Se é pensionista, acabou de perder dinheiro em 2024: a ilusão que o governo criou no ‘aumento das pensões’ (com simulações) - TVI

Se é pensionista, acabou de perder dinheiro em 2024: a ilusão que o governo criou no ‘aumento das pensões’ (com simulações)

António Costa na apresentação das medidas do pacote anti-inflação (LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS)

ANÁLISE. Modelo do governo para os pensionistas é neutro para 2023 mas poupa nas pensões a partir de 2024. Numa reforma atual de €750 euros, um pensionista perderá quase 400 euros ao longo de 2024 face à fórmula da lei. Veja como - ou o “aqui há gato” explicado.

O governo anunciou esta segunda-feira à noite dois aumentos de pensões, um extraordinário em outubro deste ano e o habitual em janeiro do próximo ano. Só que, neste caso, os pensionistas ganhariam mais se a letra da lei fosse cumprida e houvesse apenas um aumento em janeiro à taxa prevista na lei. Com esta engenharia, até ao final de 2023 os pensionistas recebem o mesmo. Mas em 2024 perdem – e todos os anos daí em diante.

A razão é simples: o aumento extraordinário de outubro não se repete.

O primeiro-ministro afirmou na conferência de imprensa de apresentação de medidas que o efeito em 2022 e 2023 é idêntico ao previsto na lei. Não mentiu. Mas esqueceu-se de acrescentar as perdas a partir de 2024. E já começou a ser confrontado pela oposição, que acusa o governo de “embuste”, “engodo” e “truque”.

Façamos as contas. A perda para os pensionistas (e ganho para o Estado) será em 2024 de cerca de 3,4%. Mas usemos um exemplo concreto para perceber a diferença: um reforma atual de €750 euros.

O que diz a lei

As fórmulas para determinar o aumento anual das pensões estão previstas na lei e resultam num cálculo automático com base em dois indicadores: o crescimento do PIB (crescimento real nos dois últimos anos) e a inflação (média anual, sem habitação, disponível em novembro). Como este ano ambos os indicadores serão altos, o próprio primeiro-ministro estimou que o aumento das rendas seria de entre 7,1% e 8% (só no final do ano existem todos os dados fechados para fazer a conta com rigor).

O que diz o governo

O governo não vai aumentar as pensões de reforma no próximo ano entre 7,1% e 8%, mas sim subi-las entre 3,53% e 4,43%. E adiciona a este aumento um outro, de meia pensão este ano (a pagar em outubro), que equivale a um pagamento adicional a cada pensionista este ano de 3,6%. Somando os dois aumentos, dá os tais 7,1% a 8%. Mas é só no conjunto de 2022 e 2023. A partir de 2024, os novos aumentos a efetuar serão calculados apenas sobre a nova pensão de 2023 – isto é, sobre a pensão aumentada em 3,53% a 4,43%, e não sobre uma pensão aumentada em 7,1% a 8%.

Na prática, se os pensionistas fossem aumentados em 2023 de acordo com a lei, o aumento de 7,1 a 8% prolongar-se-ia durante todos os anos futuros da sua vida. Assim, só o aumento de 3,53% a 5,43% se multiplica durante o resto da sua vida.

Confuso? Vejamos a simulação.

Pensão de €750 euros fica igual agora – e perde quase €400 ao longo de 2024

A CNN Portugal preparou duas simulações para mostrar a diferença entre o modelo que o governo aprovou e o que resultaria se a letra da lei tivesse sido aplicada.

Um reformado com uma pensão de reforma de €750 receberá em outubro a pensão extraordinária de €375 euros e verá a sua pensão aumentada (em 33 euros) para €783 euros mensais em 2023. No final de 2022 e de 2023, recebeu ao todo mais €375 euros em 2022 e mais €465 ao longo de 2023, o que totaliza mais €840 euros do que receberia normalmente em 2022.

Se a lei fosse aplicada à letra, o mesmo reformado não receberia qualquer pensão extraordinária este ano e veria a sua pensão aumentada, em 60 euros, para €810 mensais em 2023. No final de 2022 e 2023, teria recebido também mais €840 do que receberia normalmente em 2022.

