António Lobo Xavier é demolidor para com o primeiro-ministro demissionário, António Costa, por causa da intervenção que o chefe do Executivo fez, este sábado à noite, no Palácio de São Bento. O comentador esteve, juntamente com Alexandra Leitão e José Pacheco Pereira, numa emissão especial do Princípio da Incerteza, depois da comunicação do primeiro-ministro ao país.
“Foi o serviço pior à justiça. Nem Sócrates se atreveu a falar alguma vez assim em situações públicas, em que tinha vestes públicas e responsabilidades públicas e em edifícios públicos de grande dignidade e nobreza”, considerou o comentador da CNN Portugal.
Lobo Xavier considera que, depois de apresentar a demissão e de a explicar ao país, um primeiro-ministro demissionário, “que se mantém em funções em nome da estabilidade financeira do país”, deve primar pelo recato. “A primeira obrigação de um primeiro-ministro demitido, depois de ter falado ao país explicando as razões da sua demissão, é ser contido e sair de cena. Deve imediatamente eliminar da sua agenda as intervenções públicas que não sejam estritamente necessárias. (…) Não é possível um primeiro-ministro demitido, que se mantém em funções em nome da estabilidade financeira do país, usar a residência oficial para se referir ao processo”, acrescenta.
O comentador considera que António Costa se referiu ao processo, que “boa parte das suas respostas, são respostas que ele teria de dar ao Supremo Tribunal de Justiça, se ali fosse interrogado no decurso do inquérito que está a decorrer”. “Insto é inaceitável para um jurista, para um ex-advogado, para um homem com quem aprendi muitas das coisas que digo sobre a separação de poderes”, frisou.
“Aproveitou para se referir a duas pessoas que estão detidas para interrogatório, provavelmente à mesma hora, em que foi absolutamente sinistro para a sua defesa e para as suas condições. Essas pessoas eram suas amigas. Um contratou-o para chefe de gabinete, sabendo precisamente as origens do seu chefe de gabinete. (…) [A declaração] é sobre o processo, prejudica a defesa de uma série de pessoas que trabalharam com ele. Traíram-no? Provavelmente. Mas não era necessário, estão detidos. Em condições péssimas. A ser interrogados”, sublinhou Lobo Xavier.
Já José Pacheco Pereira considera que “estamos num ambiente completamente venenoso da vida pública portuguesa”: “Estamos, na realidade, a ser governados num regime de anarquia e penso que os anarquistas, se olharem com atenção, ficam contentes. Estamos num ambiente próximo do de Itália, antes da desagregação do conjunto do sistema político italiano.”
“A ideia de que a democracia aguenta tudo não é verdadeira. Não aguenta tudo. A única forma de a democracia portuguesa aguentar o que se está a passar é a de o Ministério Público levar provas sólidas a tribunal contra o primeiro-ministro e contra todos os outros e eles serem condenados. (…) Espero que tenha sido feito com suficiente responsabilidade para haver provas sólidas para levar a tribunal e haver condenações”, disse, aproveitando para condenar as “fugas de informação que ou tem uma função política ou uma função de legitimação da investigação quando ela não tem provas suficientes”.
Pacheco Pereira diz que não viu “até agora” nada que indicie crime e considerou que é neste clima de informalidade que se fazem os jogos de bastidores nos ministérios. “Eu não vi até agora, a não ser o caso ainda não esclarecido do chefe de gabinete, que haja qualquer prova ou indício de corrupção. (…) Eu li as escutas todas e se aquilo é motivo de crime, todos os governos desde o 25 de Abril podiam ser indiciados. (…) Aquilo que está nas escutas não é, mesmo para um leigo como eu, qualquer prova de crime e eu gostava de saber como é que começou, qual é a fonte da autorização das escutas”, disse.
“Tenho a certeza que é assim que se fala nos ministérios, pelo menos desde a estabilização da democracia. É bom? Não, não é bom”, frisou.
Alexandra Leitão, ex-ministra de um Governo de António Costa, colocou-se ao lado do primeiro-ministro a quem elogiou a “grande dignidade” na forma como se dirigiu ao país e no pedido de desculpas, “pela circunstância do dinheiro encontrado no gabinete do seu chefe de gabinete”.
“Eu acredito totalmente que o primeiro-ministro não sabia, era normal que não soubesse. E é normal também que se sinta traído. E foi isso que ele disse, e pediu desculpa apesar de aqui a sua responsabilidade… não sabendo, mas escolhei aquele chefe de gabinete”, avaliou.
A jurista e comentadora da CNN Portugal frisa que todas as referências ao processo feitas por António Costa na intervenção deste sábado à noite “são referências que são muito importantes de se fazer”.