"Pode ser a chave da repopulação de Portugal": os novos vistos de trabalho para os nómadas digitais - TVI

"Pode ser a chave da repopulação de Portugal": os novos vistos de trabalho para os nómadas digitais

Web Summit - 3 de novembro

São jovens, altamente qualificados, recebem acima da média e há quem acredite que podem resolver um antigo problema do país

"Já pensou em trabalhar à beira-mar num país tropical com um baixo custo de vida e impostos reduzidos e em plena Europa?" É assim que alguns dos maiores meios de comunicação social do mundo apresentam a chegada dos novos vistos para nómadas digitais em Portugal. Do Washington Post à Bloomberg, todos são unânimes: Portugal vai passar a ser o novo refúgio para estes trabalhadores remotos.

Em causa está a nova legislação publicada em Diário da República, que entra em vigor no fim deste mês e que cria vistos que permitem aos chamados "nómadas digitais" morar e trabalhar em Portugal durante um ano. Para isso, os nómadas digitais têm de comprovar que recebem pelo menos 2.820 euros, quatro vezes o valor atual do salário mínimo nacional, que se encontra nos 705 euros (e que deve subir para 760 em 2023).

“Apesar de já vir um bocadinho tarde, é muito positivo ter finalmente uma estrutura legal. Vai impulsionar a vinda de mais nómadas, que passam a ter uma ferramenta para ficar até um ano no nosso país”, afirma Gonçalo Hall, criador da Digital Nomad Association.

Esta ferramenta obriga portanto a que estes trabalhadores recebam um salário anual de pelo menos 32.760 dólares, cerca de metade do salário médio anual de um trabalhador remoto nos Estados Unidos. E isso, bem como o regime de Residentes Não Habituais - que garante alguns benefícios fiscais -, tem levado Portugal a tornar-se "um destino favorito para americanos que se querem mudar para o estrangeiro", de acordo com a Bloomberg.

O regime em causa permite aos nómadas digitais evitar a dupla tributação de IRS - no estrangeiro e no país de origem. “Com este regime, os trabalhadores dependentes ou independentes para profissões de alto valor acrescentado têm o seu rendimento tributado a 20%, por oposição aos 50% que podem ser aplicados aos portugueses com a taxa progressiva”, explica Jaime Esteves, advogado especialista em Direito Fiscal.

Trabalhadores portugueses também podem aproveitar o regime. Como?

A lei não se prende, no entanto, na nacionalidade, uma vez que os portugueses também podem fazer parte deste regime, caso não tenham tido residência fiscal no país nos últimos cinco anos. Mas não são só os benefícios fiscais que atraem estes trabalhadores temporários. Para o criador da Digital Nomad Association, o que move os nómadas digitais são as comunidades “com uma estrutura social em que seja fácil para o nómada digital estar e ter acesso a eventos”.

Não basta criar um vídeo promocional bonito, é preciso construir uma infraestrutura pensada e dedicada para os hábitos destas pessoas, que passa não só pelos espaços de trabalho, bem como atividades focadas e orientadas para estas comunidades. Foi isso que Gonçalo Hall tentou criar em conjunto com o Governo Regional da Madeira no projeto Digital Nomad Village. “Os nómadas movem-se muito entre comunidades e não tanto entre destinos. Os espaços de co-work são importantes, a questão do alojamento específico de mês a mês, que é o alojamento de médio termo, também é importante. Mas acima de tudo é a proatividade para criar uma comunidade.”

O facto de Portugal ser considerado um dos países mais seguros do mundo é um fator tido em conta por muitos dos que tomam a decisão de vir para cá. De acordo com a plataforma Nomad List, que agrega alguns dos melhores destinos do mundo para esta comunidade, Portugal conta com três cidades no top 10 das melhores para trabalhar remotamente, com duas localizações entre as três melhores.

Lisboa é considerado o melhor destino do mundo para a comunidade nómada digital, com excelentes avaliações em termos de segurança, diversão e velocidade de internet, que compensam o custo de vida na capital, que é considerado elevado. A ilha da Madeira aparece em terceiro lugar, com um custo de vida apontado como bem mais acessível. A fechar as dez melhores cidades para estes trabalhadores está a cidade do Porto.

Portugal - a tempestade perfeita

O motivo? Uma tempestade perfeita, no bom sentido - do trabalho do Turismo de Portugal aos eventos dedicados ao fenómeno, bem como as próprias características do país - “as pessoas, o clima, a cultura, a comida, vinho”. Há até “a grande montra” do Web Summit, que expõe Portugal a 70 mil empreendedores todos os anos, abrindo uma porta para revitalizar algumas das regiões do interior - que têm sofrido com o envelhecimento da população .

“Este público pode vir a ser a chave da repopulação de Portugal. É possível servir para revitalizar outras zonas do país, desde que trabalhemos para isso. Não é algo que vai acontecer organicamente”, destaca Gonçalo Hall, que aponta as regiões do Luso, Douro, Algarve e dos Açores como algumas das regiões com maior potencial. “Desde que a comunidade seja bem estruturada e as condições estejam lá, conseguimos ativar quase qualquer parte do nosso território.”

Mas para que isso aconteça é preciso que Portugal não perca o foco e continue a facilitar e financiar a criação de estruturas e comunidades um pouco por todo o país, diz. E a chave para isto é a “gestão centralizada” da marca portuguesa, de forma a criar uma imagem própria, tornando tudo mais profissional. “Neste momento estamos no topo da onda, mas as tendências também mudam. Veja-se o exemplo da Tailândia, que tem vindo a perder muito espaço neste mercado. Podemos perder tudo se não criarmos um projeto melhor e mais competitivo. Estamos a competir com países como o Dubai, que têm milhões investidos para o mesmo mercado.”

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