Na imagem, partilhada às 13:57 naquela quinta-feira, dia 8 de fevereiro, está desenhado uma mira de uma pistola apontada à cara de uma fotografia do dirigente sindicalista Paulo Santos, líder do Associação Sindical dos Profissionais da Polícia. Por baixo, em letras grandes e vermelhas, lê-se “traidor”, e surge ainda um texto que o apelida de “judas”, “parolo”, e onde se pede que “permaneça calado” e deixe “falar quem efetivamente possui o dom da palavra na defesa dos Polícias!”.
A publicação foi partilhada num grupo privado da rede social Telegram, depois daquele dirigente sindical ter dito algo que dava a entender, segundo a interpretação de muitos polícias, que haveria baixas fraudulentas no seio das forças policiais. Uma publicação que é da autoria do administrador do INOP - um movimento anónimo que junta polícias e que, nos últimas semanas, se tem movido nos bastidores a promover e a incentivar ações de protestos mais radicais.
Criado em torno da indignação gerada pela não atribuição das mesmas condições salariais à PSP e à GNR que foram atribuídas à Polícia Judiciária, o movimento INOP já conta, neste momento, com mais de 18 mil participantes. É através deste grupo no Telegram que milhares de polícias dão ideias e combinam boleias para manifestações, partilham baixas médicas e pedidos de licenças para abandonarem durante semanas o serviço.
Contactado pela CNN Portugal, Paulo Santos não quis comentar o teor da imagem com a sua fotografia, mas admitiu que se “há pessoas que interpretam a luta de forma diferente é porque os polícias nunca tiveram respostas do Governo”. Ou seja, segundo o sindicalista, a falta de diálogo com o Executivo favorece movimentos deste tipo. “O silêncio cria a tentação de engrossar as formas de luta”, diz, considerando, ao mesmo tempo, que estes grupos anónimos acabam por se traduzir numa "tentativa de aproveitamento da luta que os sindicatos têm travado”.
O Ministério da Administração Interna, por seu lado, confirmou à CNN Portugal que teve também conhecimento desta publicação feita nas redes sociais, em que aparece a imagem do dirigente sindical com uma mira apontada. Mas fonte da tutela recusou, porém, adiantar se este tipo de situação foi incluída no inquérito que o ministro José Luís Carneiro enviou ao IGAI e que junta diversas questões, como a das baixas médicas e a das declarações de responsáveis sindicais, como a de que há risco de haver falta de policiamento no dia das eleições legislativas, a 10 de março.
Incentivos à entrega de armas
Enquanto os sindicatos têm agendado uma série de protestos para esta semana, o movimento inorgârnico e anónimo parece estar cada vez mais ativo no Telegram.
Durante algum tempo, em especial nas fase inicial dos protestos, as publicações do administrador do movimento INOP estiveram concentradas em fornecer informações sobre futuros protestos e recomendações a polícias sobre como meter baixas para não correrem o risco “de ter cortes nos vencimentos”. Mas a meio da ultima semana, e depois do dirigente sindical Paulo Santos ter dito na Antena 1 que “alguns polícias estão a recorrer a esse expediente (baixas médicas) para demonstrar a sua insatisfação”, a situação mudou e as publicações tornaram-se mais agressivas.
Por um lado, começaram a ser divulgados documentos a mostrar a desfiliação dos sindicatos. Por outro, o líder do grupo colocou aquela imagem de Paulo Santos com uma mira apontada ao rosto, o que acabou, aliás, por criar divisões dentro no grupo. Uns defenderam-no, sublinhando que o próprio sindicalista se tinha corrigido numa intervenção posterior em que alega que as baixas estavam "todas a ser justificadas por quem de direito e nos sítios próprios". Outros publicaram em massa formulários para anular a inscrição no sindicato e acusaram-no de só “querer protagonismo”.
Os sindicatos da polícia e o Governo têm estado num braço de ferro desde o início do ano, levando a uma das maiores manifestações de sempre que, no Porto, juntou 20 mil elementos da PSP e da GNR no último dia de janeiro. Desde aí, vários protestos têm sido convocados através do grupo de Telegram do Movimento INOP, como vigílias e concentrações, feitas fora da esfera dos sindicatos.
Ao mesmo tempo, dentro do grupo de Telegram deste movimento, as ideias são mais radicais, chegando a existir desafios para que os agentes e militares entreguem a arma de serviço.
