O TikTok não faz mal! Então porque estará a ser banido? - TVI

O TikTok não faz mal! Então porque estará a ser banido?

    Nuno Mateus-Coelho
    Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança
  • 3 mar 2023, 15:35
TikTok (Associated Press)

Creio que é seguro dizer que todos já ouvimos falar do TikTok mas vê-lo, certamente as gerações mais novas já. O interesse está precisamente aí, nas gerações mais novas que não rumam à rede social mais comum de outros tempos, o Facebook, uma vez que este sucessivamente perde utilizadores, seja pelo facto de estar associado à síndrome “pais”, porque o seu conteúdo é considerado secundário ou mesmo devido à sua reputação de má gestão dos nossos dados e o uso de sistemas de profiling de personalidades para disseminar informação incorreta. Sem deixar este tema do Facebook, explico porque é que ele é tão importante e o que é que o TikTok tem de ligação com ele.

Olhando para o Facebook, em anos muito recentes, ele começou a ser usado para disseminar mensagens políticas que vou dizer no mínimo polémicas. Para isto, a Cambrigde Analytica teve muito de culpa uma vez que acedeu aos dados dos utilizadores para os catalogar em 5 variedades de personalidades, e por conseguinte, fazer chegar micro anúncios polémicos com mensagens políticas polémicas, uma de cada cor. Não vou entrar em detalhes porque o que importa é perceber onde entra o TikTok nesta história.

Certo dia, numa manhã solarenga, a ByteDance, empresa chinesa de tecnologia, lançou a famosa aplicação TikTok. Sendo um sucesso imediato na China, é usada maioritariamente para passar boas e positivas mensagens entre os jovens e dos jovens chineses, como por exemplo, lições de piano, concertos, mostras de arte, dança e humor ligeiro, a verdadeira antítese que vemos no ocidente. Claro que também havia algum conteúdo menos enquadrado na minha descrição, mas a pressão de pares rapidamente resolveu este tipo de iniquidades. Ora, não demorou tempo a aglutinar as camadas mais jovens mundo fora, embora com conteúdos totalmente diferentes da China. É aqui que começa a saga que leva a que hoje se comece a banir o TikTok em certos locais, mas já lá vou.

As camadas mais jovens, mais digitais, mais infoincluídas, levaram a peito os desvarios do Facebook e da Cambridge Analytica e, na verdade, tudo o que seja conotado de controlo de massas. De uma assentada saltou para outro meio e pensa que lá está bem (pensa, mas não é o facto). Com as polémicas ligadas ao Facebook e com as histórias documentadas de disseminação de “fake news”, entre outras, a maior rede social do mundo vê-se dia a dia a sangrar utilizadores entre os 16-36 anos e com esta saída, há obviamente um vazio imenso de alvos de propaganda política. Foi precisamente aqui que as coisas mudaram e levaram a esta mais recente onda de bloqueios ao TikTok por parte de entidades governamentais em vários países. E porquê? - pergunta agora o leitor. Será que é porque o conteúdo é altamente reprovável para qualquer menor de idade? Será porque não se concorda com as mensagens e ideias partilhadas por lá? Já lá vamos.

Olhando para o TikTok, pensávamos há um ano que era uma coisa onde haviam vídeos de danças e disparates, vídeos humoristas, etc. E sim, se pensa assim é verdade, mas acontece que por causa do vazio deixado no Facebook pelas camadas mais jovens, isto é, entre os 16 (às vezes menos) e os 36 (às vezes mais), os consumidores de dados e vendedores de mensagens perderam um público alvo muito importante, aquele que estava classificado pela Cambridge Analytica e era o recetáculo das mais variadas teorias da Terra Plana, de Extrema-esquerda e Extrema-direita, da conspiração, dos novos ideais de identidade entre tantas e tantas outras mensagem validas e menos válidas. Todos ou quase todos sem exceção estão a deixar o Facebook e até o Youtube para pregar no TikTok as suas ideias. E atrás deles quem foi? Todo um grupo de pessoas que vivia destas almas no Facebook, nomeadamente a política.

Se estava à espera que fosse falar dos conteúdos no TikTok e que jamais se viram no Facebook sem serem eliminados em menos de 10 minutos, enganou-se. Não vou falar dos vídeos ad nauseam de dietas e de rotinas de saúde sem qualquer suporte científico, de treinos de ginásio sem qualquer nexo, de misógina, de femininíssimo extremo, de ideias perversas de política, de guerra e de nudez, muita nudez de adultos e jovens adultos, enganou-se. Também não vou falar do lado onde vemos música, arte, caridade, bondade e partilha de momentos de amizade. Vou falar da parte que leva a que meio mundo político esteja a ser banido pelas entidades governamentais de ter o TikTok nos equipamentos do “Estado”.

