Vale mesmo a pena ir fazer as compras a Espanha? Fizemos as contas e a resposta não é (exatamente) a esperada - TVI

Vale mesmo a pena ir fazer as compras a Espanha? Fizemos as contas e a resposta não é (exatamente) a esperada

  • Andreia Miranda
  • - notícia atualizada com preço corrigido do total do Auchan
  • 25 jan 2023, 07:00

Nas redes sociais multiplicam-se as imagens de produtos cujo valor de venda é inferior quando comprado fora de Portugal. Mas analisando um pequeno cabaz de produtos, a realidade parece ser diferente

Quanto custa uma embalagem de ketchup (250ml) em Portugal? 2,89 euros, nos quatro hipermercados consultados pela CNN Portugal a 18 de janeiro de 2023. Mas, em França, a mesma embalagem de ketchup custa apenas 0,99 euros. Já na vizinha Espanha, o valor é de 2,09 euros. E este produto não integra o cabaz de bens essenciais onde o IVA espanhol foi retirado.

No Twitter, a diferença é notada não só em comparação com França, mas também com o Reino Unido (ainda que em quantidade diferente) e os consumidores questionam-se o porquê da diferença de valores. 

Ao longo de vários dias, a CNN Portugal pesquisou os preços de dez produtos em supermercados de Portugal, Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, assim como na Amazon de Espanha e Alemanha e na Primor e na Notino. 

Comparados os preços finais nos supermercados onde os dez produtos se encontravam disponíveis, surpresa: o cabaz mais barato podia ser comprado num supermercado em Portugal com uma diferença de 12,73 euros para o supermercado mais caro, neste caso em Espanha.

 

Afinal, será mesmo mais barato fazer compras além-fronteira? Ana Bravo, especialista em economia doméstica e autora do livro "ABC da Economia", começa por explicar que a ideia de que os produtos têm um valor mais reduzido noutros países é uma ideia que se pode colocar "na categoria de mito". 

Um mito que segundo a especialista pode ter origem nos tempos em que o país era governado por Oliveira Salazar. "Como estávamos completamente fechados ao exterior", tudo o que era "proibido era o mais apetecido" e que nos faz considerar que "o que os outros têm é sempre melhor". Mas a realidade não é necessariamente assim, explica, concluindo que esta é "uma daquelas coisas que definitivamente colocaria na categoria de mito". 

Alertando que mais do que ter o foco apontado às compras no exterior, os portugueses deviam estar preocupados em manter viva a máxima de "que o nacional é que é bom" para ajudar a desenvolver a economia, Ana Bravo alerta ainda que o "barulho" criado nas redes sociais com o preço de determinado produto não pode ser visto como exemplo porque, muitas vezes, quando se faz uma pesquisa mais alargada, a conclusão mostra que a parte não corresponde ao todo, ou seja, "vai acontecer um produto ou outro, ser mais económico", mas no final não compensa.

"Isso acontece na nossa mente com alguma frequência. Pensamos que como encontrámos uma vez uma situação, tudo é aquela situação. E não é. Isso é uma tendência, uma forma de estar pouco informada. É mais fácil pensar assim do que fazer, ir pesquisar. Muito mais importante do que estarmos focados no produto A, B ou C, em que mandamos vir de Espanha ou de Inglaterra, onde quer que seja, e que nos sai mais barato, é pensarmos que quanto mais consumirmos cá dentro, mais estamos a alimentar a economia portuguesa", explica.

Ana Bravo explica ainda que a diferença dos preços em Portugal pode estar relacionada com a forma como os mesmos são comprados, se são comprados em bruto e embalados cá, "isso faz com que o custo de um produto que vem de fora não seja igual àquele que é comprado como produto final". 

"Há muitos produtos que apesar de virem de fora, não vêm nas suas embalagens. Temos em Portugal uma grande indústria de embalagem e muitas coisas vêm e são depois embaladas no seu destino. Portanto, esta situação também é bastante impactante no preço das coisas", explica a especialista.

