Ela é a única mulher numa ilha de criminosos condenados - TVI

Ela é a única mulher numa ilha de criminosos condenados

  • CNN
  • Silvia Marchetti
  • 25 fev 2023, 17:57
Giulia Manca

Foi de férias à ilha paradisíaca de Pianosa e nunca mais quis voltar. Ficou - e com bons resultados.

Quando Giulia Manca viajou em 2011 para Pianosa, uma antiga ilha prisional italiana, estava ansiosa por uma relaxante pausa ao sol antes de regressar a casa.

Mas 12 anos após aquele check-in no Hotel Milena, em frente à praia, que cuja equipa inclui condenados supervisionados e em liberdade condicional, Giulia permaneceu na ilha que é conhecida como a Alcatraz do Mar Tirreno.

Ilha Pianosa, em Itália. Foto Getty Images

Agora como única mulher a viver na aldeia fantasma de Pianosa, parte do parque marinho do arquipélago da Toscana, Manca presta serviços tanto de gerente do hotel como de supervisora do programa de reabilitação da ilha, que é gerido pelas autoridades prisionais da Toscana e pela Arnera, uma organização sem fins lucrativos que tem a missão social de ajudar pessoas vulneráveis como reclusos a regressarem à sociedade.

“Fiquei uma semana no hotel e não quis partir”, contou Manca à CNN. “Foram umas férias únicas e o projeto de reabilitação fascinou-me, a forma como estes reclusos tiveram uma segunda oportunidade na vida.”

Hotel da segunda oportunidade?

Hóspedes posam para a fotografia com homens condenados que trabalham no hotel em Pianosa. Foto: cortesia Giulia Manca

“Apaixonei-me por Pianosa. O seu silêncio, o mar turquesa claro e paradisíaco, as pacíficas noites estreladas”.

Outrora apelidada de Ilha do Diabo, Pianosa, situada entre a Córsega e o continente, é agora um retiro feliz e amado pelas suas belas praias e vegetação verde exuberante.

Manca é uma de apenas dois residentes permanentes da ilha: vive e trabalha ao lado de um guarda prisional, bem como de dez condenados masculinos, que trabalham como cozinheiros, jardineiros, empregados de mesa, limpadores de praia e lavadores de louça no Hotel Milena, a única instalação de alojamento na ilha.

Rodeado de pinheiros, o Hotel Milena dispõe de tetos frescos, e alberga 11 quartos com mobiliário de madeira e uma deslumbrante vista para o mar, bem como um grande pátio, onde os reclusos servem bebidas à noite aos hóspedes, um restaurante e um bar.

Interior do hotel Milena. Foto: cortesia Giulia Manca

Manca tinha sido hóspede do hotel, que está aberto todo o ano, durante apenas alguns dias, quando o então gerente a informou que o estabelecimento estava a ter dificuldades financeiras e em risco de encerramento. Se tal acontecesse, os detidos teriam de ser transferidos de volta para a prisão, pondo um rápido fim ao seu tempo em Pianosa.

“Senti que tinha de fazer algo para ajudá-los ou eles teriam de voltar para trás das grades, dentro de pequenas celas sem qualquer hipótese de um novo começo e de aprender um trabalho que os pudesse ajudar uma vez libertados”, acrescenta Manca, que anteriormente trabalhava como agente turística.

Manca, que cresceu na Toscana, decidiu ficar e assumir o cargo de gerente de hotel. Ela diz que inicialmente trabalhou gratuitamente, utilizando as suas capacidades de gestão para ajudar a assegurar o futuro do hotel.

Em apenas alguns anos, Manca conseguiu dar uma volta significativa às coisas, e o Hotel Milena tornou-se um local popular de casamentos e festas de aniversário, com convidados em parte atraídos pelo pessoal não convencional do hotel.

“A Alcatraz do Mar Tirreno”

Foto: cortesia Giulia Manca

Situada perto de Gorgona, outra ilha prisional italiana, Pianosa foi criada durante o século XVII para confinar foras-da-lei, bandidos e revolucionários.

A ilha serviu de base para uma prisão de segurança máxima até 1998, ano em que a prisão foi encerrada. Os seus poucos habitantes acabaram por partir e Pianosa foi deixada deserta durante muitos anos.

Não eram permitidos visitantes na ilha até há relativamente pouco tempo, e aqueles que a visitam só podem vir em passeios de barco organizados e reservados através de operadores turísticos específicos.

Para serem admitidos no programa de reabilitação no Hotel Milena, os candidatos devem já ter cumprido pelo menos um terço da sua pena na prisão e terem-se submetido a uma série de rigorosos testes de avaliação psicológica e social.

Nos últimos 12 anos, Manca lidou com cerca de uma centena de condenados em liberdade condicional por uma multiplicidade de crimes, incluindo homicídio.