Aliás, no dia 7 de fevereiro, num esclarecimento sobe as ações de protesto, a direção nacional da PSP anunciou que vários polícias, de diferentes comandos territoriais, quando entraram ao "serviço, solicitaram para entregar a sua arma de serviço". No entanto, acrescentou que "tais ações não foram concretizadas" por os comandos terem recusado o pedido.
De acordo com mensagens no grupo anónimo, a ideia era que os polícias fizessem uma vigília junto do seu comando após entregarem a arma.
“Terreno fértil para anárquicos e defensores de teorias da conspiração”
Para Victor Madeira, especialista em segurança nacional e membro associado do Centro para o Estudo de Subversão e Terrorismo, há “o risco de alguns elementos de dentro do grupo tentarem influenciar e extremar posições, aproveitando-se do puro desespero que vivem membros das forças policiais, há décadas ignorados, para instigá-los à violência”.
“Estes movimentos têm uma grande capacidade de manipulação, porque pela junção de tantos membros conseguem amplificar as suas narrativas a uma maior velocidade, tal como disseminar fake news”, aponta José Filipe Pinto, que vê no movimento INOP parecenças grandes com os protestos desencadeados em França pelos Coletes Amarelos. “Membros extremistas podem, uma vez infiltrados nesses grupos, levar elementos a atos de violência, como destruição de montras e queimar viaturas.
O risco tem vindo a ser denunciado pelos sindicatos ao longo dos últimos dias. No final de uma reunião que serviu para marcar novas ações de protesto para esta semana, Bruno Pereira, porta-voz da plataforma que reúne as estruturas sindicais da PSP e da GNR, denunciou que os movimentos inorgânicos podem constituir-se como "algo incendiário".
Por ser um espaço anónimo e com grande adesão, José Filipe Pinto afirma que o grupo é um “terreno fértil para anárquicos e defensores de teorias da conspiração”, sublinhando que se os sindicatos não conseguirem controlar a situação”, há a possibilidade de os polícias “serem arrastados para uma espiral de violência coletiva, onde se perde toda a racionalidade”.
Hugo Costeira, presidente do Observatório de Segurança Interna, sublinha que muitos dos polícias que estão a aderir a movimentos inorgânicos, como o INOP, trazem consigo “um grande descontentamento por não estarem a sentir-se ouvidos pelo Governo, nem se sentirem representados pelos sindicatos”.
Ainda assim, continua Hugo Costeira, o facto de existirem milhares de elementos dentro do movimento dá aso “à amplificação de fake news sobre os protestos”. Além disso, nota, o facto de ser anónimo permite “o insulto mais à vontade”. “Tem um efeito negativo naqueles polícias que não se revendo neste tipo de discurso, se afastam por completo da luta pelos seus direitos”.
Victor Madeira sublinha ainda que a organização de protestos através deste tipo de grupos de Telegram torna-os “muito vulneráveis à interceção por parte de elementos hostis que tentam criar o maior descontentamento possível para destabilizar e radicalizar” as forças policiais. “Os chatrooms não são tão anónimos quanto se acha”, lembra.
O Governo "foi incendário"
Já Paulo Santos, líder da Associação Sindical dos Profissionais da Policia, aponta que o Governo é o principal instigador do descontentamento dentro dos movimentos inorgânicos na esfera da polícia, porque “beneficia do argumento de que toda a luta é extremista”. “Quem tem legitimidade para negociar um acordo são os sindicatos”, aponta, não estes movimentos.
O dirigente acusa ainda o Governo de ser “incendiário” na carta que escreveu aos sindicatos a denunciar “ameaça implícita de colocar em causa a normal realização dos próximos atos eleitorais”, já que, afirma Paulo Santos, apenas existiu um alerta para o risco de falta de policiamento nas legislativas. “Houve uma tentativa de condicionar a ação dos sindicatos”.
Para esta semana, a plataforma que reúne os sindicatos da PSP e da GNR tem previsto vigílias nos aeroportos e portos no dia 15 e uma nova concentração em Lisboa a 19 de fevereiro. O dirigente sindical Paulo Santos diz não ver necessidade para reforçar a segurança nos protestos, já que os últimos - nomeadamente aquele que reuniu cerca de 20 mil polícias no Porto - ocorreram sempre “com grande calma e serenidade”.