"Se essa hecatombe acontecesse, renunciaria ao mandato". Manuel foi (e volta a ser) o último do PS por Lisboa: não queria que fosse de outra maneira - TVI

"Se essa hecatombe acontecesse, renunciaria ao mandato". Manuel foi (e volta a ser) o último do PS por Lisboa: não queria que fosse de outra maneira

Manuel Portugal Lage

LISTA DOS ÚLTIMOS | É o número 53 pelo círculo de Lisboa pelo PS para as eleições de 10 de março. Em 2022, já tinha estado na mesma posição, mas em 2009 chegou a estar num lugar tradicionalmente elegível na lista de deputados socialistas. “Por sorte”, naquele ano não se deu. É uma figura relevante do partido em Lisboa. Mas diz não ter ambições para lá da política local. Ser parlamentar, implicaria uma mudança profunda nas rotinas. E, para isso, já basta o terceiro filho que vem a caminho

Manuel Portugal Lage serve-se de uma chávena de café. A manhã já vai longa. Aproveitou o intervalo antes da entrevista para ir aos correios. Há sempre muita coisa para fazer.

“Quis ser advogado porque me senti injustiçado na escola, quando era miúdo. A professora estava a escrever no quadro, de costas para mim. Virou-se para trás e disse ‘Manuel, cala-te, estás sempre a falar e a perturbar’. Disse-lhe que era uma injustiça. Cheguei a casa e perguntei o que poderia fazer para ajudar as pessoas que são injustiçadas”.

O pai, jornalista de profissão, falou da advocacia e da política, embora não achasse “muita piada” a ter o filho nessas carreiras. “Dizia-me, na brincadeira, que só faltava ser jornalista”. E Manuel acabou, através das crónicas que escreve na imprensa, por aproximar-se dessa terceira via.

“Na política, achei que podíamos ajudar mais pessoas. E, por isso, a minha adesão à vida política e à causa pública a que tanto me tenho dedicado”. Dedicação grande, mas com limites. É que Manuel Portugal Lage não quer ser deputado, mesmo que o nome figure nas listas de candidatos.

É o número 53 pelo círculo de Lisboa. O último dos últimos, num lugar não elegível. Já tinha sido assim em 2022. Volta a sê-lo em 2024.

“Em 2009, fui candidato num lugar elegível. Por sorte, naquele ano não foi”. E a vida de Manuel Portugal Lage encaminhou-se noutro sentido. “Nesta fase, tenho a minha vida profissional muito estabilizada. Gosto muito do que faço. Passei a ter outra disponibilidade”.

Além da advocacia, é administrador na Escola Superior de Saúde de Alcoitão. E, na política, lidera o grupo parlamento do PS na Assembleia Municipal de Lisboa, estando à frente da “oposição a Carlos Moedas” na capital. É ainda presidente da Assembleia de Freguesia de Marvila. Para ser deputado, ia ser necessário abdicar de algumas destas coisas, que tanto gosto dão a Manuel Portugal Lage.

“Não podemos só ocupar os primeiros lugares. Estar no último lugar dá um sinal de que estamos cá também para ajudar. Os lugares do fundo também prestigiam”. Há um acordo tácito com as estruturas: o nome dele pode até figurar nas listas, como uma espécie de reconhecimento pelo trabalho feito, mas sempre sem a perspetiva de uma eleição. “Sabem que tenho outras funções, está perfeitamente claro entre todos: podem contar comigo, mas não como deputado. Não é algo que ambicione, a minha vida profissional não o permite”.

Manuel Portugal Lage não perde muito tempo a pensar em como seria como deputado. Essa hipótese é remota. Muitos outros teriam de cair para chegar a vez dele. “Se essa hecatombe acontecesse, o que é meramente académico, sendo o último da lista, renunciaria ao mandato, porque é uma questão que não consigo sequer colocar. Renunciar era a primeira coisa que faria”.

Benfica e PS: o cartão e o coração

Ao entrar no gabinete de Manuel Portugal Lage na Escola Superior de Saúde de Alcoitão há duas coisas que saltam à vista. A primeira é o mural com desenhos das filhas. A segunda é um cartaz gigante, em jeito de caricatura, com a fotografia do socialista colada por cima. No peito, o emblema do Benfica.

Mesmo que as relações entre o futebol e a política possam dar motivos a polémicas e dores de cabeça, Manuel insiste que cada coisa tem o seu lugar. “Devemos assumir aquilo que somos. Tal como assumo que sou católico ou aficionado [apreciador de touradas]”.

