Se o Chermiti mostra os dentes, (inserir acontecimento inócuo) - TVI

Se o Chermiti mostra os dentes, (inserir acontecimento inócuo)

  • Sofia Oliveira
  • 14 abr 2023, 14:47
Árbitro Nuno Almeida confirma fora de jogo a Youssef Chermiti no Gil Vicente-Sporting (Estela Silva/Lusa)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Há gente cujo maior pavor que tem na vida é o pavor de falhar previsões.

Se quisermos colocar isto na perspectiva da igreja, dizemos que há gente que foge de previsões como o diabo foge da cruz. Se quisermos colocar isto na perspectiva do João Miguel Tavares, também é fácil: há algum perigo maior do que o Chega? Sim, falhar previsões.

O medo cénico de verem as suas fuças besuntadas de previsões falhadas, outrora defendidas com unhas e dentes, dá-lhes um arrepio pela espinha. Então, optam por se colocar à margem da javardice que é:

  • Hipótese a) Manter uma posição perante um número superior de anti-corpos;
  • Hipótese b) Alterar a posição e aceitar que o público irá, naturalmente, agarrar na sua esfregona mais ‘mandonga’ - que é um sinónimo que a minha avó sempre utilizou para ‘suja’, sem que eu alguma vez tenha percebido a sua origem semântica -, e esfregar-vos com prints.

A primeira hipótese é javarda porque denota fundamentalismo, incapacidade de reconhecer os erros, teimosia, busca patética por atenção. Geralmente, nunca denota convicção, até porque quem tem pavor de falhar previsões, tende a apresentar sintomas alérgicos a pessoas convictas. Aliás, pessoas convictas não são pessoas convictas, são condutores que gostam de andar em contramão. Não rejeito a existência, mas condutores que gostam de andar em contramão não são pessoas convictas. Tal como não são pessoas convictas todas as que vão na direcção do rio à espera de caminhar em cima da água.

Entrará por aqui, algures, a subjectividade do termo "convicção", que, no que toca ao futebol, que é do que tenho estado a falar, possui o tamanho do número de pessoas que interpretam o jogo e até das que não o interpretam, já que a interpretação também detém uma conotação qualitativa, ou seja, a "boa interpretação" e a "má interpretação" são expressões subjectivas.

A segunda hipótese é javarda porque «ai, dói muito esfregarem-me com prints». Não dói nada, pá. O que dói é andares incessantemente à procura de consenso. E costuma ser uma dor que aparece na coluna vertebral. Por acaso, acho que a hipótese b) tem melhor imprensa do que a hipótese a), porque o povo considera os cata-ventos mais úteis e menos perigosos do que os teimosos. Um erro histórico de quem só olha para a teimosia como quem olha para as 19 titularidades de Ricardo Esgaio concedidas por Ruben Amorim. Onde é que estaria Sergio Busquets sem a teimosia de Pep Guardiola?

Dentro deste maravilhoso mundo das previsões, surgem as previsões referentes ao potencial do jogador jovem. E aí é que o Dragon Ball entra em acção. É que aí há a fusão entre o Goku e o Vegeta, a fusão entre a gente cujo maior pavor que tem na vida é o pavor de falhar previsões (Goku) e a gente cujo maior pavor que tem na vida é o pavor de beliscar jovens jogadores (Vegeta). Vou dar spoil aos verdadeiros fãs: saiu o Veku.

A polícia dos bons costumes considera impróprios elogios em excesso e/ou deslouvor abundante, esquecendo que, na vida real, as Academias projectam os jovens jogadores por níveis de potencial. Isso significa que tais projecções funcionam como fatalismos? Não, significa que, por vezes, o Zé engana-se na projecção do potencial do jovem Manel e o Carlos, que acreditava no potencial do jovem Manel desde o início, põe-se a dançar o rancho mesmo na cara do Zé.

«Então, mas o Zé e o Carlos podem fazer essa brincadeira do rancho, porque têm dados que o adepto comum não possui», lança o cidadão comum Veku, depois de ter feito um tweet a criticar uma medida do Governo. De facto, o futebol é capaz de ser a única área da sociedade em que se utiliza o argumento do Veku para descredibilizar o outro. Quem opina somente com base na visualização de jogos, opina praticamente nu. Um horror, avaliar jovens jogadores de futebol, depois de vê-los a jogar futebol. Uma avaliação a sério passaria por avaliar jogadores de futebol, depois de vê-los a fazer a cama.

Arriscando-me ao papel de Majin Boo nesta saga, vinco, após a visualização de muitos jogos, a minha projecção sobre o potencial de Youssef Chermiti. Às dificuldades técnicas, que vão desde o controlo da bola à execução do passe, Chermiti junta debilidades no timing de ataque ao espaço - espaço que pode ser aproveitado por si, pelos companheiros ou que fecha uma linha de passe. Longe da área, onde o sistema de Ruben Amorim lhe pede para aparecer, raramente inventa/aproveita vantagens, denotando, inclusive, alguma incapacidade em utilizar o físico para se impor perante os adversários mais directos. Em zonas de finalização, mostra recursos na finalização pelo ar e agressividade no ataque à bola. Por outro lado, costuma acumular demasiadas abordagens impetuosas, que levam à marcação de falsas ofensivas a desfavor da equipa. Percebe-se que gosta de adornar os lances, sobretudo ao primeiro toque, mas não lhe tem corrido particularmente bem. Nos escalões de formação, Chermiti tapava algumas destas debilidades pela sua imponência física. No entanto, num contexto de maior exigência, ser-se mais rápido e/ou mais forte tende a perder impacto. Bernardo Silva ofereceu-nos uma aula acerca deste tópico no duelo directo com Alphonso Davies, durante o Manchester City-Bayern de Munique, de terça-feira.

Perguntem por mim na recepção no dia em que quiserem dançar o rancho na minha cara.

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