Qual é então a diferença? É em 2024 e daí em diante. Na fórmula do governo, os aumentos de 2024 incidirão sobre a pensão de €783 euros mensais de 2023. Se a lei fosse aplicada à letra, os aumentos incidiriam sobre a renda mensal de €840 euros mensais.

A diferença não é pequena. Neste exemplo de uma pensão atual de 750 euros, o pensionista recebe o mesmo em 2022 e 2023 somados mas vê a sua renda subir menos 28 euros em 2024, o que significa que deixará de receber um total 391 euros nesse ano.

Fica a perder. Ora veja:

Cálculos feitos pela CNN Portugal a partir do que foi apresentado pelo governo e do que diz a lei. Pressupostos para a simulação apresentados no fim deste texto.

Este exemplo mostra como este pensionista vai ganhar menos 391 euros em pensões no final dos três anos (de 2022 a 2024) do que ganharia se a fórmula legal fosse aplicada pelo governo.

Pode consultar mais uma simulação no final deste artigo. Para já, fica claro o tal “gato” do modelo do governo, que aumenta o que os pensionistas recebem em 2022 (com o aumento irrepetível de outubro), sobe menos as pensões em 2023 (mesmo se o que sobe a menos em 2023 é idêntico ao que se recebe a mais este ano) e corta os aumentos futuros a partir de 2024 (sem contrapartida, perda que se estende durante todos os anos do resto da vida do pensionista).

A questão política: isto é legal? Costa falhou à palavra dada?

No final de junho deste ano, numa edição especial do programa “O Princípio da Incerteza”, na CNN Portugal, António Costa prenunciou um “aumento histórico” das pensões em 2023 e foi taxativo: “Não há a mínima dúvida de que iremos cumprir a fórmula [das pensões] que existe desde a reforma de 2007. As leis existem para serem cumpridas”.

A lei foi cumprida? À letra, não – se fosse, o governo teria de aumentar as pensões no próximo ano nos tais 7,1% a 8%. É por isso que partidos da oposição vieram já a terreiro acusar o primeiro-ministro de falhar ou manipular os pensionistas. Bom, mas é o espírito da lei cumprido, uma vez que este ano e no próximo o aumento acumulado é neutral?

Esta será provavelmente a grande questão política agora. Mas o primeiro-ministro parece já ter um aliado: o Presidente da República, que promulgou a proposta do governo logo após ela lhe ter sido apresentada.

Quanto perde a pensão média ao fim de três anos?

À semelhança da simulação para €750 euros, apresentada em cima, a CNN Portugal mostra a tabela para uma simulação de pensão de reforma de €460 euros, que será neste momento o valor aproximado da pensão de reforma média em Portugal (os últimos dados oficiais reportam a 2020).

Neste caso, o pensionista receberá em outubro deste ano meia pensão, um pagamento único de €230, sendo aumentado em vinte euros para cerca de €480 mensais a partir de janeiro de 2023 e, no ano seguinte, para cerca de 502 euros em 2024. Se, em vez deste modelo, a letra da lei fosse aplicada, então não haveria nenhum recebimento este ano, a mesma pensão seria aumentada para €497 euros em 2023 e para €519 em 2024. No total o pensionista nada perde em 2022 e 2023 somados, mas perde um total de 240 euros ao longo de 2024 – e daí em diante.

Nota metodológica

As simulações aqui apresentadas assumem as estimativas do governo para a fórmula de cálculo das pensões para 2023 (de 7,1% a 8%) e calculam os aumentos para 2024 a partir das estimativas mais recentes da Comissão Europeia para a inflação em 2024 (3,6%) e para o crescimento do PIB (6,5% em 2022 e 1,9% em 2023).

A fórmula de cálculo das pensões varia conforme os valores de crescimento do PIB, conforme a inflação e conforme o valor das próprias pensões. A fórmula de cálculo legal dos aumentos das rendas pode ser verificado nesta tabela publicada pela Caixa Geral de Depósitos:

Fonte: apresentação da CGD.

 

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