"Faço disto vida e pago impostos". O que é a Twitch e como ser streamer já é uma profissão em Portugal - TVI

"Faço disto vida e pago impostos". O que é a Twitch e como ser streamer já é uma profissão em Portugal

MoveMind e Morais HD

Dino e Diogo viram no desemprego uma oportunidade. Um trabalhava numa loja de roupa, outro na banca. Hoje em dia são mais conhecidos por MoraisHD e MoveMind, nomes que adotaram na Twitch, plataforma em que se destacam como dois dos maiores streamers em Portugal

Dino trabalhava como analista de risco num banco em Portugal. Com vontade de partilhar os seus pensamentos e opiniões na internet, mas inibido pelas repercussões que pudessem ter a nível profissional, adotou o pseudónimo MoraisHD e o avatar de um palhaço. 

Corria o ano de 2009 quando aderiu à Justin.tv, um website desenvolvido por uma startup norte-americana que permitia que qualquer pessoa transmitisse vídeos online. As contas dos utilizadores eram chamadas "canais", como no YouTube, e os utilizadores eram encorajados a transmitir uma grande variedade de conteúdos de vídeo em direto - as streams (transmissões).

"Toda a minha vida trabalhei no ramo bancário e tinha de adotar uma postura formal, por isso precisava de deitar algum vapor cá para fora e procurei isso nas streams", diz MoraisHD em entrevista à CNN Portugal, explicando que, nessas transmissões, jogava videojogos com amigos.

Na altura, os conteúdos tinham de ser exclusivamente relacionados com videojogos, algo que entretanto mudou: a JustinTV deu lugar à Twitch, que evoluiu após ter sido comprada pela Amazon por cerca de 850 milhões de euros - e com ela cresceram também os canais dos utilizadores.

Mas qual é o interesse de ver os outros a jogar?, pode perguntar. Na indústria dos videojogos, que representa mais de cem mil milhões de euros em circulação a nível global, muita gente vê interesse nisso e, segundo os utilizadores, o foco na comunidade e no entretenimento faz toda a diferença.

"Estás a ver um streamer, mas ao mesmo tempo estás a falar com os teus amigos. Às vezes nem é pelo jogo , mas também pelo próprio conteúdo do canal", explica à CNN Portugal Vanessa Vieira Dias, utilizadora da Twitch.

Mas nem apenas de jogos se faz a Twitch. É possível ver diretos de desporto, receitas culinárias, exercício físico, comentário político, concertos, talk shows, reações a vídeos online e muito mais, o que permite aos criadores fazer vários tipos de conteúdos e conquistar mais audiência.

Profissão: streamer

Um exemplo disso é MoraisHD, que se identifica como "variety streamer, com conteúdo virado para o humor". O que começou por ser um escape ficou mais sério e atualmente conta com mais de 250 mil seguidores, numa das maiores plataformas de livestream, tendo sido considerado o melhor criador de conteúdo digital em Portugal, em 2019, nos Prémios Esports.

Transmissão de MoraisHD
Transmissão de MoraisHD

 

Para trás ficou o emprego na banca: agora, MoraisHD é streamer. Através de um setup montado em casa, transmite em direto cerca de oito horas por dia para milhares de espectadores que o acompanham no canal na Twitch.

Tem um talkshow, podcasts e dias temáticos: "Existem dias para jogos retro, dias para jogos de terror... é de tudo um pouco". "De repente vi-me desempregado e com tempo livre e passei a full-time streamer desde que acordo até que me deito. Faço disto vida, exclusivamente. Não tenho outro emprego. E compensa do ponto de vista monetário, não vou ser hipócrita: ganho mais dinheiro do que ganhava no banco".

Hoje, o cenário é diferente do que quando MoraisHD começou: há mais streamers e a comunidade portuguesa também aumentou. Mas a maioria não o faz a tempo inteiro: "É preciso ter alguma sorte e dedicar-se a 100%, coisa que muitas das vezes não acontece".

Mas Diogo da Silva contrariou esta tendência. Há apenas dois anos, conciliava o trabalho numa loja de roupa num centro comercial e numa discoteca quando a pandemia de covid-19 o forçou ao desemprego. 

"Eu acabei a quarentena com cerca de 10 euros na minha conta e lá em casa era uma preocupação para os meus pais: tinha 27 anos e o que é que ia ser de mim?", conta à CNN Portugal Diogo da Silva.

Com mais tempo livre, adotou o nome MoveMind e começou a produzir conteúdos para a Twitch. O canal foi crescendo e, num curto espaço de tempo, tornou-se um dos jovens criadores mais promissores da plataforma em Portugal.

"O meu canal é um bocadinho de tudo, onde reina o entretenimento. É quase um standup porque faço comédia em direto. Comecei a levar o meu canal quase como se fosse uma série de televisão em que todos os dias faço uma introdução diferente e isso dá para cativar as pessoas".