Embora ela note que muitos dos reclusos foram condenados por muito mais do que “roubar margaridas”, Manca sempre se sentiu confortável na ilha e considera que se trata de um porto seguro.

Ela considera que aos antigos delinquentes deve ser dada a oportunidade de contribuir para a sociedade, em vez de passarem mais tempo atrás das grades.

“Acredito no poder da redenção e que mesmo aos infratores deve ser dada uma segunda oportunidade, eles não devem apodrecer atrás das grades, mas estar ativamente envolvidos em tarefas de reabilitação”, diz. “Gosto de os ver regressar à vida através do trabalho”.

Conhecida como a “Rainha de Pianosa”, Giulia Manca admite que o seu trabalho tem feito amigos e familiares erguerem sobrancelhas devido à perceção dos riscos de ela ser a única mulher junto a um grupo de condenados.

“As pessoas continuavam a dizer que eu era louca por assumir tal trabalho”, conta Manca, que também é membro de Arnera. Por “ser a única mulher a trabalhar e a viver lado a lado com agressores masculinos que não foram acusados de crimes leves”.

“Mas eu nunca me senti assustada nem preocupada. Nunca mais pensei nisso. Sinto-me mais segura com eles aqui do que de volta à cidade com todos aquelas pessoas doidas a correr por aí, nunca se sabe com quem se pode esbarrar”.

Pianosa serviu de base para uma prisão de segurança máxima até 1998. Foto: cortesia Giulia Manca 

Ser encarregada de um grupo de delinquentes implica desafios e Manca diz que dá o seu melhor para criar limites claros para assegurar que o programa de reabilitação é eficaz.

Segundo explica, a sua relação com o seu pessoal é de respeito recíproco, e ela tem sido capaz de encontrar um equilíbrio mantendo a distância, sendo autoritária mas aberta, a fim de os apoiar.

Todas as semanas, Manca salta para o ferry para uma viagem marítima de três horas até à Toscana continental, para tratar de recados e de assuntos burocráticos, partindo ao amanhecer e regressando a Pianosa à noite.

Manca assinala que, ao contrário da vizinha Gorgona, onde os condenados têm de regressar às suas celas depois de terem saído, os que estão em Pianosa são autorizados a caminhar livremente.

Elevada taxa de sucesso

Aqui, os reclusos recebem um salário mensal pelos seus empregos em hotéis, e ficam nos antigos aposentos da prisão, que foram remodelados como estúdios acolhedores, com ginásio, televisão, cozinha e quartos privados com casas de banho.

Também lhes são dados telemóveis para que possam manter-se em contacto com as suas famílias.

As prisões italianas são consideradas como estando entre as mais desumanas e sobrelotadas da Europa, com 120 reclusos por cada 100 camas, segundo um relatório do Conselho da Europa de 2020, enquanto que o suicídio na prisão aumentou 300% desde 1960, com uma recaída de 75% no crime.

Por conseguinte, Pianosa é uma alternativa muito mais atrativa para aqueles que se aproximam do fim da sua pena.

Manca orgulha-se do sucesso do “modelo Pianosa”, explicando que a taxa daqueles que passaram tempo na ilha e regressaram ao crime diminuiu para 0,01%.

“À noite são livres de irem até à praia e dar um mergulho”, explica Manca. “Contudo, devem deixar o seu alojamento de manhã cedo e regressar a uma hora específica à noite, ainda estão sob supervisão e há o guarda que os vigia.”

Os criminosos podem cumprir o resto da sua pena trabalhando no hotel se tiverem bom comportamento, e alguns já passaram aqui cinco a dez anos.

Mas aqueles que não demonstram vontade de mudar arriscam ser mandados de volta para a prisão para completar o resto da sentença.

“Todos eles cumpriram pelo menos um terço da sua pena na prisão e foram submetidos a rigorosos testes de avaliação psicológica e social para determinar que já não são perigosos e estão aptos para o programa de reabilitação, [e] que lamentam verdadeiramente o que fizeram”, acrescenta Manca.

“Devem demonstrar todos os dias a sua vontade de trabalhar e preparar-se para uma vida melhor. Não aceito deslizes”.

Manca gosta de manter-se em contacto com aqueles que deixaram Pianosa para começar uma nova vida, pondo em prática as competências que aprenderam na ilha, através das redes sociais. Ela explica que alguns se tornaram conselheiros de prisioneiros noutras prisões depois de trabalharem no hotel.

Manca está extremamente orgulhosa do seu papel no processo e diz que aqueles que inicialmente duvidavam da sua decisão de permanecer em Pianosa há todos aqueles anos, já mudaram de opinião.

“Até a minha filha Yolanda, que em criança era um pouco cética em relação ao meu trabalho, passou a apreciar a ilha e a compreender a importância do que eu faço, e agora diz-me que sou uma pessoa de sorte”, conclui Manca.

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