Marcelo trava lei que regula plataformas como Uber e Cabify - TVI

Marcelo trava lei que regula plataformas como Uber e Cabify

  • Atualizada às 23:00
  • 29 abr 2018, 15:32

Presidente da República devolve diploma ao Parlamento. Solicita “abertura para reponderar a mencionada solução, por forma a ir mais longe do que foi". PS quer "acomodar preocupações" de Marcelo, CDS reage com "alguma surpresa"

O Presidente da República (PR) solicitou este domingo ao Parlamento que volte a apreciar a lei que irá regular a atividade das plataformas eletrónicas de transporte de passageiros como a Uber e a Cabify, modernizando ainda a legislação dos táxis.

O Presidente da República enviou hoje uma mensagem à Assembleia da República, indicando que decidiu devolver, sem promulgação, o decreto n.º 201/XIII, relativo ao regime jurídico de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica”, o chamado TVDE, informa uma nota publicada no ‘site’ da Presidência.

O objetivo de Marcelo Rebelo de Sousa é que o Parlamento “mostre abertura para reponderar a mencionada solução, por forma a ir mais longe do que foi – nomeadamente nas tarifas ou na contribuição –, na obtenção desse equilíbrio no tratamento de operadores de transportes em domínio socialmente tão sensível, idealmente regulando o TVDE em simultâneo com a modernização da regulação dos táxis”, refere a mesma informação.

A situação não é exclusivamente nacional, antes tem motivado reflexões e debates em curso em inúmeras sociedades, europeias e não europeias", refere a nota publicada no site da Presidência, lembrando que "o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 20 de dezembro de 2017, veio expressamente considerar as plataformas eletrónicas disponibilizando o TVDE como efetivos operadores de transportes".

Reservas políticas

Para o Presidente da República, "o diploma suscita duas reservas políticas de fundo".

Primeira reserva – ao abranger só uma das entidades concorrentes (o TVDE) perde a oportunidade de, ao mesmo tempo, rever, em conformidade, o regime legal da outra entidade (os Táxis)", refere a nota, considerando que se "perde a oportunidade de tratar de forma global e com maior equidade o que assim poderia e deveria ter sido tratado".

Como "segunda reserva", o Presidente realça "o propósito de alcançar uma solução equilibrada não foi plenamente atingido", porque "no caso dos Táxis há contingentes, que não existiriam para o TVDE. E essa diferença essencial deveria ter sido adequadamente compensada".

Sobretudo porque, nos Táxis, as tarifas continuam a ser fixas, ao contrário do TVDE, em que são livres. Estas duas diferenças económico-financeiras de peso não são compensadas nem pelo uso de corredores BUS, nem pelas praças e o acesso em plena via pública (hailing)", escreve Marcelo Rebelo de Sousa.

Para o Presidente, "a única compensação de vulto poderia ser a contribuição paga pelo TVDE", mas "a grande compensação da inexistência de contingentes e de um regime favorecido de tarifas para o TVDE pode acabar por ser insignificante".

Embora sabendo que foi amplo o consenso partidário na votação do Decreto e evidente o propósito de procura de equilíbrio na solução legal, o Chefe de Estado solicita à Assembleia da República que mostre abertura para reponderar a mencionada solução, por forma a ir mais longe do que foi (nomeadamente nas tarifas ou na contribuição), na obtenção desse equilíbrio no tratamento de operadores de transportes em domínio socialmente tão sensível", conclui  anota da Presidência.

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PS quer "acomodar preocupações do Presidente"

O PS pretende alterar, e não confirmar, o diploma vetado que regula o transporte de passageiros através de plataformas como a Uber e a Cabify, com "um esforço para acomodar as preocupações do Presidente", anunciou Carlos César.

No que toca ao PS, faremos um esforço para acomodar algumas das preocupações do Presidente da República, que me parecem compagináveis com as que também temos e que acabaram por não ficar na lei aprovada", afirmou o líder parlamentar do PS, acrescentando: "Não confirmaremos, por isso, o diploma e procuraremos essas alterações."

O decreto hoje vetado tinha sido aprovado em votação final global no dia 23 de março, com votos a favor de PS, PSD e CDS-PP, a abstenção do PAN e votos contra de PCP, Bloco de Esquerda e "Os Verdes".

BE saúda veto de PR

O Bloco de Esquerda (BE) saudou hoje o veto do Presidente da República (PR) ao diploma sobre a atividade das plataformas eletrónica de transporte privado de passageiros, considerando que essa lei iria “inovar negativamente na desregulação” do setor.

O BE é bastante favorável ao conteúdo do veto político do senhor Presidente. Saudamos esse veto porque, em larga medida, confirma as objeções que tínhamos feito desde o início em relação àquela legislação”, disse à agência Lusa o deputado bloquista Heitor de Sousa.

