Confiava as chaves da sua casa a Pedro Nuno? “Só as do cemitério, a ele e a todos” - TVI

Confiava as chaves da sua casa a Pedro Nuno? “Só as do cemitério, a ele e a todos”

Pedro Nuno Santos na Guarda (José Sena Goulão/Lusa)

REPORTAGEM || Foi um tal ver o mulherio grisalho a beijar, talvez mesmo a lambuzar, Pedro Nuno Santos em Chaves. O dia foi, aliás, caloroso por onde o socialista passou. Nesta cidade existe, contudo, quem nunca lhe confiaria as chaves de casa. E quem deseje mesmo um regresso – não literal – de Salazar, perante a dimensão da mágoa com os políticos. Depois da terra dos pastéis, à noite falou-se de outro tipo de "farinha". Antes, pela Guarda, tornou-se impossível não fazer a comparação com António Costa. Houve capote, houve um "talismã" em forma de cruzes de madeira, houve ginjinha. Três ginjinhas

Lídia Guedes aprendeu a receita dos Pastéis de Chaves há mais de 50 anos. Foi com uma amiga da mãe, a quem ela, nos entretantos, deu continuidade ao negócio. Chamava-se Maria, tal como a pastelaria que recebe quem chega de braços abertos, como se todos fossem amigos de longa data.

Arriscamos no trocadilho. Confiava as chaves da sua casa a Pedro Nuno Santos, o candidato que vem a Chaves esta tarde? “Não sei.” Hesita. E a Montenegro? “A esse não”, diz com mais certeza.

Lídia sente necessidade de se justificar. “Não os conheço com tanta confiança que possa dizer logo que lhes dava as chaves de casa, para isso é preciso confiança.” E se fosse a chave do governo? Aí é mais direta: explica logo que é do PS.

A Pastelaria Maria não fica na única rua que Pedro Nuno percorre em Chaves a ritmo apressado, a tentar contrariar os pingos da chuva. Não prova o ex-libris da terra – mas também não foi grande problema porque já vem da Guarda com três ginjinhas e um ovo verde no bucho.

“Aqui faltam fábricas e trabalho, é uma cidade pequena e foge tudo.” Na fábrica que serve a Pastelaria Maria produzem-se todos os dias 1.500 a 2.000 Pastéis de Chaves por dia. “Isso é fazer, agora vender é outra coisa.”

Ora dá cá um... e mais um e mais outro

É como diz o ditado: poucos mas bons. Quem vem, vem cheio de vontade, não importa a idade. Idalina Silva grita para que lhe tragam o neto mais perto de Pedro Nuno Santos. “Anda cá, aqui ele ainda passa.”

É tanto beijo, caros leitores. Muitos de cada lado, para ter a certeza de que ficou bem dado. Pedro Nuno encavacado. O mulherio, apesar de grisalho, está empenhado na vitória.

“Dá energia para derrotar os outros”, grita Lurdes Pinto. Nesta mancha todas confiavam as chaves de casa ao líder do PS num piscar de olhos. “À vontade, sempre fui do PS.”

Ao lado ninguém diria que Irene Lopes, antiga professora, tem 90 anos. “Confio nele. Se seguirmos com ele seguimos em frente.” Como seguiram, aliás, até ao largo onde Pedro Nuno dá mais declarações aos jornalistas.

Insiste na mensagem da manhã, de que uma união entre a Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal “é o maior perigo que os portugueses enfrentam”. Uma “coligação radical”, que “poria em causa o Estado Social”, dizia de manhã.

E, já depois de subir a um pilarete de cimento, de megafone na mão, ataca a escolha de Ana Paula Martins, ministra da Saúde, como cabeça de lista da AD por Vila Real: “Uma das principais responsáveis pelo estado de caos da saúde”.

foto José Sena Goulão / Lusa

O fantasma de Salazar

Na Rua Direita de Chaves perguntamos por uma loja que venda chaves. Ou que, pelo menos, tenha fechaduras. Mandam-nos para a Casa Ferral, noutro ponto da cidade. E confirma-se: há mesmo, por detrás do balcão onde Óscar Moura serve os clientes há 34 anos.

Confiava as chaves da sua casa a Pedro Nuno Santos? “De maneira nenhuma, não é uma pessoa competente. O que ele fez como ministro, a meu ver, não é de confiança.” E a Montenegro? “Venha o diabo e escolha.”