Para além disso, também o nível de vida português tem impacto uma vez que "os preços são ajustados ao país onde estão, senão havia produtos que eram vendidos a um preço num determinado país que se viessem para cá ao mesmo valor ninguém os comprava". 

"A formação do preço de um produto tem muitos itens"

O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), Gonçalo Lobo Xavier, também sublinha a teoria de que a análise de preços entre países não pode ser feita de forma tão linear e que é preciso ter em conta que "o custo do produto não se mede apenas pelo valor a que o produto é vendido". 

"Estamos em Portugal com custos completamente diferentes do que têm os outros países. A formação do preço de um produto tem muitos itens: tem o transporte, tem a logística, tem o custo da embalagem e, portanto, as coisas têm preços diferentes em França, como têm preços diferentes em Portugal. Não é sério fazermos uma análise stricto sensu e com base nas redes sociais ou mesmo numa pesquisa, porque se a indústria nos vende mais caro esse produto do que vende em França, é porque a indústria está a incorporar os custos dos fatores de produção que naturalmente são diferentes em França. É diferente o custo de transporte, o preço da energia, é diferente o preço do gasóleo, é diferente o preço do transporte", explica Gonçalo Lobo Xavier.

O diretor-geral da APED afirma ainda que a diferença de preços nada tem a ver com a margem de lucro do retalho alimentar que, garante, quer em Portugal quer em França são na ordem dos 2 a 3%. "As diferenças entre os países têm a ver com as próprias cadeias de distribuição e com todos os elos da cadeia: o produtor, a indústria, a embalagem, quem transporta, a logística, os preços. Evidentemente que também temos produtos que são muito mais baratos em Portugal do que em França, ou que noutros países e o princípio é exatamente o mesmo", conclui.

"Tem de se ser muito cauteloso"

Gonçalo Lobo Xavier reitera várias vezes que "tem de se ser muito cauteloso nas comparações" porque estas "não fazem a análise de tudo". Não fazem a análise de tudo, mas colocam a descoberto alguns preços mais baixos do que aqueles que são praticados pelas cadeias de hipermercados em Portugal e em alguns casos estão disponíveis através de uma encomenda online, como é o caso de plataformas como Primor, Notino e Amazon.

O diretor-geral da APED justifica esta diferença de preços com o facto de se tratarem de "cadeias internacionais que não pagam impostos em Portugal e que não têm a mesma carga fiscal" que os operadores portugueses têm.

"Logo aí há uma grande diferença, até diríamos que pode ser concorrência desleal porque tem um enquadramento fiscal completamente diferente em termos de IVA, em termos de IRC, em termos de todos os impostos que estão associados ao custo e à carga fiscal que os operadores normais que estão em Portugal têm de pagar. Portanto, há aqui de facto diferenças e que deixam até, em alguns casos, os nossos associados bastante desconfortáveis"

Lobo Xavier diz que não deixa de compreender, no entanto, que os consumidores recorram a estas plataformas para "beneficiarem dessa ausência de pagamento de impostos que estas empresas têm".

Por sua vez, Ana Bravo diz que as compras neste tipo de plataformas pode representar "uma vantagem financeira" apenas em alguns produtos, mas "não significa que, na generalidade seja mais económico. Em 100 produtos acontece para 25. Ou seja, não significa que na generalidade seja mais económico".

Para a especialista em economia doméstica, isto acaba por significar "uma má gestão do tempo" porque deixamos de "olhar para outras coisas que nos saem caras". Ou seja, quando ponderados todos os custos - combustíveis gastos no envio incluídos - pode não compensar assim tanto encomendar as compras nestas plataformas e, para Ana Bravo, o que "interessa é que, no nosso cabaz em geral, as compras sejam bem ponderadas em Portugal, e se tomem decisões que no geral daquele cabaz, nos fique mais económico do que mandar vir de fora".

