Se se diz que uma pessoa tens os pés assentes na terra, isso significa que é sensata e equilibrada - alguém em quem se pode confiar para dar uma opinião cuidadosa e ponderada. O próprio significado do termo provém da solidez e estabilidade do terreno sobre o qual caminhamos. No entanto, notícias recentes nos meios de comunicação social pintaram um quadro diferente do que se passa debaixo do solo - um quadro em que o núcleo da Terra está a fazer algumas coisas muito surpreendentes e inesperadas.
Um estudo publicado na revista Nature Geoscience descreve uma mudança no movimento do núcleo da Terra - e com essa notícia, proliferaram as manchetes, algumas afirmando que o núcleo da Terra deixou de girar.
Mas esta interpretação é, na realidade, enganadora. O núcleo da Terra não está a parar literalmente; no entanto, está a mudar.
A Terra não é uma bola sólida; é constituída por várias camadas. Existe o núcleo mais interno, que é uma esfera sólida aproximadamente do mesmo tamanho que o planeta Marte. Em redor está o núcleo exterior, que é rocha líquida. A camada seguinte é o manto, que tem a consistência semelhante a um caramelo. Por fim há a crosta, que é a camada mais externa - o local onde vivemos.
Se a Terra fosse uma bola sólida, cada camada giraria em sincronia, uma vez por dia. No entanto, devido à estrutura em camadas, é possível que o núcleo da Terra gire a um ritmo ligeiramente diferente da superfície e de outras camadas. E, na década de 1990, os investigadores utilizavam dados geológicos recolhidos nas décadas anteriores para mostrar que o núcleo da Terra girava ligeiramente mais rápido do que o resto da Terra. A diferença é pequena - cerca de 1º por ano mais rápido do que a superfície da Terra.
Este estudo mais recente descobriu que a rotação do núcleo está a abrandar. Não está a parar, mas está agora a girar à mesma velocidade da Terra. Além disso, parece que o núcleo pode estar a abrandar, de modo que acabará a gira um pouco mais devagar do que a Terra. Isto é cientificamente interessante, mas bastante menos dramático do que algumas das manchetes sugeriram.
Os investigadores já viram esta mudança periódica na velocidade de rotação do núcleo da Terra antes e ainda debatem o ritmo a que ela ocorre, com alguns a sugerir um ciclo de 70 anos, enquanto outros sugerem um ciclo muito mais rápido.
Para os geólogos, isto é fascinante. O raio da Terra é de apenas 6437 quilómetros e o buraco mais profundo que alguém já cavou tem pouco mais de 12 km de profundidade. A crosta sob os continentes da Terra pode ter cerca de 64 km de profundidade, embora a crosta sob os oceanos possa ser muito mais fina. Descobrir a estrutura da Terra requer métodos indiretos, envolvendo o estudo da velocidade com que as ondas dos terramotos atravessam pela Terra ou o estudo do rico tesouro de dados de como o som das explosões nucleares passa pela Terra. Com algumas exceções, os testes nucleares pararam em meados da década de 1990.
Manchetes à parte, este estudo recente confirma resultados anteriores que mostram que a rotação do núcleo interno muda com o tempo e ajuda os geólogos a tentar descobrir o mecanismo pelo qual essas mudanças ocorrem. O que interessa aos geólogos é a interação entre as forças gravitacionais e magnéticas dentro da Terra que aceleram e abrandam a rotação do núcleo.
No entanto, há aqui uma lição muito mais importante a tirar, que é a de que os cientistas são capazes de fazer medições extremamente precisas do que se passa debaixo da superfície da Terra. Isto é muito importante - afinal, é o único planeta que temos. O que acontece sob a Terra pode ter enormes consequências para a humanidade.
Considere-se o supervulcão que está adormecido sob o Parque Nacional de Yellowstone [nos Estados Unidos]. A cada meio milhão de anos ou mais (às vezes mais), Yellowstone transforma-se num vulcão que lança centenas ou milhares de vezes mais cinzas na atmosfera do que a erupção de 1980 do Monte Santa Helena [St. Helens]. Embora alguns temem que talvez o supervulcão de Yellowstone esteja destinado a sofrer outra erupção, estudos recentes dissiparam a preocupação de que o perigo é iminente. No entanto, dada a magnitude dos danos que tal erupção poderia causar, é imperativo que os geólogos continuem a monitorizar o que se está a passar.
E há muito mais a acontecer sob a superfície da Terra. O campo magnético da Terra orienta os navios no mar e os viajantes perdidos. É fácil acreditar que esta bússola funcionará sempre, contudo os geólogos mostraram que o campo magnético da Terra não é constante. De facto, a cada poucas centenas de milhares de anos, o campo inverte-se, com o sul magnético a tornar-se norte, e vice-versa.
E, embora uma inversão não esteja provavelmente iminente, a localização do norte magnético muda mesmo em escalas de tempo humanas. No início do século XIX, estava localizado no norte do Canadá, no entanto, deslocou-se para o Oceano Ártico e está agora a aproximar-se da Sibéria.
Ao compreenderem mais sobre o funcionamento interno da Terra, os cientistas poderão ajudar a humanidade a preparar-se para mudanças significativas no campo magnético da Terra. Se isso acontecesse, teríamos de mudar todos os instrumentos que dependem das bússolas para navegar.
Temos apenas um planeta e o que acontece no seu interior pode afetar-nos a todos. É imperativo que os geólogos continuem a estudar o que se passa dentro do nosso globo - e esta recente medição das mudanças na rotação do núcleo da Terra dá-nos algum conforto de que estamos a manter-nos a par da velocidade.
E, vamos admiti-lo, isso é muito fixe.