Basta procurar no TikTok pelo nome dos partidos portugueses para ver ao vivo a sua mais ampla campanha partidária. Apesar de quase todos ou mesmo todos terem oficialmente ou não, lá um perfil, são os seus seguidores que massivamente se digladiam na rede social à procura de votos. Um pouco mais ou menos o que faziam com algumas regras no Facebook, mas que agora os jovens não reparam e porquê? Porque é curto e com humor ou pertinência. O que antes se escrevia em comentários para disseminar ideias, no TikTok faz-se com 20 segundos de vídeos sem necessidade de fazer micro anúncios; porém, sempre segmentado para os tipos de personalidade explorados pela Cambridge Analytica.

A questão ganha outro peso porque o TikTok pertence a uma empresa chinesa e estas podem ser imediatamente intimadas a fornecer informações dos seus utilizadores sem ter direito a voto na matéria; alias e para ser claro, quase todas as grandes empresas internacionais e nacionais possuem dentro de portas um servidor central de faturação no local da sede, diretamente ligado à Fazenda. É com esta preocupação que vivem agora as autoridades dos países ocidentais. Como praticamente todo o corpo político mundial está presente coletivamente ou a nível individual no TikTok, estão também com eles os dados dos seus equipamentos. Como estão presentes legiões de funcionários oficiais dos governos de vários países ocidentais, então também os seus telefones e em última instância o seu conteúdo; ora é aqui que eu queria chegar para concluir.

Ao ter equipamentos oficiais do Estado com a aplicação TikTok disponível, pode-se considerar que está toda a infraestrutura que suporta o próprio equipamento. Se dados forem recolhidos ou um ataque viral vier a ter lugar, aquele dispositivo é a porta de entrada perfeita. Também noutro vetor de ataque, ter aplicações que com uma atualização podem começar a ouvir o que se passa à sua volta ou a enviar cópia dos conteúdos para um destino menos acidental, torna-se problemático. Mas quem diz isso, eu? Não, o FBI, por exemplo, também o diz e de forma mais concreta, como também outras entidades mundo-fora como os governos do Canadá e do reino Unido, aquilo que estrategicamente na Wikipédia se está a chamar de “Censorship of TikTok”. Coincidências? Não creio.

Claro que para tranquilizar as entidades norte americanas e para não haver um banir geral nos Estados Unidos, o TikTok veio comunicar que passará a guardar os dados num servidor da Oracle na América, mas também disse que este ia fazer backups para a Ásia. Depois disseram ao Procurador-Geral que iam apagar os dados dos americanos, mas também não disseram quando; ora, não é difícil perceber que esta informação interessa a alguém. Cansados de esperar que o TikTok fizesse alguma coisa ou mesmo que as pessoas fizessem alguma coisa, está a sair pelo globo um barrar ao TikTok nos equipamentos oficiais pertencentes ao Estado e, na minha opinião, não faltará muito a ser banido aos funcionários de setores críticos e estratégicos de várias indústrias norte americanas e europeias.

Mas afinal que dados são estes e que perigo trazem aos seus utilizadores ou às entidades de segurança? Bom, alguns dados pessoais, dados dos equipamentos, localizações geográficas ao segundo (imaginem o presidente Biden e o seu TikTok a dar as suas localizações a caminho da Ucrânia à Rússia), imagens e dados de motores de inteligência artificial sobre essas imagens, perfis, relações com outras aplicações, conversas de microfone, acesso à câmara fotográfica, possibilidade de fazer diretos a partir do TikTok dentro de uma instalação secreta. Enfim, uma imensidão de coisas que para nós mortais nada representa, mas que para as relações estratégicas internacionais muito importa.

Em forma de saída já vos tinha dito que no ano passado a Center for Countering Digital Hate identificou mais 13 mil milhões de visualizações de vídeos que levam a distúrbios alimentares?

Bom, como podem ver, o TikTok é uma amálgama de questões e temas e para terminar agora, vou lá ver o que andam a dizer os nossos líderes, mas não posso, porque desde ontem, também foi banido nos equipamentos da Comissão e do Parlamento Europeu.

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