Manuel Pinho assume "habilidade" para ocultar património quando foi para o Governo - TVI

Manuel Pinho assume "habilidade" para ocultar património quando foi para o Governo

  • CNN Portugal
  • 30 mar 2022, 11:32

Textos escritos por Manuel Pinho e apreendidos pelas autoridades descrevem como o ex-ministro da Economia ocultou através de uma sociedade offshore os pagamentos que recebia do chamado "saco azul" do Grupo Espírito Santo

"Assumo que usei de uma 'habilidade' para não revelar totalmente o meu património quando entrei para o Governo". As palavras são de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, e constam de um texto escrito pelo próprio e agora apreendido pelo Ministério Público. Segundo o Observador, Pinho, que se encontra em prisão domiciliária na Quinta do Assento, em Braga, terá escrito vários textos com a sua versão sobre as avenças que recebia do chamado "saco azul" do Grupo Espírito Santo (GES), confessando a que expedientes recorreu para se tornar ministro sem revelar os pagamentos que lhe eram feitos por Ricardo Salgado.

Estes documentos foram apreendidos a 23 de fevereiro, precisamente na Quinta do Assento, e, de acordo com o jornal digital, fazem parte de um despacho dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, com data de 17 de março.

Num dos textos que foram apreendidos, a que Pinho chamou "Caranguejo", o ex-ministro de José Sócrates assume então que usou de uma "habilidade" para não revelar o património quando foi chamado a governar. "Não o devia ter feito, mas a contrapartida teria sido continuar a gozar de um lugar tremendamente bem pago e em que fazia pouco, usufruir de férias de luxo e viajar em classe negócios", acrescenta, referindo-se ao cargo de administrador executivo no Banco Espírito Santo e noutras sociedades do Grupo Espírito Santo em Portugal e no estrangeiro, aponta o Observador.

Neste texto, Manuel Pinho escreve que considerou que "era mais importante servir o meu país e não tive alternativa", optando assim por ocultar património ao tornar-se ministro em março de 2005. 

"Antes de entrar no Governo, criei uma fundação, a Tartaruga, porque era forma ‘habilidosa’ de não ter de declarar as minhas poupanças no exterior, caso contrário não teria integrado o Governo", escreve, dizendo  também que a Tartaruga Foundation, uma sociedade offshore com sede no Panamá detida por ele e pela mulher, Alexandra Pinho, é apenas uma fundação sem atividade comercial.

Porém, já depois de estar no Governo, Pinho e a mulher foram "avisados pelo gestor de conta por duas vezes que havia pagamentos" na conta da Tartaruga Foundation aberta no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça - e esta conta nunca foi declarada por Manuel Pinho ao fisco nem ao Tribunal Constitucional, conforme era obrigado pelo cargo. 

E assim, conta noutro texto, ele e a mulher marcaram "um jantar em casa de RS (Ricardo Salgado), onde lhe contei sucedido e solicitei que a situação fosse imediatamente corrigida". Pinho diz que passado pouco tempo ele e a mulher foram informados de que estava tudo resolvido, porém, os pagamentos - no valor mensal de cerca de 15 mil euros - terão sido retomados. Nessa altura, segundo Pinho, Salgado voltou a dizer que "trataria do assunto".

Contudo, o Observador afirma que a versão de Pinho não coincide com os extratos bancários das contas da Tartaruga Foundation e de outras sociedades offshore através das quais recebia a avença da ES Enterprises: a ordem permanente n.º 100276 obrigava a pagamentos mensais que começaram por ser feitos em 2002 para a sociedade offshore Masete II e depois transitaram para a Tartatuga Foundation em 2005 e prolongaram-se até abril de 2014. No total, Pinho recebeu 2.110.672, 80 euros entre julho de 2002 e abril de 2014.

Em sua defesa, o ex-ministro garante que não recebia extratos bancários da conta da Tartaruga Foundation e que não teve depois contactos com o gestor de conta, pelo que não tinha indicação de que os pagamentos do GES continuassem a ser feitos. Pinho acrescenta que o gestor de conta tinha "instruções explícitas para que não fossem dados documentos, pelo menos até 2009-2010", mas não explica porquê. E diz que, "dada a natureza da conta, apenas era comunicado o saldo patrimonial verbalmente". "A variação do saldo foi sempre semelhante ao equivalente a uma aplicação de 4%/5%, portanto era impossível perceber o que estava a entrar/sair”, escreve Pinho.

