Em cinco anos, 118 menores pediram para mudar de nome e género no Cartão de Cidadão - TVI

Em cinco anos, 118 menores pediram para mudar de nome e género no Cartão de Cidadão

Pedidos de mudança de género nos registos têm vindo a aumentar a cada ano. Porque há “maior conforto e maior conhecimento da lei”, diz uma das associações que trabalha com a comunidade LGBTQI+. Mas continuam a existir barreiras

Relacionados

Foram 118 os menores portugueses a solicitar, nos últimos cinco anos, a mudança de nome e género no Cartão de Cidadão. Os dados foram cedidos à CNN Portugal pelo Ministério da Justiça.

Os números mostram que estes pedidos têm vindo a aumentar ao longo dos anos: 11 em 2018, 16 em 2019, 16 em 2020, 30 em 2021 e 45 em 2022.

“Esta evolução é reflexo de um maior conforto e de um maior conhecimento da lei. A lei não chega a todos ao mesmo tempo. Não podemos ter uma visão apenas a partir de Lisboa. Há muitas realidades distintas no país. As pessoas começam a pedir ajuda, a ter consciência dos seus direitos e a usar a lei”, reage à CNN Portugal Manuela Ferreira, presidente da AMPLOS - Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual.

Em Portugal, é possível, desde 2011, solicitar a alteração do nome e género no Cartão de Cidadão. Contudo, só a partir de 2018 é que esse passo foi permitido a menores de idade, com 16 ou 17 anos.

Os dados mostram que, em Portugal, houve mais pedidos de menores para passar do género feminino para masculino: 88. O processo inverso, de masculino para feminino, deu-se em 30 solicitações de mudança no Cartão de Cidadão.

De realçar que estes dados dizem respeito a uma alteração nos documentos oficiais, para que passe a constar o género com que o menor se identifica. Não se trata da alteração do sexo por via cirúrgica: essa só é possível na maioridade, se for esse o desejo da pessoa, de alterar os seus órgãos sexuais.

Barreiras no registo

António Vale é pai de um dos menores que levou a cabo a mudança de nome e género no Cartão de Cidadão, logo em 2020. O filho deu esse passo aos 16 anos, sem qualquer barreira quando chegou aos serviços de registo. “Foi tudo muito simples. Perguntaram ao meu filho se estava seguro de que era o que queria”, conta à CNN Portugal.

Contudo, este pai alerta que nem todas as crianças transgénero e suas famílias terão o apoio necessário na hora de chegar ao registo civil. “Os números não refletem a realidade, porque existem muitas dificuldades. Mudar o nome implica uma conservatória. O que nos deparamos, ao longo dos anos, é que muitos conservadores não sabiam o procedimento e recusavam. Tivemos casos de pessoas que vieram de outras localidades a Lisboa para conseguirem fazer essa alteração”, explica.

Na associação AMPLOS, chegam uma a duas famílias por semana a pedir apoio nesta matéria.

O pedido é tratado numa conservatória do registo civil. Os menores de idade, com 16 ou 17 anos, devem fazer-se acompanhar dos representantes legais (como os pais). É necessário ainda um relatório de um médico ou psicólogo, a “atestar apenas a capacidade de decisão e vontade informada do menor, sem fazer referências a diagnósticos de identidade de género”. Este processo é gratuito.

“A pessoa deve atualizar o seu Cartão de Cidadão até 30 dias depois do registo de mudança de menção do sexo e da alteração do nome próprio”, explica o Ministério da Justiça.

Espanha já permite mudança aos 12 anos. Em Portugal, pensa-se nisso

Em Espanha, foi aprovada em fevereiro uma lei que permite a mudança de género no registo civil a partir dos 12 anos sem parecer médico. Aos 12 e 13 anos é necessária a autorização de um juiz. Aos 14 e 15 anos exige-se a autorização dos tutores legais. A partir dos 16 anos, bastará a vontade do menor que quer alterar o seu género no registo.

Segundo Manuela Ferreira, a vontade de poder iniciar este processo de mudança de nome e género nos registos aos 12 anos também já começa a ser trazida pelas famílias apoiadas pela associação AMPLOS.

Também António Vale insiste que este debate “vai ter de ser reaberto”. “Temos casos de crianças que estão com a transição social perfeitamente feita. Com oito, nove, 10 anos, 12 anos. E todos os dias se deparam com a questão de irem, por exemplo, a um centro de saúde, e serem chamados por um nome e género com que não se identificam há já muito tempo. É uma agressão grande”, argumenta este pai.

“Há essa vontade. Para os pais e mães de pessoas mais pequeninas seria um conforto. Veja este exemplo: as pessoas vão de viagem e a criança tem uma expressão de género feminina mas no cartão está o nome masculino. Isso é mau, uma Rita ser tratada por João. Se as famílias pudessem fazer as mudanças nos cartões mais cedo, isso não se punha”, exemplifica à CNN Portugal.

Num dos casos relatados pela AMPLOS, a família procura que a filha tenha uma aparência neutra em termos de género quando vai viajar, para evitar olhares e situações de desconforto para a criança, já que não consegue evitar que ela seja chamada pelo nome masculino que consta nos documentos.

No final deste mês, a 31 de março, assinala-se o Dia Internacional da Visibilidade Trans, com o objetivo de chamar a atenção para as situações de discriminação que continuam a sentir as pessoas que não se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença.

Continue a ler esta notícia

Relacionados