Há mesmo protetores solares que não fazem mal aos oceanos? - TVI

Há mesmo protetores solares que não fazem mal aos oceanos?

Protetor Solar (Pexels)

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Ter um estilo de vida amigo do ambiente passa, sobretudo, pelas escolhas que se fazem diariamente e até as opções ‘de uma vida’ são agora questionadas, muitas vezes à boleia de mudanças na formulação ou produção, e nem os protetores solares escapam. E sempre que abre a época balnear surge a questão: há mesmo protetores solares que não fazem mal aos oceanos? 

“Atualmente ainda não é possível responder a esta questão”. Marta Ferreira, farmacêutica, doutoranda em Tecnologia Farmacêutica e com uma pós-graduação em Cosmetologia Avançada, não se atravessa numa resposta perentória porque esta não existe: sabe-se que há compostos que podem ter um impacto negativo nos corais, mas daí a traçar os protetores solares como inimigos dos oceanos o salto é grande - e muito por culpa dos poucos estudos que existem. 

A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos diz que há “produtos químicos comuns usados ​​em milhares de produtos para proteção contra os efeitos nocivos da luz ultravioleta” que “ameaçam os corais e outras formas de vida marinha”, estando entre eles “oxibenzona, benzofenona-1, benzofenona-8, OD-PABA, 4-metilbenzilideno cânfora, 3-benzilideno cânfora, nano-dióxido de titânio, nano-óxido de zinco, octinoxato, octocrileno”, comuns nas formulações de protetores solares. E um estudo publicado no ano passado na revista Nature mostra que o filtro solar oxibenzona, já no oceano, converte-se em glicosídeos fototóxicos podendo causar a morte a anêmonas e corais. “No entanto, o(s) mecanismo(s) de toxicidade da oxibenzona não são compreendidos, dificultando o desenvolvimento de protetores solares mais seguros”, diz o mesmo estudo.

Apesar de reconhecer que “há alguns filtros solares que parecem afetar a sobrevivência e/ou interferir no desenvolvimento e dos corais em laboratório, e sob condições muito específicas”, a também autora do blogue A Pele Que Habito, um bê-á-bá da cosmética e um espaço onde são desmistificados alguns conceitos e até ideias preconcebidas, salvaguarda de que “não é claro que os filtros solares usados pelos cidadãos cheguem aos corais em quantidades relevantes, em condições adequadas, nas fases mais sensíveis no ciclo de vida dos corais e que assim permaneçam por tempo suficiente”. 

Sobre este ponto, também não há certezas. Segundo o The Guardian, não há um número redondo - ou um número de todo - sobre a quantidade de protetor solar que chega aos nossos oceanos a cada ano. “Cinzia Corinaldesi, professora associada de ecologia na Universidade Politécnica de Marche em Ancona, Itália, estimou que 20 mil toneladas são lavadas pelos turistas todos os anos somente no norte do Mediterrâneo, enquanto a organização científica sem fins lucrativos Haereticus Environmental Laboratory acredita que entre 6 mil e 14 mil toneladas são libertadas anualmente em áreas de recifes de coral a cada ano”.

“Além disso, muitos filtros não foram sequer estudados a este respeito”, atira, remetendo para o estudo Avaliação de dados ecotoxicológicos de corais para avaliação de segurança ambiental de filtros ultravioleta, publicado, em 2021, na revista científica Environmental Toxicology and Chemistry e partilhado online pela Sociedade de Toxicologia e Química Ambiental.

Embora não haja uma evidência robusta - como disse Pedro Frade, especialista em recifes de corais e os seus ecossistemas, à revista Vogue, “a evidência científica existente é forte tendo em conta os resultados científicos, mas é limitada em termos de número de estudos” -, há locais que estão já a tomar medidas. Em 2018, o Havaí lançou o aviso e a lei entrou em vigor em janeiro de 2021: desde então é proibido usar protetores solares com os filtros quíicos oxibenzona e octinoxato. Na Tailândia, conta a BBC, os protetores solares com oxibenzona, octinoxato, 4-metilbenzilideno cânfora ou butilparabeno estão, também desde 2021, proibidos. Um ano antes, Palau, no Oceano Pacífico, estreava-se nas proibições de protetores solares considerados maus para os oceanos, tal como tem vindo a acontecer em outros locais, como as zonas de ecoturismo do México, diz a Condé Nast Traveler. Apesar de uma boa parte dos corais da Grande Barreira de Coral da Austrália estar a perder cor e vida, o país ainda não se pronunciou sobre o eventual impacto dos protetores solares.

E há quem defenda que, efetivamente, há protetores solares nocivos e que é possível torná-los menos danosos para os mares. Neste sentido, escreve o The New York Times, “os protetores solares seguros para recifes são feitos com versões não micronizadas dos ingredientes ativos óxido de zinco e/ou dióxido de titânio”.

No mercado existem já versões que se dizem ‘amigas dos oceanos’, mas, mais uma vez, a farmacêutica Marta Ferreira alerta para o facto de que “também não é claro que a perda de corais que se regista nos oceanos se deva de facto aos filtros solares de forma significativa”, uma vez que “sabe-se que os recifes de corais são significativamente afetados pela acidificação das águas, decorrente a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera, pelo aquecimento global que daí resulta, e pela poluição dos oceanos”.

Mas, apesar da parca evidência, Marta Ferreira destaca que “é possível” que “a utilização mais massiva de determinados filtros possa levar à concentração destes ingredientes nos oceanos”, mesmo não se sabendo, “de facto, se os filtros solares, e que filtros solares afetam os oceanos”. “De momento ainda não dispomos de informação que permita realizar escolhas conscientes no que diz respeito à distinção de filtros solares quanto ao seu impacto os oceanos”, diz.

E um protetor que deixa de ser mau para o oceano continua bom para a pele? A resposta é sim - e a sua correta aplicação é determinante. Segundo Marta Ferreira, tirar ingredientes considerados nocivos para os mares e corais não tem impacto na segurança do protetor e na sua eficácia na hora de criar uma barreira contra a radiação ultravioleta - e que, inexistente, aumenta consideravelmente o risco de lesão cutânea e até de cancro.

“Atualmente existem 31 filtros solares permitidos na União Europeia. A proteção solar pode ser conseguida combinando vários destes filtros, e por isso não é previsível que a retirada de um ou de outro composto, de um leque pequeno, afete a sua eficácia”, conclui a farmacêutica.

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