença cardiovascular, evolui por ciclos de recaídas e remissão". Mas poderá ter uma causa primária e ser prevenida?

Inês, por exemplo, lembra que no início se sentia mal e pouco feliz, mas não percebia o porquê de sentir que tinha "entrado na toca da Alice e já não conseguia ver o fim".

"A minha infância não tinha sido terrível”, recordou a oradora principal, que passado mais de uma década permanece sem resposta para a questão: “Porquê eu?”

"Ninguém está livre de desenvolver uma adição e há pessoas que desenvolvem adições aos 12 anos, como há pessoas que desenvolvem adições aos 50 e aos 60", garante o coordenador da reunião do Combro. António acredita que "não há como prevenir e isso também é um dos lados mais drásticos desta situação".

"É evidente que se uma pessoa com potencial de adição nascer no seio de uma família saudável e tiver um percurso de crescimento minimamente saudável, minimamente estruturado, é mais difícil desenvolver uma adição, mas isso também não está provado”, diz, dando um exemplo: “Posso dizer que venho de uma família disfuncional, mas nós somos três irmãos, dois são adictos e um não".

Em cada reunião, há um conjunto de panfletos à disposição dos membros, sobretudo, dos iniciantes com o propósito de esclarecer eventuais dúvidas. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

O início

Um dos membros nacionais mais antigos dos Narcóticos Anónimos é Paula. Hoje, na casa dos 60, lembra que a associação foi legalizada em Portugal em 1989 e que, inicialmente, as reuniões eram apenas em Lisboa. Só um ano depois, arrancaram também no Porto. Antes da formação e legalização dos NA recorriam aos encontros dos Alcoólicos Anónimos. Hoje, é uma das responsáveis pela associação anónima.

Paula fez questão de também estar presente, naquela segunda-feira, na reunião do Combro, como lhe chama. A veterana foi uma das responsáveis pela leitura inicial de texto e também quis fazer uma partilha. Começou por lembrou que, antes de 1989, “não havia a palavra 'adicto'" e que os membros dos NA eram identificados como "toxicómanos".

Os 12 passos estão afixados numa parede durante a reunião. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

Confessando ser uma "defensora acérrima do processo dos 12 passos”, perante a sala cheia, desabafou: “Gosto mesmo de ver tanta gente aqui; é tão bom estar aqui e ver que estamos a fazer por nós”.

Não consome qualquer tipo de substância há várias décadas, garante que nunca recaiu e reitera: “Adoro estar em recuperação e continuo por cá”.

Consigo, trouxe a amiga Cristina, também ela membro dos NA e também já com mais de 60. Foi a última partilha e já apressada dada a aproximação dos ponteiros das 20:30, a primeira frase foi: "Obrigado foi uma reunião fantástica. Obrigado, estive a viajar pelo meu tempo, quando não eram só os quadradinhos do Zoom".

Cristina confessou-se "muito feliz" por ali ter estado durante aquela hora e meia e realçou o "privilégio" que têm todas as pessoas na sala por poderem fazer parte de um programa como este. Quanto ao passado, diz :"Só sabia que era uma falhada e até gostei da palavra adita quando apareceu".

As medalhas que são entregues aos membros nos aniversários de sobriedade. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

O fim

Após a última partilha, os participantes levantam-se, dão as mãos ao redor da mesa e entoam a Oração da Serenidade. Depois do momento, cumprimentam-se entre si com um abraço e a frase: "Venham mais 24", referindo-se ao número de horas que compõem um dia. De seguida, o saco de doações percorre a mesa. Cada um doa o que quiser, ninguém é obrigado a fazê-lo e os estreantes ou visitas não o podem fazer. Os NA apenas aceitam doações de membros, dentro ou fora das reuniões. Estes donativos e a venda de alguma literatura sobre adição a drogas, são as únicas fontes de rendimento da associação, que se mantém sustentável.

Por fim, questiona-se se alguém completa uma data redonda de recuperação e entregam-se a medalhas como um token do que cada um já conseguiu. Os brindes são recebidos durante os meses do primeiro ano e, posteriormente, nos anos múltiplos de cinco. Nesta segunda-feira, apenas dois membros receberam a lembrança, ambos completavam cinco meses e ambos continuam a seguir as pegadas dos "casos milagrosos de sucesso inusitado”.

Reuniões terminam com a leitura da Oração da Serenidades, num momento de união, em que todos os membros dão as mãos em círculo ao redor da mesa. (Fotografia de Miguel Mateus/CNN)

Para contatar os NA dispõe do número 219 477 970, podendo também aceder ao site www.https://na-pt.org/

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