Para o deputado, “uma parte do veto que vale a pena sublinhar é o facto de Portugal, com uma legislação deste tipo, poder inovar negativamente na desregulação de um setor de atividade económica, o que não acontece nos outros países europeus nos quais plataformas como a Uber operam e enfrentam processos em tribunal”.

Seríamos uma espécie de idiotas úteis nas mãos de uma multinacional como a Uber e como outras” plataformas, vincou Heitor de Sousa.

O BE quer, por isso, “que este subsetor seja regulado, mas que essa regulação tenha regras semelhantes ao setor dos táxis”, adiantou.

Para Heitor de Sousa, a lei “tem de respeitar os contingentes das autarquias, que são quem regula o acesso aos táxis nos seus territórios”.

“O senhor Presidente veio confirmar esta ideia e veio chamar a atenção para não haver uma disparidade tão grande das condições de acesso” para operadores de transportes privados e taxistas.

Com o retorno do processo ao parlamento, o BE prometeu estar “bastante atento e ativo” para que situações como a fixação de contingentes pelas autarquias sejam “corrigidas”.

“É uma questão da qual não abdicamos, que as autarquias não sejam postas à margem do processo”, vincou Heitor de Sousa.

CDS reage com “alguma surpresa”

O CDS-PP reagiu com “alguma surpresa” ao veto presidencial à lei das plataformas eletrónicas de transporte de passageiros, acrescentando que o partido “vai tentar ser mais claro e preciso” na separação do modelo de negócio.

Reconhecemos que é preciso, ao mesmo tempo que se moderniza ou se dá a oportunidade de haver enquadramento legal a um novo modelo, que o modelo tradicional tenha também as capacidades de ter as mesmas armas. Já não conseguimos é acompanhar aquilo que vem no comunicado [publicado na página da Presidência da República] dizendo que estamos a falar da mesma coisa: nunca entendemos isso, nem nós nem nenhum outro grupo parlamentar, porque senão tínhamos feito uma alteração à lei do táxi”, explicou Hélder Amaral, em declarações à agência Lusa.

Assumindo “alguma surpresa” pelo veto de Marcelo Rebelo de Sousa, o deputado diz que o CDS vai fazer aquilo que pede o Presidente da República.

[Vamos] Estar muito atentos e tentar corrigir, ou seja, tentar ser mais claros e mais precisos na separação do modelo, o que, para nós, continua a não se confundir: uma coisa são plataformas eletrónicas, outra coisa é serviço público de táxi; e, obviamente, modernizar, como pede o senhor Presidente da República, ou criar condições para que o setor do táxi se possa modernizar, naquilo que é compatível, coincidente e comum às plataformas, o que é muito pouco”, defendeu.

Hélder Amaral espera que o Presidente da República “perceba que o espírito do legislador nunca foi mudar a lei do táxi, foi fazer um negócio novo”, o que, no seu entender, “esta é uma mensagem que o parlamento terá de saber interpretar e responder em conformidade”.

O deputado, que também preside à comissão parlamentar de Economia, recordou aquilo que foi dito na última edição da Web Summit, em Lisboa, durante a qual modelos como a Uber “foram considerados as estrelas da companhia” e os mais inovadores.

Tenho de ser coerente: não posso aceitar que se vá à Web Summit dizer que modelos como a Uber são o alfa e o ómega da inovação e depois quando o Parlamento quer legalizar o tal modelo elogiado por todos, e ouvi o senhor Presidente da República na Web Summit a pedir, a solicitar, a apoiar e a incentivar a inovação, quando o Parlamento cria um enquadramento legal diz-se: ‘bom, mas isso afinal vai contra o modelo tradicional’. Temos de saber o que é que queremos”, salientou Hélder Amaral.

PCP fala em oportunidade

O PCP afirmou hoje que o veto presidencial é uma oportunidade para corrigir "as opções erradas" do Governo, PSD e CDS-PP, que aprovaram a lei.

O deputado comunista Bruno Dias disse à agência Lusa que como está, a lei criaria "um regime paralelo de privilégio".

Não estamos a falar de regulamentação mas de uma legalização à margem da lei" de um negócio operado por multinacionais no setor do transporte de passageiros, que tem que ser olhado "como o serviço público que é", defendeu.

O PCP opôs-se sempre a uma lei que considera que promove a concorrência desleal e defende alterações como a definição de tarifários, para plataformas como a Uber e a Cabify não poderem "cobrar o que quiserem" aos passageiros e zonas de oferta de serviço definidas pelas câmaras municipais, alterações que vai continuar a defender nas próximas etapas da discussão da lei no parlamento.

Esta lei "não é sobre plataformas, mas a liberalização do serviço de transporte", afirmou Bruno Dias, referindo que já existem plataformas eletrónicas "que cumprem a lei".

 

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