Só em 2014, a pedir um extrato detalhado da conta à comissão liquidatária Espírito Santo Banque Privée na Suíça, Pinho e a mulher terão percebido que a realidade era diferente.

"Ficámos admiradíssimos", escreve o antigo governante, acrescentando que é Ricardo Salgado quem tem de justificar as transferências.  “Quem tem de dar explicações é quem mandou fazer transferências para a nossa conta sem avisar", sublinha.

No seu texto, Pinho avança mesmo algumas teorias que possam explicar a movimentação mensal de dinheiro: admite que Ricardo Salgado, por gerir o GES "de forma extremamente centralizada", se tenha esquecido de mandar cancelar as transferências e mentiu das duas vezes que garantiu que tratara do assunto; que Ricardo Salgado tenha decidido atribuir um prémio e pagá-lo "em prestações mensais"; que os pagamentos de Ricardo Salgado eram para a mulher de Pinho por estar a fazer "um excelente trabalho" na curadoria da coleção BESarte; que Ricardo Salgado tinha decidido deliberadamente pagar-lhe para não lhe pedir favores mas para "garantir o silêncio" sobre as fragilidades do BES; que alguém do GES queria "tramar" Salgado, tendo criado aquele "circuito de pagamentos"; ou mesmo que Salgado tivesse feito as transferências "por perversidade", ainda que nunca tivesse pedido a Pinho "qualquer favor".

O ex-ministro resume que os pagamentos foram feitos "à socapa" e que o acordo escrito relativamente à reforma, assinado por Salgado, não foi cumprido, referindo-se a um dos acordos que tinha feito com o GES e que previa que, se um dia ocupasse um lugar público, todos os pagamentos seriam suspensos. Este acordo escrito esteve também na base de uma ação que Pinho interpôs contra o BES e o Fundo de Pensões do Banco - e que viria a perder em 2016 - exigindo um acordo de reforma no valor de 7,5 milhões de euros, bem como o pagamento de 21.500 euros mensais a título de pensão vitalícia. 

Os salários de Manuel Pinho

Quando o economista do BES passou para o governo de José Sócrates, em 2005, foi obrigado a declarar rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Ficou então a saber-se que, como administrador do BES (onde trabalhava desde 1994), Manuel Pinho declarou um rendimento bruto de cerca de 490 mil euros em 2005 e outro tanto em 2004. Era o seu salário anual antes de ser ministro.

Foi perder salário para o governo: em 2006 declarou 87 mil euros de salário e despesas de representação enquanto ministro, 88 mil euros em 2007, 90 mil euros em 2009. Nos 12 anos seguintes não houve declarações públicas de rendimentos, nem teria de haver. Mas os indícios recolhidos ao longo de anos pelo Ministério Público apontam para muito dinheiro fora do país, com alguns montantes a não entrarem sequer em Portugal, transitando de umas sociedades offshore para outras.

Segundo a investigação, Manuel Pinho terá recebido pelo menos 778 mil euros entre 2005 e 2009 do Grupo Espírito Santo enquanto foi ministro da Economia. Ou seja, Ricardo Salgado não foi patrão antes e depois de Pinho ser ministro: pagou-lhe sempre. O Ministério Público sustenta que estes pagamentos foram feitos entre o famoso “saco azul” do GES (a Espírito Santo Enterprises) e a Tartaruga Foundation. Foram também rastreadas transferências a partir de Gibraltar, que o próprio Manuel Pinho justificaria como sendo resultado de uma herança. No total, as transferências terão ascendido a 3,7 milhões.

Em 2021, na investigação “Pandora Papers”, foi confirmada a existência das três sociedades offshore atribuídas a Manuel Pinho que já constavam no processo do Ministério Público: a Tartaruga Foundation, a Blackwade Holdings e a Mandalay, sociedade sediada nas lhas Virgens Britânicas criada pela sociedade panamiana Mossack Fonseca. Esta última sociedade offshore terá sido utilizada por Pinho para comprar um apartamento em Nova Iorque.

Pinho, recorde-se, é suspeito de crimes como corrupção, por indícios de que fosse pago pelo BES de Ricardo Salgado, ao mesmo tempo que era ministro da Economia do Governo de José Sócrates, para defender os interesses do banco junto do Estado, nomeadamente através do favorecimento da EDP. Está atualmente em prisão domiciliária no âmbito do processo EDP.

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