Porque Cristina Branco é acusada de homicídio por negligência e também elogiada por ter salvado uma vida: o caso Sara Carreira - e o que cada um dos arguidos fez de mal na estrada (segundo a família e o juiz) - TVI

Porque Cristina Branco é acusada de homicídio por negligência e também elogiada por ter salvado uma vida: o caso Sara Carreira - e o que cada um dos arguidos fez de mal na estrada (segundo a família e o juiz)

Sara Carreira

Três pessoas, e não duas, vão a julgamento no processo do acidente mortal de Sara Carreira: trata-se de Cristina Branco, Ivo Lucas e Paulo Neves. Ivo Lucas viu ser-lhe agravada a acusação - e esse era um pedido de Tony Carreira e Fernanda Antunes 

PARTE 1
A ROLETA-RUSSA

Na noite do acidente, além de circular a cerca de 30 km/hora (abaixo do limite legal), Paulo Neves realizou um teste de alcoolemiaque indica que tinha bebido. Foi aqui que tudo começou, defenderam Tony Carreira e Fernanda Antunes quando pediram a abertura da instrução do processo em novembro de 2022.

“Circulava a velocidade de cerca de 28,04 km/hora a 32, 28 km/hora, sem qualquer sinalização, designadamente pisca-pisca traseiro.” Acrescente-se outro detalhe presente no pedido de abertura de instrução: “Às 22h30m, hora a que lhe foi efetuada a colheita de sangue, i.e., cerca de 4 horas após o acidente e 5 horas depois da  ingestão de álcool, ter sido patenteada uma taxa de alcoolemia, de 1,18g, logo necessariamente muito inferior à que se verificava quando do embate”. 

Foi no carro ligeiro de Paulo Neves que a fadista Cristina Branco bateu, o primeiro de três embates com quatro carros diferentes que aconteceram naquela noite de 5 de dezembro de 2020, já “noite escura” e com períodos de chuva fraca. Eram cerca das 18:30.

Tony Carreira e Fernanda Antunes consideram que tanto a fadista como Paulo Neves deveriam ter adotado as medidas necessárias para evitar novos acidentes — sinal de pré-sinalização e luzes avisadoras de perigo - “para que os outros utentes da via se apercebessem dos veículos imobilizados na berma e na faixa de rodagem”, e com essa conduta “ter evitado a morte de Sara Antunes”, como se lê no pedido de abertura de instrução.  

O juiz Bruno Lopes concordou com a família Carreira. A conduta de ambos foi causa direta para o embate que se seguiu, da viatura conduzida por Ivo Lucas.

O magistrado considerou ainda que a conduta de Paulo Neves, que apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,18 g/l quatro horas depois do acidente, aumentou exponencialmente o risco de colisão na traseira do seu veículo, como veio a acontecer com a viatura conduzida por Cristina Branco.

A decisão contraria o pedido do Ministério Público, que não encontrava “nexo causal” entre a sua condução e a morte de Sara Carreira, então com 21 anos. Até agora, Paulo Neves incorria apenas numa contraordenação grave.

Cristina Branco é a única dos arguidos que viu a acusação manter-se como estava antes da abertura da instrução. Estava, e está, acusada de homicídio por negligência (sem o grosseira e com uma moldura penal até três anos). 

No relato dos eventos da noite do acidente, é acusada de não ter tomado os cuidados necessários nestes casos: pré-sinalização do perigo (o uso do triângulo), apesar de ter usado luzes sinalizadoras de perigo. 

Durante esta fase do processo, a fadista, de 50 anos, foi a única que decidiu falar e detalhar o que aconteceu no dia do acidente, quando circulava na faixa mais à direita na A1 a uma velocidade entre 100 e 115 km/hora e embateu no carro de Paulo Neves. Foi o que aconteceu a seguir que determinou o curso dos eventos.  

Cristina Branco explicou por que razão não sinalizou o acidente e não usou triângulo: o carro ficou virado no sentido contrário na faixa central. Saiu do carro com a filha, então com 11 anos, para o separador central, julgando que se deslocava para a berma da estrada. 

O juiz considerou que a condução de Cristina Branco foi desatenta e que podia ter evitado o acidente, mas acrescentou que a arguida deu prioridade à filha menor e não se colocou em risco ao não pôr o triângulo, pois haveria seguramente outra morte se o tivesse feito porque teria de atravessar a estrada novamente. “Exigir que fosse buscar o triângulo era pedir para jogar à roleta-russa com a sua vida e a da filha.” Está acusada de homicídio por negligência. 