Da ausência de impostos, à ausência de IVA em Espanha

A 27 de dezembro de 2022, Pedro Sanchez anunciava que o governo espanhol ia reduzir para 0%, durante seis meses, o IVA sobre produtos alimentares de primeira necessidade. A medida rapidamente fez eco por Portugal, não por imitação, mas porque muitas foram as vozes que se levantaram para pedir que o mesmo fosse aplicado por cá, dizendo até que seria possível poupar 400 euros

A APED diz que "essa possibilidade foi estudada em Portugal por parte do Governo e nas reuniões técnicas" no final de agosto e início de setembro, e que a decisão de não avançar com a retirada do IVA foi do Executivo porque "entendeu que não queria perder essa receita fiscal". 

Relembrando o que aconteceu com taxa reduzida do IVA das manteigas, margarinas e cremes vegetais obtidos a partir de produtos de origem vegetal, Gonçalo Lobo Xavier garante que a Associação está preparada para fazer o que o Governo indicar, até porque os associados têm noção que "a questão do IVA faz muita diferença" e vai ter impacto na carteira dos portugueses.

"Se o Governo entender que deve aplicar a medida em Portugal, vamos fazer aquilo que o Governo indicar que é retirar o IVA desses produtos e o preço de venda final vai baixar na relativa proporção de baixar também o IVA. E isso é uma medida que traz efeitos. Não diria que no dia a seguir, até porque há procedimentos e há produtos em stock, etc. Mas, num curto prazo, o preço ia descer na medida quase imediato com a descida do IVA. O Governo só não tomou ainda essa medida porque não quis e porque entendeu que não queria perder essa receita fiscal".

Assinalando que esta é uma decisão que cabe ao Executivo, Lobo Xavier esclarece que já foi disponibilizada toda a informação que foi pedida para que a decisão seja tomada. E garante ainda que os associados "estão disponíveis para acatar essa decisão e para agir na conformidade e abraçar esse benefício para o cliente". 

Cabaz essencial mais caro 37,11 euros do que no ano passado

A descida do IVA não é certa, mas os apelos continuam, assim como a passagem da fronteira para ir a Espanha fazer compras (e abastecer o carro com combustível), um movimento que não é de agora. 

Ana Guerreiro, das Relações Institucionais da Deco Proteste, diz mesmo que, "historicamente, quem estava próximo da fronteira sempre aproveitou a hora de fazer compras e, muito antes até do aumento dos preços de combustíveis, sempre foi mais barato ir à Espanha fazer a compra de supermercado e abastecer o carro".

"Com estas alterações tão expressivas de preço dos produtos de supermercado e dos combustíveis, é natural que estas pessoas, que estes consumidores que estão mais próximo das fronteiras, aproveitem para fazer estas compras". 

Alterações expressivas que, segundo Ana Guerreiro, pesam na carteira dos portugueses e já os obriga a fazer escolhas na altura de ir às compras. Segundo a análise de preços do cabaz produtos alimentares essenciais, composto por 63 produtos (carne, congelados, frutas, legumes, laticínios, mercearia, peixe), entre 19 de janeiro de 2022 e 18 de janeiro de 2023, o preço aumentou 37,11 euros (19,79%).

"E entre fevereiro de 2022 e quarta-feira, o cabaz custa mais de 41,04€, portanto, mais de 22,35% face ao início do ano. Portanto, com a guerra, com a inflação e os preços têm efetivamente vindo aqui a aumentar. Em janeiro, com uma variação de 16,89% e agora com esta de 22,35%", explica. 

Questionada sobre se a solução para a redução dos preços em Portugal seria a redução do IVA como aconteceu em Espanha, Ana Guerreiro diz que é difícil comparar porque as realidades nos países dependem de várias variantes. 

"Em Espanha houve esta redução da taxa de IVA, em Portugal isso ainda não acontece, nem outros países da Europa. E estar a comparar, tem sempre aqui uma dupla face porque tem realidade de ordenado mínimo nacional diferentes, de qualidade de vida, de acesso aos produtos, taxas de IVA", afirma.

Certo é que, em Portugal, só este ano, o preço dos produtos do cabaz de bens essenciais aumentou 2,4% (5,27 euros), de acordo com as contas da Deco Proteste a que a CNN Portugal teve acesso.

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