Com o Parlamento Europeu sob alerta máximo face à possibilidade de ciberataques e interferência estrangeira, a pouco mais de três meses das eleições europeias de junho, os telemóveis de pelo menos duas eurodeputadas e um funcionário da instituição foram ‘hackeados’.
A notícia foi avançada em primeira mão pelo Politico na terça-feira, citando um email interno enviado pelo PE a pedir a todos os elementos da subcomissão de defesa (SEDE) que entregassem os seus telemóveis para avaliação de software, após ter sido detetada a presença de spyware nos aparelhos de dois membros da SEDE.
A informação foi confirmada ontem pela vice-porta-voz do Parlamento Europeu. Em comunicado, Delphine Colard disse que “foram encontrados vestígios” de software intrusivo de espionagem “em dois telemóveis”, o que justificou o email interno a que o Politico teve acesso no dia anterior. “No atual contexto geopolítico e dada a natureza das pastas geridas pela subcomissão de segurança e defesa, está a ser dedicada especial atenção aos aparelhos de membros desta subcomissão e dos funcionários que apoiam o seu trabalho.”
Em dezembro, o site de política europeia tinha noticiado que um inquérito interno demonstrou que a cibersegurança no braço legislativo da União Europeia “ainda não cumpre os padrões da indústria” e “não está totalmente alinhado com o nível de ameaça” que alguns Estados e diferentes grupos de hackers representam.
As revelações surgem depois de, em 2022, ter sido noticiado que os telemóveis de eurodeputados do movimento independentista da Catalunha foram infectados com Pegasus e Candiru, dois softwares de fabrico israelita muito usados por hackers de todo o mundo – um de vários casos semelhantes a atingir o Parlamento Europeu e que, em abril de 2023, levou à criação de um sistema de análise regular aos aparelhos eletrónicos dos membros do PE. Em comunicado esta semana, a equipa informática adiantou que já levou a cabo “centenas de operações” desde então.
Na mira: a búlgara Yoncheva e a francesa Loiseau
Foi numa dessas operações que, na terça-feira, os informáticos detectaram vestígios de spyware no telemóvel de Elena Yoncheva, eurodeputada social-democrata da Bulgária que integra a SEDE e que, ao Politico, disse não saber porque é que foi alvo de espionagem. A descoberta levou a que fosse depois detetada a presença do spyware Pegasus no telemóvel da presidente da subcomissão, a eurodeputada liberal francesa Nathalie Loiseau, e no telemóvel de um funcionário da subcomissão.
Em 2022, antes das notícias sobre o ciberataque a catalães, Nikos Androulakis, eurodeputado e líder da oposição grega, integrou uma lista de vários políticos e figuras públicas da Grécia cujos telemóveis tinham sido alvo de ciberataque com recurso ao Predator, outro software de espionagem. Na mesma altura, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, enfrentou uma tentativa de hacking.
Em resposta ao tsunami de ciberataques, foi criada uma comissão especial de inquérito nesse ano, para investigar uma série de escândalos em países como Espanha, Grécia, Hungria e Polónia – com a investigação a concluir que pelo menos “entre quatro e cinco” governos de Estados-membros da UE recorreram a ciberataques para alcançarem fins políticos.
“[Os resultados do inquérito] são chocantes e devem alarmar qualquer cidadão europeu”, escreveu Sophie In’t Veld, eurodeputada liberal dos Países Baixos, num relatório preliminar. “A manipulação de eleições com recurso a spyware afeta diretamente a composição das instituições europeias e o equilíbrio político nos organismos de governação da UE”, destacou no mesmo relatório. “Os quatro ou cinco governos acusados de abusarem de spyware representam quase um quarto da população da UE, portanto detêm considerável peso no Conselho.”
Em entrevista ao Politico em novembro de 2022, In’t Veld destacou que todos os Estados-membros têm spyware à sua disposição, quer o admitam ou não. “Estamos muito preocupados com a democracia americana, muito preocupados com a democracia no Brasil… Porque é que estamos preocupados com tantas coisas e não com a democracia dentro da própria União Europeia?”