Por isso, a caricatura feita pelos alunos divertiu-o. “Sabermos rir de nós mesmos é um privilégio. Os alunos foram muito simpáticos. No final do espetáculo, ofereceram-me o cartaz”.

“Sou do Benfica desde que nasci. E sou do PS desde os 14 anos. Antes de ser socialista, era benfiquista. Disso não tenho dúvidas. Pelo menos de cartão. De coração acho que estas coisas são como a pescada: antes de o sermos, já o éramos. Depois era uma questão de reconhecer e de chegar lá”.

O Benfica é também, nesta família, sinónimo de legado. A cada jogo dos encarnados, Manuel Portugal Lage usa ao peito uma joia que o avô criou com o emblema do clube. Tem passado de geração em geração. “O meu avô usava-o todos os dias”. Lá em casa, são todos do Benfica, até o terceiro filho que nasce dentro de meses. Se um dia quiserem deixar de ser sócios, diz sorridente, têm “direito a opção”.

Do futebol também tira lições para a política: “acho que os portugueses apelam muito ao ‘fair play’ no desporto mas que se esquecem dele na política. Tal como os jogadores, quando acaba o jogo, os políticos também trocam de camisolas. Às vezes, depois de um debate, vão até jantar juntos e são amigos de casa. As pessoas têm dificuldade em aceitar que isso aconteça com políticos”.

 

Vida à americana

Apesar da recheada vida profissional e política, Manuel Portugal Lage consegue arranjar tempo para muitas outras paixões. Se fosse deputado, admite, algumas teriam de cair. Gosta de montar a cavalo, sem a pressão das competições, apenas por gosto. Não tem cavalos próprios.

“Também sou um bom garfo. E gosto de acompanhar com bom vinho tinto português”. O que se orgulha de ter em casa, em Cascais, é o espaço ao ar livre para fazer churrasco à americana. É aos Estados Unidos da América que procura voltar praticamente todos os anos. Em concreto, a Washington DC, onde cresceu. O pai arranjou trabalho como jornalista nesta cidade americana. A mãe foi por arrasto e acabou a trabalhar no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.

“Acho que devemos sempre voltar a onde já fomos felizes”. Por isso é que volta sempre ao final da lista do PS? “Se calhar, se calhar”, ri-se.

Apesar de viver em Cascais, manteve a relação com o PS de Lisboa Oriental. Nasceu na Penha de França em 1976. Depois das passagens pelos Estados Unidos e Macau, quando saiu de casa dos pais, comprou o primeiro apartamento na Alameda. O casamento e o nascimento das filhas, apesar do afastamento, não ditaram o corte das raízes com aquela parte da capital.

A atual mulher, Marta, não tem ligações à política. Contudo, Manuel Portugal Lage encara isso como positivo. “É bom podermos falar e ouvir opiniões diferentes. Tem uma visão mais distanciada, mais desprendida”.

Atenção à imagem

Antes da fotografia, Manuel Portugal Lage não resiste a uma piada. “Hoje até me penteei”. O cabelo claro vem sempre impecavelmente alinhado para a esquerda, em estilo molhado. Os olhos azulados, expressivos, marcam a expressão. Presta muita atenção à imagem. Nas redes sociais, partilha com regularidade a vida pública e privada.

Apesar dos mais de 12 mil seguidores, não é um criador de conteúdos. Assim como não quer ser um criador de leis enquanto deputado. “Não sou legislador, aplico a legislação enquanto advogado. Nem sequer consigo pensar numa coisa desses. Nunca me passou pela cabeça”.

Na política, Manuel Portugal Lage não quer ser cargos executivos. Mas isso não significa que não queira por as mãos na massa: para a campanha que se aproxima vai de mangas arregaçadas. Elogia Pedro Nuno Santos, que conhece desde os tempos da Juventude Socialista: “É uma pessoa muito determinada. Sabe exatamente aquilo que quer. E está muito bem preparado. Tem um desprendimento que lhe permite ser ele próprio”.

“Gosto muito do que faço. Quanto a ser o último da lista, estou no lugar onde quero estar”. Se um dos filhos, daqui a uns anos, lhe disser fazer parte de uma estrutura política, Manuel Portugal Lage, admite que poderá sentir o mesmo que o pai. “Provavelmente, também não vou achar muita piada”. Mas vai aceitar. Que remédio. Será sempre pior se lhe disserem que são de outro clube.

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