Em média, cerca de 30 mil utilizadores únicos assistem às streams de MoveMind, cujas visualizações podem ascender às 90 mil após 24 horas. Em dois anos, o jovem já soma mais de 12 milhões de visualizações e detém o recorde nacional de subscritores: são cerca de 3.600.

A minha maior stream foi com o Jorge Gabriel que, em duas horas, tivemos quase 130 mil pessoas. É impressionante (...) Eu estar a streamar num quarto onde mal cabia a minha cama e do nada jogadores conhecidos do mundo do futebol, como João Félix, Diogo Jota e Rúben Neves, já festejaram golos por mim", revela.

Tal como MoraisHD e MoveMind, há quem ganhe muito dinheiro a fazer stream em Portugal. Os valores variam de acordo com a plataforma e com o número de visualizações. Contudo, os melhores streamers são patrocinados por marcas, recebem doações diretas do público e têm até conteúdo premium pago por mensalidade pelos subscritores. 

"Tal como o YouTube, existem diversos tipos de monetização. A principal para mim advém de valores relativos a subscrições. Neste caso, o meu serviço é sempre gratuito - ninguém tem de pagar para ver - no entanto, dou algumas vantagens aos subscritores (que pagam 3,99€ por mês)", revela MoraisHD.

As vantagens do canal de MoraisHD dividem-se em escalões, consoante o tipo de subscrição paga pelos utilizadores: "Se for tier (escalão) 1, não tem anúncios e tem emotes personalizados (pequenos ícones que exprimem um pensamento ou uma emoção e podem usados no chat do canal); se for 2, são mais emotes; se for 3 dou acesso a jogar comigo, por exemplo".

Também no caso de MoveMind, cada um dos 3.600 subscritores paga 3,99€ mensalmente. Além disso, qualquer pessoa com Paypal pode fazer uma doação: "Por exemplo, no meu aniversário, recebi 6.000 euros em doações de pessoas que me quiseram agradecer pelo meu trabalho e ajudar".

"Dá-me muito gozo ter estes números porque estamos em Portugal, lá fora é diferente. Eu só faço isto, mas dá para trabalhar também com outras marcas e isto tudo remunerado dá para viver disto e ainda faço o que gosto, o que é o mais importante", afirma Diogo da Silva.

Contudo, os dois criadores de conteúdo com quem a CNN Portugal falou deixam duras críticas à forma como a empresa norte-americana gere a remuneração através de anúncios. "A fonte principal deveriam ser os anúncios, mas em Portugal é para esquecer. No mês passado ganhei cerca de 20 dólares em anúncios. É uma coisa ridícula porque as empresas não apostam em Portugal em anúncios. Nos Estados Unidos é completamente diferente", revela MoraisHD.

É importante salientar uma coisa: eu faço descontos. Estou coletado como empresário em nome individual, passo recibo de todos os valores que recebo e pago impostos e Segurança Social como se fosse trabalhador independente. Não há desculpa para o pessoal não fazer isso", frisa MoraisHD.

Desengane-se quem pensa que, para ser streamer, basta apenas sentar-se em frente a um computador com uma câmara e transmitir: segundo MoraisHD e MoveMind, este é um trabalho que exige muita preparação. "Existem vários cenários que eu tenho fictícios, por exemplo, em que estou num concerto, ou a avaliar e criar músicas. Existem outros onde estou a jogar jogos de terror ou outro tipo de disposição. E isso tem de estar sempre a ser reinventado porque, como nos programas, tem de haver periodicamente uma renovação de imagem, senão as pessoas cansam-se. E eu sei disso e são horas e horas", afirma MoraisHD.

Como é um dia normal de um criador de conteúdos? Para MoveMind, passa por fazer diretos de 9 ou 10 horas e dormir em média 3 horas. Quando acorda, escreve o que tenciona fazer, muitas das vezes faz conteúdos para marcas e trabalha nos projetos que vai lançar em 2022: "E quando dou por mim já é hora de fazer live outra vez. E perco horas e horas a ver o meu conteúdo até ver onde errei".

"Não é só ligar a stream: há muita coisa por trás. Tenho uma organização ao qual estou afiliado, que é a For The Win Esports, que é uma das maiores empresas de esports em Portugal, em que sou representado por um agente para tudo o que precisar, mas em termos de conteúdos e preparativos sou só eu", explica MoraisHD.

Também MoveMind é agenciado pela For The Win Esports (clube de desporto eletrónico registado na FPF Esports), que o ajuda a gerir a carreira. Mas enquanto MoraisHD faz a gestão dos conteúdos do canal sozinho, MoveMind, por sua vez, conta com uma equipa de produção: "Tenho comigo um designer que me trata de tudo a nível visual, uma pessoa para fazer conteúdos para o YouTube e TikTok, uma psicóloga, uma massagista - porque passo muitas horas na cadeira - e uma nutricionista, mas tenho falhado."

E a verdade é que a Twitch lhe mudou a vida: "Deixaram de ser os meus pais a ajudar-me e passei a ser eu a ajudá-los. Esta é a grande realização pessoal que eu levo desta plataforma".

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