Quem também viu agravada a acusação foi Ivo Lucas, namorado de Sara Carreira. O juiz decidiu acrescentar “grosseiro” ao homicídio por negligência. Como Paulo Neves, incorre numa pena de até 5 anos. Circulava a 130 km/hora na faixa central da A1 e não conseguiu desviar-se do carro de Cristina Branco. Eram 18.49. Embateu no lado esquerdo, seguindo desgovernado para o separador central e capotando por várias vezes até se imobilizar na faixa da esquerda, quase na perpendicular, com parte a ocupar a faixa central.

Uma quarta pessoa, Tiago Pacheco, é acusada de condução perigosa e duas contraordenações (uma leve e uma grave), salientando a decisão instrutória que não existe qualquer prova de que circulasse abaixo do que consta na acusação, entre 146,35 e 155,08 Km/hora. Segundo a acusação, não reduziu a velocidade, mesmo apercebendo-se que passava pelo local do acidente, não conseguindo desviar-se da viatura de Ivo Lucas (que ocupava parcialmente aquela faixa), onde este ainda se encontrava, bem como Sara Antunes. Foi o terceiro e último embate daquela noite. Eram 18.51.

PARTE 2
"NÃO VAI ACONTECER NADA A NINGUÉM"

A decisão desta segunda-feira sobre quem vai a julgamento e acusado de quê fecha uma série de diligências judiciais: a primeira acusação foi conhecida no final de 2021. Insatisfeito com o que leu no documento, Tony Carreira pediu abertura de instrução em janeiro de 2022. Mas, entretanto, a juíza de instrução responsável pelo processo anulou a acusação. 

A magistrada mandou o Ministério Público refazer a mesma por considerar que havia uma "nulidade a abranger a acusação" em relação aos crimes de que estavam acusados dois condutores envolvidos no acidente que tirou a vida à filha de Tony Carreira em dezembro de 2020: Ivo Lucas e Cristina Branco.

O Ministério Público recorreu mas o Tribunal da Relação de Évora deu razão à juíza, que alegava que os procuradores não tinham deixado explícito se os dois arguidos estavam indiciados pelo crime de homicídio por negligência simples ou por negligência grosseira, um dado que podia alterar substancialmente a aplicação de pena.

Em novembro de 2022, o Ministério Público deduziu nova acusação. Ivo Lucas e a fadista Cristina Branco foram novamente acusados de homicídio negligente. Os pais de Sara Carreira voltaram a pediram a abertura de instrução, pedindo que a acusação de homicídio por negligência abrangesse também Paulo Neves. Como veio a acontecer agora. 

Tony Carreira, aliás, António Antunes, pai de Sara, falou esta segunda-feira, à saída do tribunal de Santarém. "Sei perfeitamente como é que isto vai terminar e vai terminar simplesmente a dizer-se que eu perdi a minha filha. Nada vai acontecer a ninguém”, disse António Antunes, o pai de Sara Carreira. 

À declaração, breve e emocionada, acrescentou: “Só lamento que nenhum dos arguidos me tenha mandado uma mensagem ou escrito uma carta a dizer simplesmente 'lamento aquilo que aconteceu'".

O julgamento ainda não tem data para começar.

BREVE CONTEXTO

Cristina Branco, Ivo Lucas e Paulo Neves vão ser julgados por homicídio negligente (dois deles na forma grosseira) no processo do acidente de viação que vitimou Sara Carreira, decidiu esta segunda-feira o juiz do Tribunal de Santarém.

A decisão corresponde ao pedido dos pais da vítima, Tony Carreira e Fernanda Antunes, que se constituíram assistentes no processo e pediram a abertura do debate instrutório, reclamando que fossem atribuídas responsabilidades a Paulo Neves, o condutor que circulava embriagado a 30 km/hora na noite da tragédia, 5 de dezembro de 2020. 

O juiz deu razão à família. Desde esta segunda-feira, Paulo Neves, que até aqui respondia apenas por contraordenação grave, está acusado de homicídio por negligência grosseira, um crime pelo qual pode incorrer numa pena de até cinco anos de prisão.

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