Óscar está magoado com os políticos: há seis meses que não tem médico de família. “Em dois anos tive quatro ou cinco”. Não acredita que haja lá por Lisboa quem consiga resolver o problema. “De promessas está o inferno cheio.”

Chegamos a Chaves pela hora de almoço. E quem tem a missão de nos alimentar – ou, pelo menos, de seguir o nosso pedido – é Jorge Botelho. Há 25 anos que trabalha na Adega Faustino. O restaurante é amplo, mas ele faz com que pareça a sala de nossa casa. Arrisca na piada. E nós arriscamos na pergunta à saída: confiava as chaves da sua casa a Pedro Nuno?

Franze o nariz. “Pessoalmente, não gosto dele.” De Montenegro é só “um bocadinho”, o que dá para desempatar as coisas.

Pelas ruas, muitos fogem à mesma pergunta com o argumento de que não ligam à política, tal como os políticos parecem não ligar há décadas a quem vive no interior. Sentem-se desiludidos, desapontados, abandonados.

E há mesmo quem deseje o regresso dos tempos da outra senhora. Do outro senhor, António de Oliveira Salazar. Chega-se a admitir que Portugal nunca teve uma ditadura digna desse nome, que os cofres andavam cheios nessa altura. “O Salazar só andou de avião quando inaugurou a TAP. Já este do PS gastou lá uma grande indemnização”, compara João Torres, 90 anos.

Apenas o companheiro de conversa responde diretamente ao nosso desafio: “Só lhe confiava as chaves do cemitério, a ele e a todos, que só se governam a eles, não a Portugal”.

(José Sena Goulão / Lusa)

Uma questão de "farinha"

Para fazer os famosos Pastéis de Chaves – de que falámos no início do artigo – é necessário ter muita farinha. E à noite, já em Vila Real, fala-se de outro tipo de farinha: a da direita política. É Carlos César, o presidente do PS, quem o faz no comício na sede de distrito. Objetivo: colar AD e Chega, para avisar que podem acabar a precisar um do outro.

(José Sena Goulão / Lusa)

“Eles vêm da farinha do mesmo saco e, por mais que neguem três vezes, não podemos pensar que nos livramos de os ver sentados à mesma ceia, nem que seja sem Montenegro.” O teatro, cheio, delira com a imagem. Antes, já tinha apupado Ana Paula Martins. Depois há de apupar Pedro Passos Coelho.

A Pedro Nuno cabe uma repetição dos argumentos dos últimos dias. Para acabar a apelar ao voto útil, sobretudo nos distritos onde a cruz nos partidos mais pequenos dificilmente permite eleger um deputado. Porque o voto útil, diz, “pode não só derrotar a AD como garantir menos deputados do Chega no Parlamento”.

O talismã à Costa

(José Sena Goulão / Lusa)

A manhã de sexta-feira é passada noutro distrito, o da Guarda. Na Feira de São Bartolomeu, em Trancoso, Pedro Nuno aproveita para despachar as declarações políticas.

Primeira: resposta a Marcelo. “Pode ficar descansado porque um governo liderado pelo PS será sempre um governo de diálogo e de estabilidade”.

Segunda: resposta a Montenegro. “Faz mesmo da mentira um estilo de vida e compara alhos com bugalhos” ao tentar revelar que o próprio Pedro Nuno também admitia revisões à lei da greve em 2019. Era uma paralisação “em que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos”, alega o socialista.

Sai com um beijinho para entregar à mulher, pedido por Céu, que trabalhou “muitos anos” para a avó numa aldeia chamada Granja. “Ela passava cá muito tempo na casa da avó”, conta Pedro Nuno.

foto José Sena Goulão / Lusa

Já na Guarda torna-se impossível não lembrar António Costa durante a arruada. Primeiro pelo capote que Pedro Nuno Santos enverga, fazendo lembrar um outro que o agora presidente do Conselho Europeu também costumava tirar do armário em dias de campanha.

Depois, pelas três cruzes de madeira que lhe oferecem, como já tinha acontecido com o antigo primeiro-ministro em ano de vitória socialista. Na caravana há quem diga que é um “talismã”.

Paragem ainda no aperto da Tasquinha. O socialista até escreve no livro de visitas. “Cá bebi a melhor ginjinha e os melhores ovos verdes da Guarda.”

Vamos ver é se brinda com ela no dia 18.

foto José Sena Goulão / Lusa
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