Nem depressivo nem social. "Isto não é um documentário sobre Rabo de Peixe" - TVI

Nem depressivo nem social. "Isto não é um documentário sobre Rabo de Peixe"

André Szankowski, diretor de fotografia da série "Rabo de Peixe, é um dos grandes responsáveis pelo sucesso da série. Em entrevista à CNN Portugal, explica que a ideia era "trazer um pouco da estética da publicidade, mas dando-lhe uma qualidade cinematográfica".

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“Não estávamos à espera de tanto sucesso”, admite André Szankowski, o diretor de fotografia da série "Rabo de Peixe", que estreou em maio na Netflix. “A produção foi muito difícil. Depois, habitualmente, tenho um período de ressaca pós-filmagem em que acho que está tudo mal. As primeiras reações dos membros da equipa que viram os episódios foram boas, mas acho que só quando fizemos a antestreia é que percebemos que as pessoas iam gostar. Na verdade, foi avassalador. Tem sido muito gratificante. Compensou todo o esforço e toda a luta.”

Quem vê "Rabo de Peixe", com lindas paisagens dos Açores captadas por um drone, personagens de roupas e cabelos coloridos e barcos de pesca em alto mar, não consegue imaginar o esforço e a luta, mas Szankowski garante que tiveram "imensas limitações de tempo e de produção”. “Queríamos ter tido mais tempo nos Açores, mas, não sendo possível, tivemos que arranjar soluções. Muitos dos interiores foram filmados no continente, sobretudo aqueles décors que só aparecem uma vez. Lá, filmámos sobretudo os exteriores. Tínhamos que tirar o máximo partido da ilha enquanto lá estávamos.”

Uma das dificuldades que coube a André Szankowski contornar foi a imprevisibilidade meteorológica dos Açores. “Os Açores são os Açores, não vale a pena achar que vamos ter sol uma manhã inteira, temos de fazer as pazes com isso e lidar com cada momento”, desabafa o diretor de fotografia. O desafio para a continuidade era tremendo. Para facilitar, decidiram filmar cada cena com duas câmaras, montando depois o diálogo na mesa de edição, e fazer bastantes planos sequência, o que lhes permitiu poupar tempo de rodagem. “E depois há o trabalho do colorista na pós-produção, que tenta encontrar o equilíbrio e normalizar a cor o melhor possível.”

Outro desafio foram as cenas no mar. “Eram planos com acting, cenas emocionais. Não dava para filmar de um barco para o outro, a câmara tinha de estar perto, mas os barcos são muito pequenos e nós tínhamos muito material”, explica. Além disso, são cenas muito difíceis de iluminar e era preciso desligar os motores para captar o som. “Foi tudo uma aventura, porque não tínhamos as condições ideais.” Uma das soluções seria filmar numa doca, com os barcos parados, simulando o alto mar. Mas isso tiraria alguma veracidade às cenas. “Assim ficou menos perfeito em termos de luz e de planos, mas é mais emocionante em termos de ação. Não é tão bonito, mas é mais interessante. Tivemos de fazer escolhas permanentemente”, diz. A cena da tempestade “foi a única feita como lá fora, em chrome. Foi tudo em pós-produção. É uma cena muito complexa, era a única maneira de filmar os atores num ambiente controlado.”

Mas, afinal, o que faz o diretor de fotografia?

Nascido em 1979, em São Paulo, no Brasil, André Szankowski passou parte da infância em viagem, com os pais que “foram tentando a vida”, primeiro nos EUA, depois em Inglaterra e em França. Em 1996, quando tinha 16 anos, os pais separaram-se e André mudou-se para Portugal com o pai. Era para ser uma estadia temporária, mas foi estudar para a EPI - Escola Profissional de Imagem e acabou por ficar. “Queria ser operador de câmara de programas de viagens, queria viajar com a câmara na mão”, recorda. Esse era o sonho. Nessa altura, não conhecida a profissão de diretor de fotografia, foi só na escola que percebeu que não bastava saber operar a câmara, há uma série de decisões que têm a ver com a luz, a câmara, as lentes e tudo o que é importante para definir a imagem de um filme ou de uma série.

“O diretor de fotografia tem de encontrar o seu lugar ao lado do realizador, é o seu braço-direito porque é sua responsabilidade criar a imagem que o realizador idealizou”, explica André Szankowski. “Há realizadores que sabem exatamente o que fazer, outros confiam mais no diretor de fotografia para o ajudar a contar a história, ou seja, encontrar a melhor maneira de concretizar uma cena.”

O trabalho tem uma componente técnica muito grande - é preciso escolher todo o material técnico, incluindo câmaras e lentes, dominar luz e cor, garantir as necessidades técnicas de cada cena, assegurar a continuidade da imagem, - mas tem também, explica, uma parte criativa. “O diretor de fotografia concretiza uma ideia, cria uma imagem que provocará uma determinada reação emocional.” Há diretores de fotografia que têm uma “imagem de marca”, que se distingue dos outros e que é imediatamente identificável quando se vê um filme: uma determinada cor, uma certa luminosidade, uma qualquer qualidade da imagem que ele gosta de acentuar nos seus trabalhos. André Szankowski não gosta de rotular o seu estilo, prefere ser um diretor que se adapta aos realizadores com quem trabalha e que é competente nisso. 

A sua carreira fala por si. Szankowski faz muita publicidade, já fez videoclipes e também curtas, mas no seu currículo encontramos títulos tão importantes como “Mistérios de Lisboa”, de Raúl Ruiz (2010), “As Linhas de Wellington”, de Valeria Sarmiento (2012), “A Gaiola Dourada”, de Ruben Alves (2013), “Variações de Casanova”, de Michael Sturminger (2014), “Cosmos”, de Andrzej Zulawski (2015), “Cinzento e Negro”, de Luís Filipe Rocha (2015) ou “Variações”, de João Maia (2019).

O “Mistérios de Lisboa” “foi um grande marco” na sua carreira, admite. “É um filme importante, premiado, ainda hoje se continua a falar dele. Depois há filmes que foram muito pouco vistos, que só foram a festivais, são de nicho. E outros que são mais comerciais e foram mais vistos, como o “A Gaiola Dourada” ou o Variações”."

Antes de “Rabo de Peixe”, André Szankowski já tinha trabalho na série “Glória”, de Pedro Lopes (2021), a primeira série portuguesa na Netflix. “Foi um exercício mais clássico, tratava-se de uma série de reconstituição histórica, com espiões. Foi uma aprendizagem para toda a gente”, recorda. “Não foi um sucesso para a Netflix, mas foi muito interessante para nós, este é um tipo de projeto que não conhecíamos - não é uma novela, não é uma série da RTP ou da SIC, mas também não é cinema, é um pouco disso tudo, mas ainda não sabemos bem.”

"Rabo de Peixe": um ponto de viragem

André Szankowski está no projeto de "Rabo de Peixe" desde o início. Sócio e amigo do realizador Augusto Fraga, com quem trabalhou muito, sobretudo em publicidade, lembra-se de como todo começou: “Foi durante a pandemia, fizemos um brainstorming: pusemos todas as ideias em cima da mesa, que histórias é que poderíamos contar? A ideia do Augusto foi aprovada e ele foi para os Açores e escreveu o piloto." Quando apresentaram a proposta à Netflix, já tinham a ideia bastante desenvolvida. “Não queríamos que fosse depressivo nem social, isto não é um documentário sobre Rabo de Peixe", diz. "Queríamos um Rabo de Peixe tipo Rio de Janeiro, com cor, com movimento. Encontrar a beleza na favela, trazendo um pouco da estética, da publicidade, mas dando-lhe uma qualidade cinematográfica, era o que queríamos. Na verdade, 'Rabo de Peixe' acabou por ser uma viagem, uma experiência, porque nunca tínhamos feito isto."

Para encontrar o ambiente certo para a série é preciso que o diretor de fotografia trabalhe em sintonia, não só com o realizador, mas com o diretor de arte, o guarda-roupa, a iluminação. "Tem de haver uma coordenação para se estabelecer uma palete de cores. Para cada personagem foi preciso pensar como é que resultaria a cor da casa, a roupa, o cabelo, nada é escolhido ao acaso", explica Szankowski. "Como tudo já tinha tanta cor, as paredes, o cabelo da Sílvia, as botas do Carlinhos, o néon do clube de vídeo, a discoteca, o concerto do Sandro G, acabei por optar por fazer a luz mais neutra."

“Ainda estamos a aprender a filmar nessa escala, em projetos maiores. São obviamente maneiras de filmar mais impessoais e mais comerciais, porque se tenta chegar a um público mais vasto”, explica o diretor de fotografia. “O nosso mercado precisa disso, de algo que seja entertaining. Isto é algo que muitos cineastas portugueses recusam. E por isso isto tudo foi tão surpreendente. Um realizador de publicidade - algo que o cinema português abomina - conseguir ter sucesso e ter uma segunda temporada é uma chapada de luva branca.”

"Rabo de Peixe" foi "o culminar do nosso percurso, meu e do Augusto, juntos", diz André Szankowski. Agora, é tempo de preparar a segunda temporada. “Não sei para onde a história vai, mas estou muito entusiasmado”, diz. Aconteça o que acontecer, “Rabo de Peixe” já vai ficar para a história.

O diretor de fotografia André Szankowski na rodagem de "Rabo de Peixe"  (Foto: Inês Subtil/ DR)
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